Nos últimos anos, a América Latina tem enfrentado uma série de desafios que ameaçam a estabilidade democrática na região. Um dos eventos mais recentes e preocupantes foi a tentativa de golpe na Bolívia, que acendeu um alerta sobre as fragilidades das instituições democráticas e as ameaças que rondam os países latino-americanos.

Por Rodrigo Silveira Raimundo¹

Em 26 de junho de 2024, a Bolívia enfrentou uma tentativa de golpe liderada pelo general Juan José Zúñiga, que agiu de forma isolada após ser demitido do cargo de comandante do Exército. A ação foi rapidamente contida pelo governo boliviano, mas evidenciou a instabilidade política e econômica do país, especialmente em um período pré-eleitoral. Especialistas apontam que a tensão política acumulada criou um ambiente propício para a tentativa de golpe. A proximidade das eleições presidenciais de 2025 exacerbou as divisões internas, com a oposição e o governo acusando-se mutuamente de corrupção e má gestão.

As tentativas de golpe na Bolívia são recorrentes. Em novembro de 2019, a Bolívia foi palco de uma grave crise política. Evo Morales, o primeiro presidente indígena do país, renunciou ao cargo após semanas de protestos violentos e alegações de fraude eleitoral nas eleições de outubro daquele ano. Morales havia sido declarado vencedor, mas a oposição e observadores internacionais apontaram irregularidades no processo. A situação escalou rapidamente, resultando em confrontos entre manifestantes, forças de segurança e grupos pró-governo.

Com a renúncia de Morales, Jeanine Áñez, então vice-presidente do Senado, assumiu a presidência interina. Áñez prometeu organizar novas eleições, mas seu governo foi marcado por acusações de repressão violenta contra os apoiadores de Morales e por uma série de medidas controversas que aumentaram as tensões no país. O retorno de Morales à Bolívia em 2020, após a vitória de seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), nas eleições presidenciais, foi visto por muitos como uma vitória da democracia, mas o período de transição deixou marcas profundas na sociedade boliviana.

Um ponto que merece destaque é que a tentativa de golpe na Bolívia pode estar relacionada às ricas reservas de lítio, gás e outros minérios do país. A Bolívia possui a maior reserva de lítio do mundo, além de minerais críticos e gás natural. Esses recursos atraem muitos interesses internacionais, e é crucial considerar que tais interesses podem motivar ações golpistas. A exploração desses recursos é estratégica globalmente, tornando o país um alvo de disputas políticas e econômicas, que podem desestabilizar seu governo e ameaçar sua democracia.

Ameaças à Democracia na América Latina

A tentativa de golpe na Bolívia não é um evento isolado, mas parte de um padrão mais amplo de ameaças à democracia na América Latina. Diversos países da região enfrentam desafios semelhantes, com polarização política, fragilidade institucional e intervenção militar sendo fatores recorrentes.

Para fortalecer a democracia, é essencial promover o fortalecimento das instituições, fomentar o diálogo e a inclusão social, investir em educação social e garantir o respeito aos direitos humanos. A experiência boliviana serve como um alerta e uma oportunidade para a América Latina reafirmar seu compromisso com a democracia e trabalhar coletivamente por sociedades mais justas e resilientes.

Elementos que Enfraquecem a Democracia

  • Polarização Política: A crescente polarização entre esquerda e direita tem exacerbado conflitos em vários países. No Brasil, por exemplo, a polarização intensa entre o governo e a direita conservadora tem gerado um clima de constante tensão política e social.
  • Fragilidade Institucional: Em muitos países, as instituições democráticas são fracas e suscetíveis à manipulação política. A falta de independência do judiciário, a manipulação de processos eleitorais, pressão sobre a mídia e as fake news são algumas das formas como as instituições podem ser comprometidas.
  • Intervenção Militar: A presença e influência das forças armadas na política é uma ameaça constante. Em alguns países, os militares têm um papel significativo na política, seja como árbitros em crises ou como atores diretos, como foi o caso da Bolívia.
  • Desigualdade Social: A profunda desigualdade social e econômica alimenta a instabilidade política. Movimentos populares que demandam reformas sociais e econômicas justas frequentemente encontram resistência de elites que temem perder privilégios.

O Caminho para a Estabilidade Democrática

Para enfrentar essas ameaças e fortalecer a democracia na América Latina, é crucial adotar uma abordagem multifacetada:

  • Fortalecimento das Instituições: É essencial promover a independência e a transparência das instituições democráticas. Isso inclui o judiciário, os órgãos eleitorais e a mídia.
  • Diálogo e Inclusão: Fomentar o diálogo entre diferentes setores da sociedade e promover a inclusão social e econômica para reduzir a polarização e as desigualdades.
  • Exercício da cidadania: Investir na cidadania para fortalecer a consciência democrática e a participação ativa dos cidadãos. E nesse contexto temos evidenciar o papel dos educadores sociais, aqueles que fomentam a leitura e escrita do seu contexto social.
  • Respeito aos Direitos Humanos: Garantir o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão, combatendo qualquer forma de repressão ou violência política.

Solidariedade Internacional e Interna

A resposta internacional à tentativa de golpe foi imediata, com países e organizações internacionais condenando a ação de Zúñiga e expressando apoio ao governo democraticamente eleito. Internamente, a oposição também se posicionou contra o golpe fracassado, demonstrando uma rara união em defesa da democracia. Essa solidariedade internacional e interna foi crucial para conter a escalada da crise e reafirmar o compromisso com os princípios democráticos. No entanto, a situação revelou a fragilidade das instituições bolivianas e a necessidade de reformas profundas para evitar futuros episódios de instabilidade.

A tentativa de golpe na Bolívia em junho de 2024 destacou as vulnerabilidades políticas e econômicas do país, mas também mostrou a importância da solidariedade internacional e do compromisso com a democracia. A crise boliviana é um lembrete das ameaças contínuas à estabilidade democrática na América Latina e da necessidade de esforços contínuos para fortalecer as instituições e promover a justiça social. A resposta unida da comunidade internacional e da oposição interna contra o golpe é um sinal positivo de que, mesmo em tempos de crise, o valor da democracia pode prevalecer.


¹ Graduado em Gestão Pública. Mestre em Políticas Públicas ( FLACSO)