A França encontra-se paralisada por Macron e pelos Jogos Olímpicos. Este não quer reconhecer a vitória  da esquerda unida (a Nova Frente Popular, NF) nas recentes eleições para a Assembleia Nacional, recusa-se a nomear um novo ou uma nova chefe de Governo nas próximas semanas, mostra compaixão pela extrema-direita que ele dizia querer combater, confronta-se com uma revolta geral nas antigas e nas ainda colónias francesas contra o seu país, e organizou uma festa de abertura dos Jogos Olímpicos que mais pareceu um “Christopher Street Day” para consumo obrigatório do mundo inteiro. O país afunda-se em problemas, o neo-liberalismo macronista fracassou redondamente, mas o seu Presidente fecha os olhos e tenta ganhar tempo para se safar… [Nota do editor]


A Nova Frente Popular (NFP) decidiu-se finalmente: a esquerda propôs Lucie Castets, funcionária pública, para ser Primeira-Ministra de França. No entanto, o Presidente Macron recusou-a e disse que o novo governo não seria nomeado antes de “meados de Agosto”.

Já ninguém acreditava nisso. No entanto, pouco antes da entrevista de Emmanuel Macron ao noticiário da France 2, a 23 de Julho, os representantes da NFP emitiram um comunicado de imprensa anunciando subitamente que tinham chegado a acordo sobre um nome a proporem para Primeira-Ministra: Lucie Castets.

Validada pelo consenso das nossas quatro formações políticas” [os Verdes, os Comunistas, os Socialistas, e a França Insubmissa], declarou o líder dos Ecologistas, Marine Tondelier, na rede social X. “A próxima etapa é Macron reconhecer o resultado das eleições e nomeá-la”.

Infelizmente, apenas uma hora e meia após este anúncio, Emmanuel Macron recusou a oferta na sua primeira entrevista desde a segunda volta das eleições legislativas. “Estou pronta, nós estamos prontos, peço ao Presidente da República que assuma as suas responsabilidades e me nomeie”, insistiu Lucie Castets na France Inter, na quarta-feira, 24 de Julho.

Dezasseis dias após os resultados das eleições legislativas antecipadas, em que a Nova Frente Popular saiu vencedora (mas não conseguiu a maioria absoluta), a esquerda unida decidiu-se finalmente. Os ecologistas, A França Insubmissa, o Partido Comunista e o Partido Socialista escolheram uma personalidade desconhecida do grande público, menos marcada politicamente do que Huguette Bello (Presidente do Conselho Regional da Reunião) e Laurence Tubiana (Diretora da Fundação Europeia para o Clima), cujos nomes criaram polémica no seio da NFP.

 

Uma defensora dos Serviços Públicos

A Nova Frente Popular elogia o seu perfil de alta funcionária pública, “líder das lutas associativas pela defesa e promoção dos Serviços Públicos”. Lucie Castets, de 37 anos, nascida na Normandia e natural de Caen, foi co-fundadora do coletivo Os nossos Serviços Públicos em 2021, do qual continua a ser uma das três porta-vozes.

O que faltava era um organismo que se pronunciasse a partir do interior do sistema para expor os problemas e apresentar propostas”, explicou Lucie Castets ao jornal L’Humanité em 2023. ”O Serviço Público está em muito mau estado. Já não se trata de uma deterioração lenta, estamos a chegar a um ponto de rutura. Não podemos tratar o Serviço Público da mesma forma que tratamos duma empresa“, acrescentando que “vamos precisar maciçamente do Estado para combater o aquecimento global.

Lucie Castets também se distinguiu em Novembro de 2022, ao censurar publicamente Stanislas Guérini, Ministro da Transformação e da Função Pública, no programa “C ce Soir” (France 5), por não ter criado postos de trabalho suficientes ligados à transição ecológica e energética:

“Perdemos 180.000 funcionários públicos entre 2006 e 2018, ao mesmo tempo que explodiu o recurso a empresas de consultoria.”

Lucie Castets trabalha atualmente para a Câmara Municipal de Paris, onde é Diretora de Finanças e Aquisições. Depois de estudar na Sciences Po, na ENA e na London School of Economics, esta economista começou por trabalhar para o Tesouro e para o Banco Mundial, segundo o L’Humanité. Trabalhou, nomeadamente, “na repressão da fraude fiscal e da criminalidade financeira”, sublinha a Nova Frente Popular.

Em declarações à Agence France Presse, Lucie Castets afirmou que pretende apoiar “a revogação da reforma das pensões”, reivindicação que figura em primeiro lugar no programa comum da NFP. Sem perder tempo, Lucie Castets apelou também a uma “grande reforma fiscal para que todos, particulares e multinacionais, paguem a sua quota-parte”. A eurodeputada quer também aumentar o “poder de compra” da população através do aumento dos salários e das prestações sociais mínimas.

 

Segundo Macron, “ninguém ganhou” nas eleições legislativas

Na noite de 23 de Julho, os representantes da Nova Frente Popular foram para o ar pedir a Emmanuel Macron que nomeasse Lucie Castets como Primeira-Ministra. Infelizmente, o Presidente da República não lhes deu ouvidos.

Durante a sua entrevista nessa mesma noite, o Presidente da República reconheceu finalmente a derrota da maioria cessante, mas considerou que “ninguém tinha ganho” – apesar de a coligação de esquerda ter saído vencedora das eleições! “Seria errado dizer que a Nova Frente Popular tem uma maioria [na Assembleia]”, declarou, lembrando que o deputado comunista André Chassaigne, que tinha sido nomeado candidato do NFP para a eleição da presidência da Assembleia Nacional, não havia sido eleito a 18 de Julho.

Questionado pelos jornalistas da France 2 sobre a proposta de Lucie Castets, Emmanuel Macron respondeu que “essa pessoa [não] estava lá” Essa pessoa não é um nome dado por um partido político”, continuou. “A questão é saber qual a maioria que pode ser encontrada na Assembleia para que um governo francês possa aprovar reformas e um orçamento que façam avançar o país”.

O Presidente preferiu, por isso, apelar aos partidos para que “façam aquilo que fazem todas as democracias europeias”, ou seja, “que saibam chegar a um compromisso” para “votar em conjunto” e “tentar avançar”. A três dias da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, Emmanuel Macron afirmou que não vai nomear um primeiro-ministro ou uma primeira-ministra até “meados de Agosto”, para se “concentrar” até lá “nos Jogos” e aguardar “progressos nessas discussões”.

 

Macron estende um braço à extrema-direita

O Presidente não se contentou em negar o resultado eleitoral obtido pela esquerda unida. Quando questionado sobre o facto de o Rassemblement National [RN ou União Nacional, da extrema-direita] não ter obtido nenhum lugar na mesa da Assembleia Nacional, Emmanuel Macron chegou a dizer que “isso [não era] uma coisa boa”, observando que o Rassemblement National era “o partido líder da Assembleia” – apesar de ter sido a coligação de quatro partidos de esquerda que saiu vencedora. De passagem, não deixou de criticar os deputados que se recusaram a apertar a mão aos membros do Rassemblement National durante a eleição para a presidência da Assembleia.

Continuando o seu esforço para conquistar a extrema-direita, quando apresentou as suas “prioridades” para o resto do seu mandato, Emmanuel Macron disse que queria “ouvir o que os franceses nos disseram sobre [mais] determinação e [mais] segurança”, dando assim um maior eco aos temas do Rassemblement National. Em nenhum momento da sua entrevista o chefe de Estado mencionou questões ecológicas.

 

“Emmanuel Macron propõe simplesmente suspender a democracia”

A presidente do grupo parlamentar dos Insubmissos, Mathilde Panot, reagiu pedindo a Emmanuel Macron que “se submeta ao voto popular ou se demita” para “respeitar os resultados do voto do povo francês”

“O que Emmanuel Macron está a propor não é uma trégua olímpica”, afirmou. O que ele está a propor é, muito simplesmente, a suspensão da democracia. Espero que todos compreendam a gravidade do que isso significa.”


O artigo original pode ser consultado aqui

Tradução do francês por Vasco Esteves para a PRESSENZA

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