MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

 

A recente participação de membros do Ministério Público do Estado de Minas Gerais em um evento organizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) levantou sérias preocupações sobre a transparência e a inclusão da sociedade civil nas discussões sobre segurança e gestão de barragens de mineração. O evento, intitulado “SEMINÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA EM ESTRUTURAS DE REJEITOS”, reuniu diversos especialistas e autoridades, incluindo promotores do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, mas excluiu a participação de cidadãos comuns devido ao alto custo de ingresso, que chegou a exorbitantes R$ 2.200,00 para não associados.

Geraldo Paes, diretor corporativo de Geotecnia da Vale. Crédito: Glenio Campregher – Fonte: site IBRAM

O IBRAM é uma organização privada sem fins lucrativos, que representa mais de 160 associados responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil. No entanto, a participação de promotores de justiça em eventos privados do setor minerário, especialmente aqueles que atuam no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (CAOMA) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), suscita uma série de considerações jurídicas e éticas, principalmente no que tange aos possíveis conflitos de interesses.

Precisamos relembrar algumas atribuições do Ministério Público, o Ministério Público (MP) é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme o artigo 127 da Constituição Federal de 1988. Entre suas atribuições, destacam-se:

Defesa do Meio Ambiente: O MP tem a função de proteger o meio ambiente, promovendo ações civis públicas e outras medidas judiciais e extrajudiciais para prevenir e reparar danos ambientais.

Fiscalização da Atividade Econômica: O MP deve zelar para que as atividades econômicas, incluindo a mineração, sejam realizadas em conformidade com a legislação ambiental e de proteção ao consumidor.

Independência Funcional: Os membros do MP devem atuar com independência, imparcialidade e autonomia, sem se submeter a pressões externas que possam comprometer a sua atuação.

A participação de promotores de justiça em eventos privados do setor minerário pode ser vista sob diferentes perspectivas, aspectos positivos, podemos citar o Aperfeiçoamento Profissional: A participação em eventos pode proporcionar aos promotores uma atualização sobre as práticas, tecnologias e regulamentações do setor minerário, contribuindo para uma atuação mais informada e eficaz.

Mas também apresenta aspectos negativos e possíveis Conflitos de Interesses, como: Imparcialidade e Independência: A presença de promotores em eventos patrocinados ou organizados por empresas mineradoras pode levantar dúvidas sobre a imparcialidade e independência de sua atuação. A percepção pública de que os promotores possam estar influenciados por interesses privados pode comprometer a confiança na instituição.

Vulnerabilidade a Pressões Externas: A participação em eventos privados pode expor os promotores a pressões e influências externas, que podem afetar sua capacidade de tomar decisões imparciais e objetivas em processos que envolvam o setor minerário.

Possível Conflito de Interesses: A presença em eventos do setor minerário pode configurar um conflito de interesses, especialmente se os promotores tiverem que atuar em casos que envolvam as mesmas empresas que patrocinam ou organizam os eventos. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993) e o Código de Ética do Ministério Público estabelecem que os membros do MP devem evitar situações que possam comprometer sua imparcialidade e independência.

Importante destacarmos que dentre os patrocinadores, as empresas, Samarco e Vale S.A são as patrocinadoras Bronze, conforme destacado no site do IBRAM.

Ademais, a exclusão da sociedade civil em eventos que discutem políticas públicas essenciais não apenas enfraquece a transparência, mas também compromete a efetividade das ações de emergência e mitigação de desastres. Comunidades afetadas por tragédias ambientais, como as de Mariana e Brumadinho, ficam desamparadas e sem voz em discussões críticas para sua segurança e bem-estar.

A presença de membros do Ministério Público em um evento com ingresso inacessível para a maioria dos cidadãos mina a credibilidade das instituições responsáveis pela proteção do meio ambiente e da segurança pública. Além disso, pode reforçar a percepção de que os interesses privados das grandes mineradoras estão sendo privilegiados em detrimento da segurança e dos direitos das comunidades locais.

Diante das atribuições do Ministério Público e dos princípios que regem a atuação de seus membros, a participação de promotores de justiça em eventos privados do setor minerário deve ser cuidadosamente avaliada. Embora possa haver benefícios em termos de aperfeiçoamento profissional e diálogo institucional, os riscos de comprometer a imparcialidade, a independência e a confiança pública na instituição são significativos.

Para mitigar esses riscos, é recomendável que a participação em tais eventos seja pautada por critérios rigorosos de transparência e ética, incluindo a divulgação prévia dos eventos, a natureza da participação dos promotores e a adoção de medidas para evitar qualquer tipo de influência indevida. Além disso, é fundamental que o MPMG estabeleça diretrizes claras sobre a participação de seus membros em eventos privados, de modo a preservar a integridade e a credibilidade da instituição.

O referido evento, contou ainda com representantes da Agência Nacional de Mineração – ANM – ; Fundação Estadual de Meio Ambiente – FEAM – ; Defesa Civil de Minas Gerais e Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Esses órgãos, que deveriam atuar de forma independente e em prol do interesse público, ao se associar a eventos excludentes e caros, suscitam questionamentos sobre sua verdadeira imparcialidade e compromisso com a transparência. Tal proximidade com as mineradoras reforça a desconfiança da população e prejudica ainda mais a já fragilizada confiança nos mecanismos de fiscalização e reparação.

É preciso refletir se a convivência tão próxima entre fiscalizadores e os fiscalizados não compromete a justiça e a eficácia das medidas de prevenção e reparação dos desastres ambientais, perpetuando um ciclo de insegurança e negligência que recai sobre as comunidades atingidas. A situação atual reforça a urgente necessidade de mudanças nos poderes judiciários do estado de Minas Gerais em relação à mineração. É imperativo que as decisões e ações sejam tomadas com total transparência e responsabilidade, priorizando sempre a proteção das comunidades e do meio ambiente.