O artigo que se segue, do nosso parceiro editorial “Untergrund-Blättle”, embora não refletindo em todos os aspetos as posições da PRESSENZA, revela de forma clara o enorme perigo duma escalada nuclear na guerra da Ucrânia, se os países ocidentais da OTAN, em vez de quererem negociações e compromissos, prosseguirem nas suas atuais intenções de iniciarem uma intervenção militar direta naquele país com o objetivo de ganharem a guerra pela força das armas.


05.03.24 – Untergrund-Blättle (*)

A caminho de uma troca de ataques nucleares: segundo o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, os países da OTAN estão a discutir formas de intervenção militar direta na Ucrânia.

O primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, abandonou toda a sua contenção diplomática na segunda-feira passada. O chefe do Governo, considerado pró-russo, declarou, pouco antes da cimeira europeia de Paris, que vários Estados da OTAN e da União Europeia estavam a discutir medidas de intervenção militar direta na Ucrânia[1]. O envio de forças militares ocidentais para o país devastado pela guerra deverá ter lugar numa “base bilateral”. Esta informação foi entretanto confirmada pelo Presidente polaco Duda, que, numa declaração inicial, descreveu a “segurança das fronteiras” e a “desminagem” como as tarefas a executar numa primeira fase pelas tropas de intervenção ocidentais na Ucrânia[2].

A palavra “bilateral” é crucial neste contexto. As tropas da OTAN e da UE não interviriam legalmente sob a égide protetora da OTAN, mas com base em acordos bilaterais de assistência intergovernamental. Isto tornaria obsoleta a garantia de assistência mútua da OTAN, que obrigaria toda a aliança militar a responder militarmente no caso de ataques a Estados individuais da OTAN. Esta cláusula jurídica, destina-se a evitar um mecanismo automático de resposta global no caso de conflitos militares diretos entre a Rússia e os potenciais países de intervenção ocidentais, o que conduziria inevitavelmente a uma guerra mundial, incluindo uma troca de ataques nucleares.

A Polónia é considerada um candidato seguro para essa escalada “bilateral”. Está atualmente em curso uma campanha de recrutamento neste país oriental da OTAN, no qual centenas de milhares de cidadãos estão a ser convocados para a tropa[3]. Os cidadãos nascidos entre 1997 e 2005 devem comparecer perante comissões de seleção para verificar a sua aptidão para o serviço militar. A recusa em fazê-lo pode resultar em multas ou numa convocação para ir à polícia.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, também já não quis excluir o envio de tropas terrestres francesas para a Ucrânia. Embora não exista atualmente “nenhum consenso” sobre a utilização de tropas terrestres, declarou Macron em 27 de Fevereiro, a Europa deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance “para evitar que a Rússia ganhe esta guerra”[4].
A resposta do Kremlin a estes avanços surgiu apenas algumas horas mais tarde: uma guerra entre a OTAN e a Rússia é “inevitável”, se os aliados ocidentais de Kiev intervierem na Ucrânia com tropas terrestres, declarou o porta-voz do Kremlin, Peskov, em 27 de Fevereiro. O simples facto de algo assim estar a ser discutido publicamente no Ocidente, é um “elemento novo e muito importante” para Moscovo[5]. No entanto, isto contradiz os anos de propaganda de guerra do Kremlin, segundo os quais a Rússia já está, de facto, a lutar contra toda a OTAN na Ucrânia.

O pano de fundo dos planos de intervenção militar, cada vez mais concretos, são os sinais crescentes e bem claros da derrota da Ucrânia, que não está à altura do potencial militar muito maior da Rússia a longo prazo[6]. Kiev perdeu a oportunidade de negociar um cessar-fogo relativamente vantajoso há muito tempo – no final de 2022, quando a Rússia foi forçada a retirar de Kherson[7]. Quanto mais tempo durar a guerra, menos provável parece ser que se chegue a um acordo de paz após o qual ainda existiria uma Ucrânia independente.

A ténue linha vermelha

A intervenção direta do Ocidente na Ucrânia, um país devastado pela guerra, representa em vários aspetos o ultrapassar duma linha vermelha. Torna ainda muito mais provável a ocorrência de uma grande guerra nuclear entre a OTAN e a Rússia.

O exército russo poderia ser derrotado pelas tropas da OTAN numa guerra convencional, pois a máquina militar russa continua a ser ineficaz, corrupta e pouco inovadora. O excedente de material bélico russo nesta guerra, é o resultado de acordos com a Coreia do Norte e o Irão e da passagem da Rússia para a produção bélica[8], passagem essa que o Ocidente ainda evitou até agora. Mas uma tal derrota tornaria provável a escalada desta guerra para uma guerra nuclear – desencadeada pelo uso de armas nucleares táticas. E, mais uma vez, é improvável que a OTAN fique quieta se forem utilizadas armas nucleares táticas contra as tropas ocidentais na Ucrânia.

As perdas da Rússia — que, aparentemente, ainda não é capaz de uma guerra de armas combinadas — ainda são muito elevadas, mas o maior potencial quantitativo da Federação Russa está a afirmar-se lentamente nesta guerra. A Ucrânia está a ficar sem “mão de obra” [soldados] e sem recursos para combater na frente, o que leva a uma preponderância crescente de Moscovo, por exemplo na artilharia e no apoio aéreo. Após a derrota do exército ucraniano em Avdiivka[9], um subúrbio de Donetsk que foi transformado numa fortaleza, o avanço russo parece estar a ganhar ímpeto. Moscovo ainda tem fortes reservas de centenas de milhares de soldados disponíveis para uma próxima ofensiva na primavera ou no verão. Cada nova linha de defesa que as tropas de Kiev estabelecem, é inevitavelmente mais fraca do que a última que tiveram de abandonar.

A verdade é, portanto, que só uma intervenção militar direta do Ocidente pode impedir uma vitória militar da Rússia. Esta guerra imperialista[10] — na qual a Ucrânia está efetivamente a ser esmagada entre o Ocidente e o Leste[11] — já não pode ter um resultado “bom”, razoavelmente progressista. Uma vitória russa não só porá fim à soberania da Ucrânia, mas também dará um novo impulso às forças autoritárias e fascistas em toda a Europa, como a AfD [na Alemanha]. Uma derrota russa — que só seria possível no contexto de uma intervenção ocidental mais forte — acabará quase de certeza numa troca de ataques nucleares. A única opção viável é um “acordo sujo” entre o Leste e o Ocidente, que dividiria a Ucrânia.

O que está em jogo na Ucrânia é demasiado importante para que ambas as partes – quer o Ocidente, quer o Kremlin — aceitem simplesmente uma derrota. A guerra de agressão da Rússia resultou de uma posição de fraqueza geopolítica, uma vez que a influência de Moscovo no seu “quintal” pós-soviético, em crise e socialmente perturbado, estava a desmoronar-se cada vez mais[12]. Para o Kremlin, tudo está em jogo na Ucrânia, isto é, o manter a posição da Rússia como potência imperial. Mas, entretanto, os riscos para o Ocidente também se tornaram cada vez mais elevados. Uma vitória russa desestabilizaria rapidamente o sistema de alianças ocidentais, particularmente na Europa, onde a estagnação económica e a agitação social estão a alastrar.

Quer a Rússia quer o Ocidente não se podem dar ao luxo de perder a Ucrânia por motivos de estabilidade interna – é isso que torna esta escalada tão perigosa. No entanto, a linha vermelha que poderia ser ultrapassada aqui, também se aplica às forças progressistas. O apoio à guerra de defesa da Ucrânia, que é legítimo à luz do direito internacional, incluindo a ajuda militar, deverá terminar no caso de uma intervenção militar direta do Ocidente, para evitar uma grave escalada da violência, e muito provavelmente a uma guerra nuclear.

Tomasz Konicz

Notas de rodapé:
[1] https://www.reuters.com/world/europe/slovak-pm-says-some-western-states-consider-bilateral-deals-send-troops-ukraine-2024-02-26/
[2] https://twitter.com/MurzynfrogXXX/status/1762278676006154482
[3] https://www.tag24.de/thema/aus-aller-welt/polen/angst-vor-krieg-maenner-und-frauen-in-polen-muessen-zur-musterung-3081619
[4] https://www.spiegel.de/ausland/ukraine-emmanuel-macron-will-einsatz-von-bodentruppen-nicht-ausschliessen-a-d62fe80b-2961-4977-979b-7bab6a72c7d1
[5] https://www.independent.co.uk/news/world/europe/ukraine-war-russia-putin-OTAN-military-troops-live-b2503174.html
[6] https://www.konicz.info/2023/12/14/putins-rechnung-geht-auf/
[7] https://www.konicz.info/2023/01/19/kiews-verpasste-chance/
[8] https://www.konicz.info/2023/08/26/putins-kriegswirtschaft/
[9] https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Avdiivka_(2022%E2%80%932024)
[10] https://www.konicz.info/2022/06/23/was-ist-krisenimperialismus/
[11] https://www.konicz.info/2022/06/20/zerrissen-zwischen-ost-und-west/
[12] https://www.akweb.de/politik/russland-ukraine-konflikt-kampf-auf-der-titanic/


(*) Untergrund-Blättle é uma revista online de jornalismo crítico da área metropolitana de Zurique. Untergrund-Blättle publica textos analíticos e polémicos sobre os principais temas da política, sociedade, economia e ecologia. A secção cultural é também objeto de uma atenção especial. Em termos de conteúdo e de edição, um dos seus objetivos é criar sinergias no seio dos movimentos de esquerda.

O artigo original pode ser consultado aqui

Tradução a partir do alemão por Vasco Esteves para a PRESSENZA