MINERAÇÃO
Por Fernanda Perdigão
Nos últimos anos, Minas Gerais tem se destacado não apenas pelo seu papel histórico e cultural, mas também pela controversa expansão de suas atividades mineradoras. Em um cenário onde a destruição ambiental é disfarçada sob a justificativa de desenvolvimento econômico, as recentes ações do governo estadual e das mineradoras expõem um plano que prioriza os lucros em detrimento da sustentabilidade e do bem-estar das comunidades locais.
Recentemente, o Governo de Minas Gerais e o grupo austríaco Andritz Hydro assinaram um acordo de investimento de R$ 285 milhões para a instalação de uma unidade da empresa em Governador Valadares, na região do Rio Doce. Anunciada como uma iniciativa para gerar 200 empregos diretos e trazer renda e qualidade de vida para os mineiros, a proposta ignora os impactos ambientais e sociais das atividades mineradoras na região, já gravemente afetada pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015.
Paralelamente, o governador Romeu Zema, em missão na Europa, assinou um acordo com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) para a expansão da extração de nióbio em Araxá, elevando a produção de 100 para 150 mil toneladas por ano. Essa expansão ocorre sem consulta prévia às comunidades locais, que já sofrem com as consequências das atividades mineradoras.
Outro exemplo é o acordo com a ArcelorMittal, que concede a triplicação da extração na mina Serra Azul, em Itatiaiuçu, aumentando a produção de 1,6 milhão para 4,5 milhões de toneladas por ano de minério de ferro. A ampliação foi aprovada sem considerar os impactos ambientais devastadores e as críticas das comunidades locais, que mais uma vez não foram consultadas.
A política de reparação pelos desastres ambientais também está longe de ser transparente e justa. Tanto a proposta de repactuação com os atingidos no Rio Doce quanto o acordo de reparação firmado entre o governo, a Vale e instituições de Justiça sobre o crime em Brumadinho são duramente criticados pelas comunidades atingidas, que foram excluídas dos processos decisórios.
Além disso, um Termo de Compromisso foi firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Governo de Minas, por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), para a descaracterização de 41 barragens de mineração que não atenderam ao prazo da Lei Estadual 23.291. No entanto, a implementação efetiva dessas ações ainda é questionável.
É importante destacar que a Lei Estadual 23.291, de 25 de fevereiro de 2019, estabelece regras rigorosas para a segurança de barragens no Estado de Minas Gerais, especialmente após os desastres de Mariana e Brumadinho. O artigo 8º dessa lei determina que as barragens de mineração construídas pelo método de alteamento a montante devem ser descaracterizadas até 25 de fevereiro de 2022. O não cumprimento desse prazo implicaria em sanções administrativas e, possivelmente, criminais.
Em um movimento que exemplifica a conivência do Estado com as mineradoras, a Feam sugeriu ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam) a permissão para licenciar as atividades da mineradora Fleurs Global, suspensas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A empresa opera próxima à Serra do Curral, às margens do Rio das Velhas, uma região já vulnerável aos impactos ambientais.
Para agravar a situação, o Plano Estadual de Mineração de Minas Gerais (PEM/MG) é financiado com verbas do Acordo Judicial de Reparação, originalmente destinado a reparar os danos causados pelo rompimento da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho. O desastre destruiu e contaminou a Bacia do Rio Paraopeba até o Lago de Três Marias. A utilização desses recursos para promover a expansão da mineração, em vez de focar na reparação efetiva das comunidades afetadas, escancara a estreita relação entre o Estado e o Poder Judiciário para não só reparar como também ampliar a mineração.
A conivência e liberalidade das instituições de justiça em Minas Gerais são evidentes no crescente uso de Termos de Compromisso para “simplificar” o processo para as mineradoras. Minas Gerais lidera o ranking de estados com mais processos de crimes ambientais pendentes no Brasil, com 44 mil casos civis e criminais aguardando conclusão, segundo o Conselho Nacional de Justiça. O painel interativo nacional de dados ambientais, “Sirene Jud“, revela que o tempo médio de um processo de crime ambiental até o julgamento é de 1.420 dias, quase quatro anos, superior à média nacional de quase três anos. Essa lentidão no processamento das ações ambientais, aliada à flexibilização de licenças, demonstra uma aliança que favorece o setor mineral em detrimento das questões ambientais e dos direitos das comunidades locais.
Em outro movimento controverso, o governador Romeu Zema lançou, em Nova Iorque, a iniciativa Vale do Lítio (Lithium Valley Brazil), um projeto que visa desenvolver cidades do Nordeste e Norte de Minas Gerais em torno da cadeia produtiva do lítio, prometendo gerar empregos e renda. O lançamento na Nasdaq, a maior bolsa de valores do mundo em tecnologia e inovação, foi uma demonstração do compromisso do governo com a expansão da mineração. O Vale do Jequitinhonha, rebatizado pelo Governador Romeu Zema como “Vale do Lítio” inclui 14 cidades, destacando a prioridade dada ao setor mineral em detrimento das preocupações ambientais e sociais.
Recentemente, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco – MG Bloco Parlamentar da Resistência Democrática – PSD, foi homenageado em um jantar com a presença de autoridades dos Três Poderes. Durante o evento, o ministro Edson Fachin, presidente interino do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou a importância da produção de confiança para o cumprimento da Constituição. “Todos nós temos um dever de casa a fazer, quer nas nossas relações pessoais, quer nas nossas atividades profissionais, que é de produzir confiança. E, essa produção de confiança, certamente tem um canteiro de obras onde ela se dá. E esse canteiro é demarcado pelo teor da Constituição brasileira,” frisou. Fachin enfatizou a importância da institucionalidade e da resolução de dissensos dentro do marco constitucional.
A fala do ministro Edson Fachin durante o evento do IBRAM, ao mencionar a produção de confiança para cumprimento da Constituição, é um ponto crucial para entender a relação entre os poderes e setores econômicos, como o da mineração, que frequentemente enfrenta controvérsias e desafios regulatórios.
Primeiramente, é importante destacar que a Constituição Federal de 1.988 estabelece, em seu artigo 1º, os fundamentos da República Federativa do Brasil, entre eles a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político. Esses fundamentos são essenciais para a construção de um ambiente de confiança e respeito às instituições.
O artigo 37 da Constituição Federal estabelece os princípios da administração pública, incluindo a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses princípios são fundamentais para assegurar que as relações entre agentes públicos e setores econômicos não comprometam a integridade das instituições.
A fala do ministro Fachin enfatiza a importância da institucionalidade e da resolução de dissensos dentro do marco constitucional. Isso implica que qualquer relação entre agentes públicos e setores econômicos deve ser conduzida de maneira transparente e ética, respeitando os princípios constitucionais e legais.
Além disso, o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isso significa que qualquer ato que possa comprometer a confiança nas instituições e a legalidade das ações dos agentes públicos pode ser questionado judicialmente.
Portanto, a proximidade de senadores e ministros com representantes do setor de mineração deve ser vista com cautela e sempre dentro dos limites estabelecidos pela legislação brasileira. A produção de confiança mencionada pelo ministro Fachin é um processo contínuo que exige o cumprimento rigoroso dos princípios constitucionais e legais, garantindo que as relações entre o público e o privado sejam transparentes, éticas e voltadas para o interesse público. Sem consciência do limite não há direito nem justiça. (Alain Supiot).
É evidente que os poderes do Estado de Minas Gerais, incluindo órgãos governamentais e o Poder Judiciário Mineiro, têm se articulado para beneficiar as mineradoras. A priorização de investimentos e a flexibilização de licenças ambientais demonstram uma aliança que favorece o setor mineral, enquanto as preocupações ambientais e os direitos das comunidades locais são relegados a segundo plano. Este plano de destruição ambiental, mascarado como desenvolvimento sustentável, revela a verdadeira face das políticas públicas que privilegiam o lucro em detrimento do meio ambiente e do bem-estar das pessoas.