CRÔNICA
Por Guilherme Maia
BRINDE
Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa:
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.
Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;
Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde
Solitude, recife, estrela
A não importar o que há no fim de
Um branco afã de nossa vela.
(Mallarmé)
Palavras à deriva, palavras forjadas do doce desespero embriagado pela verve louca da paixão, assim me assalta a vontade de dizer a ela tudo o que essa folha em branco oculta e expande, esse mar de nada que é a folha em branco.
Frente à frente estão o estratosférico de tudo o que ela me faz sentir e a aridez do deserto do ainda não criado. Quero, preciso, afastar todas as teorias e tintas artificiais, estilísticas, para alcançar a essência das coisas reais que vivi ao lado dessa mulher.
Então, da lírica faço meu pão, meu ar, o rasgo final das normalidades corriqueiras. O vórtice de loucura sagrada que sai dos descaminhos das decisões da vida; o Sol nasce do lado onde bate meu coração e ele bombeia felicidade fervente. Brilho de um destino construído pela resistência de um amor servo de tudo o que vivi por que aprendi que sentir a total presença sua todo o dia, saber que meu amor está ao meu lado, afirma que não quero você mais longe.
E fizemos tudo, deixamos de ser o que éramos para ascender ao fúlgido topo do maior dos montes, não temos mais olhos lacrimosos, ganhamos a coragem do sujeito que passou suco de limão no corpo para assaltar um banco em Pittsburgh sem ser detectado pelas câmeras de segurança, afinal, misturando sumos de frutas se cria tinta incolor sobre o papel.
Cada lágrima vertida pelo engano de despedidas vãs, brigas de egos, desconsolos da adaptação à nova vida, você, sim, é um novo mundo para mim; um mundo de virilidade, de carinhos, tudo muito mais profundo do que a noite e o dia, por estar acima do tempo mundano: somos eternos como música, ouvimos o clamor da necessidade, da fome e do desamor, sentimos todas as infelicidades no Atacama da vivência.
Cansados do desapego de quem somos realmente, palavras que deixamos de falar, aventuras às quais viramos o rosto tomados de medo, beijos não dados, sonhos não sonhados, retalhos que compunham nossa mortalha, tudo isso, meu amor, dissolvido restou simplesmente por que você teve a coragem de vir até mim e eu de cortejar meu grande e verdadeiro amor: unicamente você.
Paisagens se multiplicaram sinfonicamente. Cada lugar em que celebramos nosso amor, a Urca nos abraçou, Copacabana nos acolheu na paixão de suas vias, estive em seu mais íntimo no infinito de suas estradas, amor. No Catete, fomos a transcendência de nós mesmos e entendemos o que força nossa paixão a resistir borbulhando nossa comunhão.
Casamos na verdade de nossos transportes, nas águas fundas de uma aliança de almas. Aprendemos a não ter medo da saudade. Tivemos a coragem do turista que joga ketchup na macarronada na cara dos italianos no Trastevere de Roma.
Eu me lembro de sua chegada, eu me lembro quando você fixou e passamos a ser um palmilhar sob o Sol do amor. Vitoriosa, corajosa como quem é desprovido de amígdalas.
Sentamos sobre as pedras do Arpoador, e, firmados nossos olhares para o infinito do mar, não encontramos mais uma dimensão de adeus: estamos livres e, por isso, estamos juntos.
Você sempre esteve lá, Andréia Cristina.
Eu sempre estive lá, Guilherme Maia.