MÚSICA

Por Renan Simões

 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

Minha sogra, chamada Guerlinda, morreu em 2019. Ela era um grande barato. Nos dávamos muito bem. Era uma delícia estar perto dela. Sempre me tratou com muito amor. Falava que eu parecia mais filho dela do que meu marido (risos). Era uma espoleta! Foi deixando de ser quando o corpo foi pifando. Ela reclamava. Dizia que não valia mais a pena ficar viva. Aquilo de “pra que viver quando não há mais vida?” Essa lucidez dela era comovente. Não acreditava em nada. A morte era desaparecer e fim. Jamais havia cruzado com alguém da idade dela que pensava dessa forma, que falava o que ela falava. Tinha 75 quando partiu.

Um dia, uma de suas netas estava mostrando a ela uma música, dizendo que parecia com o que eu fazia. Não parecia. Era new age demais, sereno demais, música pra boi dormir demais. Pobre boi! Minha sogra gostou. Poxa! Como assim? Me prometi que faria um álbum pra ela, sereno, levinho, pra bois e vaquinhas dormirem, e mostraria pra ela somente quando tivesse terminado. Seria segredo até lá. Ela morreu antes. Acabou sendo póstumo. Claro que não deu nada certo. Claro que o álbum não tem nada de sereno, calminho, e tá mais pra afugentar animais. Eu gosto de ruídos, de texturas escuras, de umas “dificuldades” na música que faço (nada a ver com complexidade de ter que ter sete mãos para tocar; um dedo basta). É um lance para “connoisseurs”. Viu a escolha da palavra? Babaca e pedante. Mas como você vai gostar de música estranha, “difícil”, se ela já não faz realmente parte da sua vida? Ok… uma hora a gente começa. Vai começando aí. Às vezes vale muito a pena. Ou você vai achar uma merda. Divaguei.

finally free, gravity é o álbum póstumo para minha sogrinha amada. Somos eu e ela na capa, rindo porque ela achava a cara dela um horror em fotos, e morria de rir. Não entendia como ela acabaria tendo aquela cara depois de “velha”. Haja gargalhada! (risos). E falava uns palavrões deliciosos. É um álbum triste e feliz. É um álbum de celebração. Para uma pessoa que queria ir embora desse mundão de seu Deus e foi porque pra ela já havia dado. Combinamos de quem fosse primeiro daria um jeito de mandar um alô para o outro caso houvesse alguma coisa lá do outro lado. Já rolaram umas coisas, mas deixa baixo ou esse texto vai ficar longo demais. Mais.

Vamos aos títulos em português? Você irá entender:

When a chance is bound to come: Quando uma chance está destinada a surgir;

Laughing, lastly: Rindo, por último;

Air: Ar (Guerlinda precisava de aparelho para respirar);

Warmth bubble: Bolha de calor humano;

Not alone: Não sozinho / Não sozinha (com letra e vocal da alemã – que mora no Reino Unido – Trixie Delight, e que fez com que essa música fosse essa coisa monumental);

Nothing comes to solve nothing and there’s nothing out there: Nada vem para resolver nada e não há nada lá fora;

Mind no longer has me: A mente não me tem mais.

O nome do álbum significa “finalmente livre, gravidade”.

Tenho orgulho de ter sido capaz de fazer um álbum tão intenso, tão profundo como esse. Quando lançado, foi um dos álbuns daquele mês do bandcamp.com. Isso foi bem bacana.

https://gimu.bandcamp.com/album/finally-free-gravity

Obs.: Segue link para a resenha do álbum que eu realizei, visto que este ficou em 48º lugar do meu ranking de melhores discos da música brasileira:

https://www.pressenza.com/pt-pt/2022/10/48-gimu-finally-free-gravity-2019-ranking-dos-meus-107-melhores-discos-da-musica-brasileira-ate-2020/