Entre os pedidos estão a chacina do Jacarezinho, operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro

Nesta quarta-feira (26/07/2024), a Rede de Atenção a pessoas Afetadas pela Violência de Estado (RAAVE) entregará na sede do Ministério Público Federal (MPF) pedido de desarquivamento e federalização de alguns casos de letalidade policial. O documento vai instruir procedimento aberto pelo Procurador da República Eduardo Benones.

A entrega vai ser na reunião marcada com o MPF às 12h30 na Nilo Peçanha 31, Centro.

Entre os casos que constam no documento está a chacina do Jacarezinho, a operação policial mais letal da história do estado do Rio de Janeiro. Nela, a polícia matou 27 pessoas. Dentre essas mortes, apenas uma se tornou processo judicial. O documento destaca que a operação, batizada como “Exceptis”, parece ter sido pensada como uma afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635, que havia suspendido as operações policiais salvo “excepcionalidades”.

Neste contexto, a RAAVE alerta para o uso político eleitoral da alta letalidade dessa operação por parte do então Secretário de Estado de Polícia Civil. Na época, o delegado deu declarações de que a operação teria sido um sucesso antes mesmo da instauração de investigações sobre as denúncias de violação. Desconsiderou ainda o número de mortos na operação, entre os quais a de um policial. Além disso, agiu abertamente para desautorizar as investigações feitas pelo controle externo da atividade policial e, em diversas oportunidades, desqualificou a atuação de entidades de direitos humanos que atenderam as famílias das vítimas. No ano seguinte à chacina, ele teria se candidatado a deputado usando o número 2227, sendo os últimos dois algarismos uma aparente alusão à quantidade de mortos pela polícia na referida operação. Contudo, apesar de reivindicar a autoria política do massacre, nunca teve a sua participação apurada.

Outros casos que constam no documento são os assassinatos de um homem e seu enteado após a comemoração do ingresso do jovem no Exército; o assassinato de uma testemunha de duas mortes de adolescentes em operações policiais; além do assassinato filmado de um mototaxista na Cidade de Deus em 2018. Todos esses casos encontram-se estagnados.

Além desses casos, o pedido da RAAVE menciona diversos problemas nas investigações de letalidade policial no Rio de Janeiro. Um desses problemas é ilustrado no episódio da fogueira de provas, flagrada em novembro de 2021 por entidades de direitos humanos no Salgueiro de São Gonçalo, logo após a atuação da suposta perícia. Com base na identificação desses problemas, ao longo dos próximos meses a RAAVE pretende encaminhar outros casos para apreciação do MPF a partir de solicitações de familiares das vítimas.

Histórico

Em março deste ano, relatório da Polícia Federal apontou participação de autoridades da cúpula da segurança pública fluminense no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. Além disso, agentes da área de segurança teriam atuado para obstruir as investigações, o que levantou suspeita sobre outros arquivamentos e morosidades.

A RAAVE reforça que a ausência de investigações adequadas tem gerado a continuidade da violência sobre essas famílias, violando os direitos à Verdade e à Memória, inviabilizando o acesso à Justiça e à Reparação, eixos fundamentais da Justiça de Transição. Tal situação tem causado agravamento das condições de saúde psicossocial dessas famílias, além da perpetuação das violações generalizadas nos territórios de favela e periferia.

A RAAVE é formada por grupos clínicos de saúde psicossocial, instituições públicas de acesso à educação e saúde, além de coletivos de familiares de pessoas mortas pela polícia.