MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

 

Mariana/MG, 16 de julho de 2024 – Nesta terça-feira, a cidade histórica de Mariana receberá a cerimônia oficial em comemoração ao Dia de Minas, onde a capital do estado é simbolicamente transferida para a primeira capital mineira. O evento, será presidido pelo governador Romeu Zema, e contará com a entrega da tradicional Medalha Dia do Estado de Minas Gerais. Contudo, a escolha dos homenageados e a finalidade das honrarias levantaram críticas entre as comunidades atingidas pelos desastres humano e ambientais recentes promovidos pela empresa Vale, Samarco e BH nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).

Este ano, a solenidade tem como objetivo, segundo o governo, homenagear pessoas e instituições com atuação em defesa de uma repactuação justa do acordo referente à tragédia de Mariana. No entanto, a seleção dos agraciados e a finalidade da homenagem foram amplamente criticadas.

Entre os homenageados, estão diversas autoridades públicas e representantes de instituições de justiça, como Mateus Simões de Almeida, vice-governador de Minas Gerais, e Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Jr., presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O que gerou indignação foi a inclusão de nomes que, segundo os críticos, estão mais associados a estruturas de poder e à elite política do estado do que à verdadeira luta pela reparação justa para os atingidos. A lista completa:

Agraciados com a Medalha Dia do Estado de Minas Gerais – 2024
(conforme Portaria nº 007, de 10 de julho de 2024, publicada no Diário Oficial do Município de Mariana)

Mateus Simões de Almeida – vice-governador do Estado de MG

Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Jr – presidente do Tribunal de Justiça de MG

Alexandre Rocha Santos Padilha – ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Edilene Lôbo – ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral

Ricardo Machado Rabelo – desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região

Greyce de Queiroz Elias – deputada federal

Miguel Ângelo Monteiro de Andrade – deputado federal

Camila Barbosa Neves – secretária de Estado de Planejamento e Gestão de MG

Charles dos Santos – deputado estadual

Tiago Gomes de Carvalho – desembargador do Tribunal de Justiça de MG

Cláudia Ferreira Pacheco de Freitas – secretária-geral da Procuradoria-Geral de Justiça de MG

Paulo de Tarso Morais Filho – chefe de gabinete do Ministério Público de MG

Carlos Eduardo Ferreira Pinto – promotor de Justiça do Ministério Público de MG

Luis Otávio Milagres de Assis – secretário adjunto de Planejamento e Gestão de MG

Felippe Ferreira de Mello – subsecretário de Gestão de Transferências Estaduais da Secretaria de Estado de Governo de MG

Tomás Tavares Perdigão Mendes – subsecretário de Esportes da Secretária de Estado de Desenvolvimento Social de MG

Ricardo Iannotti da Rocha – subsecretário de Estado para Assuntos Administrativos – Secretaria da Casa Civil do Governo do Estado do Espirito Santo

Halysson Claudino Câmara dos Santos –  tenente-coronel PM – comandante da Escola de Formação de Soldados da Polícia Militar de MG

Lucas Coelho Ferreira – prefeito de Caeté

Valmir Rodrigues da Silva – presidente da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais – Federaminas

Frank Sinatra Santos Chaves – presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Minas Gerais – FCDL

Alex Sandro dos Santos – empresário – Grupo Mercograff

Alice Lorentz de Faria Godinho – ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Rio Mucuri – Movimento Pró Rio Todos os Santos e Mucuri

Aline Diniz Duarte Oliveira – editora adjunta de Cidades do Jornal O Tempo

Amarildo Pereira de Souza – gabinete da Secretaria de Governo

Argeu de Lima Géo – presidente do Grupo Agéo Agropecuária

Arlindo Luís Ferreira – assessor técnico de Governo da Prefeitura Municipal de Mariana

Bruno Rangel Avelino da Silva – advogado

Daniel Augusto Perez Fernandes – advogado – Assembleia Legislativa do Estado de MG

Daniel Fioravante Barbosa – coordenador do Núcleo de Desenvolvimento Institucional da Federação das Apaes de MG

Denise Strassburger Nunes – médica oncologista – Hospital Oncológico

Eduardo Damian Duarte – advogado e professor de Direito

Élcio Pereira Rocha – fotógrafo/empresário

Elizabeth Cota – presidente da UNDINE estadual e vice-presidente nacional

Fábio Lacerda da Silva – empresário e idealizador do Festival Ore Comigo

Felipe Rameh de Paula – chef de cozinha

Jairo Borges de Oliveira – soldado da Polícia Militar de MG

José Carlos Brito de Ávila Camargo – jornalista e apresentador de TV

José Newton Kury de Oliveira Coelho – engenheiro civil

José Reinaldo de Lima – embaixador do Clube Atlético Mineiro

José Sad Júnior – advogado

Liliana Junger Ribeiro Soares – jornalista, repórter e apresentadora – TV Globo Minas

Lucas Prado Kallas – presidente do Conselho da Cedro Participações S.A

Marciele Procópio Delduque – presidente da CUFA

Maria Alice Melo Coelho – advogada e diretora de Captação da Assopoc

Mateus Edson dos Reis – jornalista – Rádio Mariana FM

Milen de Souza Lemos – contador e sócio-administrador da Souza Lemos Contabilidade

Moacir Rodrigo de Castro Maia – historiador e escritor

Pedro Lourenço Oliveira – empresário Supermercado BH

Rose Mary Vieira Peixoto –administradora – SP Contabilidade

Samuel Gamarano Gomes – professor de Educação Física

Valdemar de Jesus Malta – aposentado – ex-coordenador da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (CAMAR) de Mariana

Representantes de comunidades afetadas pela tragédia de Mariana manifestaram seu descontentamento, alegando que a homenagem não reflete a realidade enfrentada pelos atingidos, que ainda aguardam uma reparação justa e adequada quase uma década após o rompimento da Barragem de Fundão. O acordo inicial, criticado por ser insuficiente e mal conduzido, deixou muitas demandas não atendidas, gerando frustração e sensação de abandono.

Além disso, as recentes participações de representantes das instituições de justiça em eventos patrocinados por mineradoras adicionaram uma camada de suspeita sobre a imparcialidade das ações de reparação. A presença do promotor, representante do CAOMA do Ministério Público de Minas Gerais, em eventos patrocinados pela Vale e outras mineradoras, por exemplo, foi vista como um conflito de interesses, minando a confiança dos atingidos na justiça.

O governador Zema, enfatizou a necessidade de repactuação do acordo de Mariana, destacando os esforços conjuntos dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, União, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas. Contudo, para muitos atingidos, as palavras soam vazias sem ações concretas e transparentes que demonstrem um compromisso real com a justiça e reparação dos danos sofridos.

O contraste entre o Acordo Judicial de Brumadinho e o de Mariana foi outro ponto de destaque. Enquanto o acordo de Brumadinho é noticiado pelo Governador do Estado de Minas Gerais como um exemplo de seriedade e foco na devida reparação, com um valor global de indenização de R$ 37,6 bilhões, as pessoas atingidas denunciam a utilização dos recursos do Acordo para beneficiar a própria causadora dos danos, no caso, Vale S.A, como por exemplo pelo Plano Estadual de Mineração e o Rodoanel – RodoMinério conforme pessoas atingidas – a morosidade e insuficiência das medidas tomadas em relação à tragédia de Mariana continuam a ser criticadas. A falta de consulta popular e a transparência nos processos de decisão também foram apontadas como falhas que precisam ser corrigidas.

A História por Trás da Medalha do Dia de Minas

A Constituição Mineira determina que o 16 de julho é o Dia de Minas. A data orienta a definição daquela que será chamada como Semana de Minas, constituindo período de celebração cívica em todo o estado. Em 16 de julho de 1977, durante sessão solene comemorativa do 281º aniversário de Mariana, o professor Roque José Camêllo propôs a instituição, como data cívica estadual, do Dia do Estado de Minas Gerais.

No mesmo dia, em 1979, no 283º aniversário da cidade, foi pedido apoio ao então governador Francelino Pereira para o projeto que declarava o 16 de julho como o Dia do Estado de Minas Gerais. A Lei Estadual instituiu a data comemorativa. Em 1980, foi sancionada a Lei Municipal 561, que instituiu a Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais. A Constituição do Estado, promulgada em 1989, formalizou a data como Dia de Minas, assim como o 8 de dezembro como Dia dos Gerais.

A Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais foi criada como parte das comemorações dessa data cívica. Seu objetivo é reconhecer e homenagear pessoas, instituições, organizações e representantes da sociedade civil que tenham contribuído significativamente para o desenvolvimento do estado, para a promoção da justiça, e para a defesa dos direitos dos cidadãos mineiros.

A entrega da medalha ocorre em uma cerimônia solene em Mariana, reforçando a importância histórica e cultural da cidade. Ao longo dos anos, a medalha tem sido concedida a diversas figuras de destaque, incluindo políticos, juízes, empresários, e ativistas sociais.

No entanto, como observado nas recentes cerimônias, a escolha dos agraciados nem sempre está isenta de críticas. A inclusão de nomes ligados à elite política e às instituições de justiça tem gerado debates sobre a verdadeira representatividade e justiça das homenagens. Críticas apontam que, em alguns casos, a medalha é concedida a pessoas cuja atuação não reflete necessariamente um compromisso com as causas dos atingidos por tragédias ambientais ou com as demandas das comunidades locais.

Os Verdadeiros Defensores dos Direitos dos Atingidos

Entre os reais defensores dos direitos das pessoas atingidas pelos desastres de Mariana e Brumadinho, destacam-se ativistas, Defensores dos Direitos Humanos, advogados e organizações da sociedade civil que, muitas vezes, enfrentam enormes desafios para garantir que as vozes dos atingidos sejam ouvidas e que seus direitos sejam respeitados.

Os defensores de direitos humanos enfrentam um poder econômico e político significativo ao desafiar as mineradoras e exigir reparações justas. Esses defensores, muitas vezes sob risco pessoal e profissional, desempenham um papel essencial na luta por justiça e reparação. Eles se esforçam para garantir que as mineradoras sejam responsabilizadas por seus atos e que as comunidades afetadas tenham acesso a justiça e recursos necessários para reconstruir suas vidas.

A Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais é um símbolo de reconhecimento e valorização dos esforços para o bem-estar e desenvolvimento do estado. Sua criação e instituição refletem o desejo de celebrar a história e as contribuições significativas à sociedade mineira, embora sua aplicação prática tenha gerado discussões e a necessidade de uma análise crítica sobre os critérios de seleção dos homenageados.

Em resumo, a cerimônia do Dia de Minas deste ano, ao invés de celebrar conquistas e homenagear verdadeiros defensores dos direitos dos atingidos, acabou por ressaltar as frustrações e desconfianças das comunidades afetadas. A exigência por um compromisso mais sério e efetivo na repactuação dos acordos e na reparação dos danos causados continua sendo a principal demanda dos que ainda sofrem as consequências das tragédias ambientais em Minas Gerais.