MÚSICA
Por Renan Simões
A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:
Eu estava apaixonado pelo Brian Cox da BBC, pelas coisas que ele apresentava na época em que eu fiz o Of the spirit…Talvez fossem coisas de anos antes, mas pra mim foram as coisas mais importantes daqueles meses em 2015. Um jeito apaixonado e apaixonante de falar das coisas do espaço, e eu sei lá de onde vem isso, mas sou profundamente apaixonado pelas coisas todas do espaço, e um dos meus sonhos “fica-pra-uma-outra-existência” é de sair pelo universo afora dando uns pulinhos em todos os cantos, visitando tudo o que sempre tive vontade de ver bem de perto, sem morrer nem nada, nem precisando de trajes especiais. SONHO. É uma angústia saber que nunca vai ser. Mas é uma angústia saber que talvez eu nunca mais voltarei à Inglaterra. E olha que a Inglaterra é ali né? Imagina eu encontrar com Brian Cox na Inglaterra, bater um papo com ele e vê-lo na minha frente com aquele sotaque maravilhoso, como eu gostaria que fosse o meu quando falo inglês? Sonhos 🙂 às vezes pronuncio o “G” em palavras como “walking” por causa dele. Homenagem 🙂
Of the spirit é um dos meus discos espaciais. Não vou ali agora conferir para ter certeza de que tem outros. Tem. Tem, né, Renan? 🙂 Mas por anos eu sempre tive esse lance de querer que tudo soasse como que do espaço. Aí a gente usa uns truques de gravação, uns efeitos simples, para conseguir isso. Como se faz música espacial sem reverb e delay? Foi outro álbum daqueles que, quando terminei, pensei em como conseguiria fazer um outro tão bacana quanto. Acho bacana sentir isso porque cresci lendo sobre as bandas que amava passando pelo mesmo, povo apavorado sem saber como isso superar o álbum anterior. Mas não tem nada disso. A gente simplesmente segue. E acho que fiz coisas bem melhores do que as canções de Of the spirit depois, álbuns melhores.
O título é pra ter dois sentidos:
Do espírito e do espaço, querendo dizer que é sobre o espírito e sobre o espaço. Esse espírito não é religioso, embora a ideia de qualquer espírito, acho, seja tão bonita! E amo a palavra espírito. ESPÍRITO.
Ou Do espírito do espaço, sobre o espírito do espaço, uma entidade que anima o espaço. Não tem nada a ver com fé. É só pela poesia que acho que essas imagens transportam. Transportar-se sem mover-se.
Os sonzinhos sob as músicas em algumas canções em Of the spirit são de um mesmo sample. Algo que soa como uma comunicação entre mundos. Tentei lembrar de onde tirei esse trecho. Não consegui, mas é de um álbum muito lindo, bem experimental, feito não muito tempo antes do que Of the spirit. Surrupiei esse pedacinho, o alterei e o usei como a fundação de algumas das músicas. Surrupiei coisas do Durutti Column, do Morten Harket, do Placebo, etc. Aliás, os trechos sampleados são bem óbvios, e não fiz questão nenhuma de esconder, porque é homenagem mesmo a canções que ou amo desde sempre ou pelas quais estava apaixonado na época.
Às canções!
Eu tinha muita vontade de fazer uma canção cheia de sintetizadores com sonzinhos lindos “pipocando” e construindo a canção. Fiquei feliz demais quando consegui isso com Trickling thru the clouds. Synth arpeggios aparecem em outras faixas.
Não sei se In a frenzy foi a primeira música que fiz com uma bateria do tipo “sai-da-frente-porque-a-bateria-tá-caindo”. Algo que faço até hoje.
O álbum abre com Escondido na escuridão (Hidden in darkness) e termina com Hidden in light (Escondido na luz). Os títulos provavelmente saíram dos documentários que assisti com o Brian Cox apresentando. Amo fazer isso.
O álbum foi masterizado em Oslo, Noruega. A arte foi feita por um norueguês, porque o álbum foi lançado pelo extinto e lindo selo norueguês UAE (Us As Effigies). O álbum foi “não-sei-feito-o-que” nos EUA, o lance de mandar a master para fazer as cópias. Tudo muito chic. E foi o primeiro CD “de verdade” meu, todo profissional, com muitas cópias feitas em alguma empresa que faz isso, nada feito à mão. E tudo bem “feito à mão”, porque o espirito (opa!) é esse, antes de tudo, e para sempre: DIY nas veias!
Quando vi o álbum pronto, chorei.
As cópias que o selo me enviou desapareceram nos correios. Um viva!
Christen, o moço querido dono do selo, não sabia que, sem número pra rastrear as coisas, estas desaparecem quando vêm pra cá. Esqueci de avisar. Nunca tive várias cópias de Of the spirit. Uma amiga que tinha uma loja de CDs no Nordeste tinha umas cópias que havia conseguido para ser a “vendedora” do álbum no Brasil. Ela me mandou algumas cópias. Me salvou. A amada Olga, que não vejo há 500 anos. E nunca mais falei com Christen, que amava a música que faço, e por anos fez eu me sentir gigante com tudo o que me falava, com todo o incentivo. Espero que ele esteja em paz, feliz, vivendo em algum canto na Noruega, longe dos perigos que Oslo oferece (para as veias e para a vida).
A primeira vez que encostei a mão em uma cópia do CD foi no apartamento do meu amado amigo Cris, em SP, numa viagem dessas de atravessar metade do Brasil de carro para ir visitar a família do meu marido no interior do RS. Na volta, SP era uma das paradas para descansar à noite. Deu tempo de correr e ver o Cris, pegar o CD nas mãos, enfim, e tirar uma foto com ele. Deve estar no meu Instagram. Será? Eu acho que sim.
Muito louco essa vida de artista de quinta que não recebe os quinhões que merece. Nesse caso, os CDs extraviados. Obrigado, Correios 🙂 (E não foi somente uma vez…).
Obs.: Segue link para a resenha do álbum que eu realizei, visto que este ficou em 15º lugar do meu ranking de melhores discos da música brasileira: