MÚSICA

Por Renan Simões

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

Eu queria conseguir escrever as coisas mais bonitas sobre esse álbum porque ele merece muito ter coisas muito bonitas escritas sobre ele, coisas bonitas que EU possa escrever sobre ele. Venha, inspiração, venha!

Mais um dos meus álbuns “biológicos”, “geográficos”, “astrofísicos”, das profundidades da essência do que quer que ser humano (do verbo SER) seja.

Se você já leu sobre outros álbuns meus aqui nessa página, já sabe da influência que coisas que assisto têm no que faço. O desejo que tenho de criar uma música que seja a representação sonora DAQUELA COISA apaixonante, que tira o mundo da gente do lugar, que emociona demais. Normalmente são documentários. E foi assim com Sadly dying out never to resurface again. Literalmente Tristemente desaparecendo para nunca mais ressurgir novamente. Tem essa redundância aí do “ressurgir novamente”. Se é “ressurgir”, já tem o “novamente” nele, né? Mas é como quando a gente fala “voltar de novo”. Uma pessoa foi e voltou. E depois foi e voltou NOVAMENTE. Essa é a ideia. De algo que já havia ressurgido, desapareceu, ressurgiu novamente, etc. No caso do título, algo que nunca mais ressurgir. Fim. Acabou. Nunca mais. 

Lembro que queria evitar melodias no álbum. Tomei coragem para deixar somente o que seriam os “sons de fundo” para alguma melodia que estaria por cima de tudo, conduzindo a canção, o que normalmente faço, porque sou um cagão. Queria mais climas e menos música. Queria atmosferas e não notas musicais criando alguma coisa. Mas como há música em tudo… Acho que acabou sendo um álbum bem minimal por causa disso.

Os títulos, claro, saíram dos documentários que assisti enquanto fazia o álbum. 

A primeira música se chama Villa Luz. É o nome de uma caverna localizada no estado de Chiapas, no México. Ela é famosa por suas características geológicas únicas, especialmente por abrigar formações de enxofre. As condições dentro da caverna são extremas devido à alta concentração de gás sulfídrico, tornando-a um local de interesse científico, principalmente para estudos sobre extremófilos (organismos que vivem em condições extremas). Extremófilos mexem muito com meu coração. Os nós na mente.

A segunda música se chama The olm. Esse animal detona meus sentidos.
O olm, também conhecido como proteus ou “peixe humano”, é uma espécie de anfíbio caudado que habita as águas subterrâneas das cavernas dos Balcãs, principalmente na Eslovênia, Croácia e Bósnia e Herzegovina. Adaptado à vida aquática subterrânea, o proteus tem um corpo alongado e cilíndrico, com pele pálida e translúcida. Ele é cego, com olhos rudimentares cobertos por pele, e depende de seus sentidos de olfato, audição e percepção de vibrações para navegar e caçar em ambientes escuros. Com um metabolismo extremamente lento, pode sobreviver longos períodos sem comida e tem uma notável longevidade, vivendo mais de 100 anos. 

A terceira música se chama Out of this place in this landscape, e é sobre alguma forma de vida que não faz parte “daquela” paisagem, mas está lá. Ou é sobre você, que parece não caber em seu próprio corpo, em sua própria existência. Que se sente como se sua mente não deveria funcionar como funciona porque não combina com você, sendo que “você” (ou “eu”, o “self”) é só uma ilusão. Boom!

A quarta música se chama Devoid of air (sem ar, desprovido de ar). Não lembro. Essa frase provavelmente saiu de algo sobre criaturas ou organismos que vivem em condições sem ar, ou seja, em um ambiente anaeróbico. Essas criaturas são conhecidas como anaeróbios ou organismos anaeróbicos e incluem várias bactérias e outros microrganismos que podem sobreviver e até prosperar na ausência de oxigênio. A capa do álbum, aliás, é uma colônia de bactérias, formando a imagem maravilhosa. Não se esqueça: o planeta Terra pode ser considerado o “reino das bactérias” em termos de abundância e diversidade. As bactérias são, de fato, os seres vivos mais abundantes na Terra. Boom!

A quinta música se chama Sand did that, “a areia fez aquilo”. Sobre algo que passou a ter a forma que tem por causa da ação da areia sobre ele, porque a areia pode modificar uma variedade de aspectos no ambiente e nas estruturas, devido às suas propriedades físicas e ao seu movimento.

A sexta e última música se chama Dormant, “inativo”. Na natureza, o termo “dormant” descreve entidades e processos que estão em um estado de repouso ou inatividade, mas que podem se reativar sob condições apropriadas. Sementes podem permanecer dormentes até que a temperatura e a umidade sejam favoráveis para a germinação. Vulcões, por sua vez, podem ser descritos como dormidos se não entrarem em erupção há muito tempo, embora ainda tenham potencial para se reativar. Insetos e plantas frequentemente entram em períodos de dormência durante condições adversas, como inverno ou seca, para conservar energia. Esporos de fungos e bactérias também podem permanecer inativos até que as condições se tornem propícias para seu desenvolvimento. Em cada caso, o estado de dormência permite que esses organismos e processos sobrevivam e se preparem para condições mais favoráveis.

E termino deixando aqui o texto que está na página do álbum no meu Bandcamp;

“Algumas semanas que testemunharam minha tentativa, mais uma vez, de fazer música tranquila. Nem sempre consigo, mas estou profundamente satisfeito com o que consegui desta vez.

Algumas pessoas rezam e têm seus deuses. Eu assisto documentários e sou transportado. A maior parte da música que fiz em 2014 provavelmente foi influenciada por coisas que vieram até mim através da televisão.

As músicas em ‘Sadly…’ falam sobre o que está distante, espaços vazios, lugares e seres ainda a serem descobertos, sendo uma coisa e depois outra. Vórtices, vozes e vazios. Elas são sobre (e para) aquelas pessoas que vão aonde não são esperadas ou previstas. Aqueles que sempre conseguem ir a qualquer lugar e trazer suas descobertas para compartilhar.

Essas músicas são sobre aceitar o fato de que tudo desaparecerá um dia e que está tudo bem, porque algo maior e melhor virá e tomará o seu e o meu lugar 🙂 Elas são sobre… bem, estar em silêncio – porque o silêncio “É” dourado – e respirar o universo.

Obrigado.”

Obrigado por ter lido. Um beijo em sua testa. 🙂

https://gimu.bandcamp.com/album/sadly-dying-out-never-to-resurface-again

Obs.: Segue link para a resenha do álbum que eu realizei, visto que este ficou em 67º lugar do meu ranking de melhores discos da música brasileira:

https://tudooqueeutenhoadizersobremusica.blogspot.com/2023/05/67-gimu-sadly-dying-out-never-to.html