MÚSICA

Por Renan Simões

 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

Há essa banda chamada His Name Is Alive. Era louco pra ouvi-la, mas como, ali no começo dos anos 90? CDs importados. Ainda não rolava. Levaria uns anos até conhecer amigos de outros estados, e alguns eram de São Paulo. Um deles se chama Charlie. Meu amado Charlie. Uma das criaturas mais chic e cool que conheci na vida. Charlie já tinha um trabalho mais estável, professor, assim como eu, e podia comprar CDs importados, enquanto eu e outros amigos em comum fazíamos pro miojo de cada dia. Devo muito ao Charlie por ter me tornado professor. Ele estava lá ao meu lado me dando dicas, me ensinando, me dando força, falando coisas bonitas para eu deixar de onda e acreditar em mim mesmo.

Quanto ao que aconteceu, isso ou aquilo, é meio confuso na minha cabeça, porque era um tal de ir pra SP e voltar pro ES a partir de 1993, até que eu me mudasse para lá, e vivesse em Osasco por alguns anos. Charlie foi nosso “alimentador” de coisas lindas e definitivas porque ele tinha os CDs. Alguns dos meus álbuns favoritos eram, e ainda são, CDs dele. Charlie ainda os tem. Acho isso muito doido e muito engraçado. Nunca tive, por exemplo, o Home is in your head, segundo álbum do His Name Is Alive (HNIA). Tinha em fita K7, feita a partir do CD do Charlie. Aliás, ainda tenho essa fita K7. Tenho todas até hoje, porque na virada dos 80 para os 90, aí sim, fitas fariam parte da minha vida, em um intercâmbio maravilhoso de fitas via correios com outras pessoas de várias partes do nosso país grandão. 

HNIA era da 4AD, e se era da 4AD, naquela época, a gente já sabia o que esperar. 4AD tinha muito a ver com sons misteriosos, etéreos, distantes, de outros mundos, mas também tinha uma banda como Pixies, que era muito incomum, fazendo rock berrado como nenhuma outra banda. Era, a seu jeito, ouro mistério também. 

Ouvir o Home is in your head (HIIYH) era de dar nó na cabeça, de ouvir algo pela primeira vez, de ser sugado para dentro DAQUILO, do mundo todo próprio do álbum, que tem 23 faixas, todas agarradas, algumas de poucos segundos, outras mais longas. De desnortear. Soava como se seus membros flutuassem. Caminhar era passado para eles 🙂 E eu nem sabia quem era quem, quantas pessoas eram da banda. Os vocais, quando estão lá, são sempre femininos. Tudo é minimal, sutil, micro, emocionante. Emocionante é subjetivo, bem sei, mas é isso. 

Meu álbum Moving, Still foi meu jeito de fazer meu próprio Home is in your head. Homenagem mesmo, mas sem vocais. Quero dizer, tem uns “ahhhhhh” perdidos em algumas faixas, que eu mesmo fiz. São 25 faixas, todas emendadas também, tudo distante, rarefeito, etéreo. Meu conceito era, além de tudo isso do HIIYD, usar os pipocos de vinil como se fossem batidas, e deixar que os pipocos/batidas de uma música entrassem na próxima, costurando tudo. É isso, só isso. Antes do Moving, Still, eu já tinha feito outro álbum assim, 25 faixas, tudo agarrado, chamado I silenced and walked away. Foi um exercício. Acho Moving… mais bem acabado. A faixa 17 do HIIYH se chama Sitting still moving still staring outlooking. O título do meu álbum vem daí. Ele foi lançado pelo “very DIY” selo inglês Assembly Field, do queridíssimo Phil. Outros álbuns meus também foram lançados pelo selo.

Anos atrás, falei com o Warren, cabeça do HNIA, via Instagram. Falei com ele sobre o Moving… e ele ficou muito feliz. Ele quis saber se eu morava perto de algum lugar que tinha onça, grandes felinos. Brasil, né? Tem onça em toda parte 😀 Não. Não morava perto da “vila das onças”. Bom, eu acho que não. Não perguntei se ele mora em algum local nos EUA perto de onde vivem ursos, alces, leões da montanha, búfalos, pumas. Não deixei de amar a música que Warren faz por causa disso 😀

Fica a dica: ouçam os três primeiros álbuns do HNIA: Livonia, HIIYH e Mouth by mouth. Cada um tem sua própria atmosfera, e os três são perfeitos. A banda está por aí até hoje. Parar para ser sugado por sua música é, talvez, das grandes coisas que você fará nessa vida, lembrando que Warren ama mudar TUDO de um álbum para outro, então o HNIA já foi várias bandas em uma.

Charlie mora em SP. Às vezes me manda mensagem me falando que, do nada, está na Inglaterra. Para me matar de inveja, claro. Brincadeira haha 🙂 Fui para Londres em 1997 e Charlie estava do meu lado. Não teria ido se ele não existisse. Vivi grandes momentos intensos ao lado dele, tudo quase sempre a ver com música, nossa maior paixão, praticando um com o outro. Quando ele acha que eu estou sumido, me manda um “bonjour” no WhatsApp, e sempre me chama de “bonita!” quando falo minhas bobagens que considero engraçadas, para rirmos. Estou com saudade de estar perto dele, e de sua esposa, minha amada x 3, Mônica.

E faz muito tempo que não sei do Phil. Espero que ele esteja bem.

Um dia depois de ter feito o texto acima: Phil está bem, cuidando da mãe que não está muito bem de saúde, porque ele tem essa grandeza de espírito. O Assembly Field encerrou suas atividades em 2022. Phil cansou. Ele quer tocar baixo em uma banda, mas ainda não encontrou os caras certos para fazer isso. Torçamos! 🙂 

Observação final: Gimu ama uma vírgula, e por isso intitulou este álbum de Moving, Still. Entretanto, foi só agora, 10 anos após o seu lançamento, que o artista se deu conta de que o nome oficial ficou errado, sem a vírgula (Moving Still), o que subverte o sentido imaginado por Gimu. Assim, embora o nome oficial tenha ficado Moving Still, fazemos justiça, nesta resenha, à intenção original, de nomeá-lo Moving, Still.

https://gimu.bandcamp.com/album/moving-still

https://assemblyfield.bandcamp.com/