(Nota prévia da redação da PRESSENZA:) A economia alemã está em grave crise. No artigo que se segue, baseado nas opiniões a respeito publicadas na imprensa internacional, apontam-se vários sintomas e algumas causas.
O agravamento da situação económica na Alemanha começou logo depois da reunificação alemã em 1990. Desde então, os sucessivos governos — sobretudo os conservadores cristão-democratas da CDU/CSU, mas também os social-democratas do SPD –, estando a braços com os enormes custos que a reunificação trouxe consigo, apostaram ainda mais na liberalização da economia e no aumento das exportações, tendo descurado sistematicamente os investimentos públicos na infraestrutura do próprio país e na qualificação dos imigrantes. A contenção forçada das dívidas públicas, uma “vaca-sagrada” da política financeira alemã, que infelizmente se tornou também num “produto de exportação” para outros países europeus (sobretudo do Sul da Europa!), tornou a situação ainda mais crítica.
Desde que, no final de 2021, a atual “coligação do semáforo” chegou ao poder na Alemanha (os vermelhos do SPD, os amarelos do partido liberal FDP, e os Verdes), e com o desencadeamento da guerra na Ucrânia logo no início de 2022, foram infelizmente tomadas uma série de decisões políticas que representaram vários novos “tiros que sairam pela culatra”: o apoio absoluto à guerra e a recusa de negociações; o rearmamento disparado em flecha, aumentando (desnecessariamente) as despesas do Estado; os sucessivos boicotes à economia russa, que fizeram explodir os preços da energia para a indústria e a inflação para todos os cidadãos; e, por fim, a demonização cada vez maior da imigração (sobretudo por parte dos partidos de direita), fazendo de novo dela um “bode expiatório” para todos os problemas do país, em vez de a encararem como uma change para rejuvesnecer a economia. Por fim, a atual ascensão nas sondagens do partido da extrema-direita AfD, não é apenas um problema suplementar por resolver: ela é pura e simplesmente o resultado da duplamente malograda política neo-liberal das últimas décadas, e nunca poderá ser estancada por si só sem se corrigir essa política.
Tudo razões que nos levam portanto a concluir: um declínio económico por culpa própria!


22.02.24 – GERMAN-FOREIGN-POLICY.com

Os principais meios internacionais de comunicação estão a prever o declínio industrial da Alemanha e a criticar duramente as políticas do Governo federal alemão – em parte também porque este não está a conseguir combater as causas da ascensão da extrema-direita.

As descrições pouco generosas da crise económica alemã, as duras críticas às políticas de Berlim e a preocupação com a ascensão da extrema-direita, estão a substituir a imagem outrora positiva da Alemanha nos principais meios de comunicação internacionais. Enquanto a agência noticiosa norte-americana Bloomberg prevê que “os dias da Alemanha como superpotência industrial” estão contados, o Financial Times de Londres afirma que a economia alemã está atualmente a sofrer um “acidente de automóvel em câmara lenta”. O Wall Street Journal fala do “doente da Europa”, enquanto os meios de comunicação social parisienses julgam com auto-ironia que a crise na Alemanha tem “características francesas”. O Guardian londrino, que também não é conhecido pelas suas críticas à Alemanha, aponta contradições na política de Berlim, como a que existe por exemplo entre o discurso sobre a proteção do clima e a luta para proteger automóveis pesados com motores de combustão. Constatar que os críticos judeus do Governo israelita são detidos na Alemanha por alegado antisemitismo, é absolutamente “kafkiano”. O facto de a Alemanha ter sido elogiada como o “país mais popular do mundo”, há apenas alguns anos atrás, contrasta fortemente com o que se passa na Alemanha.

O país mais popular do mundo

Um exemplo da imagem positiva da Alemanha, que durante muito tempo foi difundida internacionalmente, pode ser encontrado nos inquéritos realizados pelo Serviço Mundial da BBC. Em 2013, por exemplo, quando fez um inquérito a mais de 26.000 pessoas num total de 25 países para elaborar um ranking dos países preferidos do mundo, a República Federal da Alemanha acabou por ficar em primeiro lugar entre 16 países e a UE. Na altura, a BBC atribuiu este resultado ao facto de não só a economia alemã estar a ir bem e a obter melhores resultados do que a de outros países europeus. Quatro anos mais tarde, a Alemanha alcançou novamente um índice de aprovação de 59% [2] e, apesar de ter ficado apenas em segundo lugar, uma vez que o Canadá a ultrapassou por pouco em 2017 e com 60% de aprovação, conseguiu manter a sua elevada popularidade. Em comparação: a França recebeu uma classificação positiva por parte de 52% de todos os inquiridos, o Reino Unido de 51%, enquanto os Estados Unidos (provavelmente também tendo em conta a tomada de posse do novo Presidente dos EUA, na altura Donald Trump) ficaram com uns fracos 34% (cerca de 49% deram-lhe mesmo uma classificação predominantemente negativa).

Adeus à superpotência industrial

Nas atuais reportagens dos principais meios de comunicação social internacionais, nada resta desta imagem extremamente positiva da Alemanha. Há semanas que a atenção se centra na evolução desoladora da indústria alemã, que é comentada em todo o mundo com grande espanto, mas agora também sem ilusões. No sábado, por exemplo, um artigo da agência noticiosa norte-americana Bloomberg afirmava que “os dias da Alemanha como superpotência industrial” podem estar contados, como demonstra um olhar sobre a sua produção industrial, em queda há já anos [3]. As causas são a concorrência crescente dos EUA – com os seus programas de investimento multimilionários – e da China, mas sobretudo a decisão de prescindir do gás natural russo mais barato. Esta última decisão afetou particularmente a indústria química, que é muito importante para a Alemanha, com quase dez por cento de todas as empresas a planearem encerramentos da produção. Além disso, há ainda problemas como os das “infra-estruturas que rangem” (um eufemismo para estradas, caminhos-de-ferro e pontes em ruínas), uma força de trabalho envelhecida, um sistema educativo com fraco desempenho e uma burocracia a transbordar, refere a Bloomberg. Para além disso, existe agora também uma “paralisia ao nível político”.

“O doente da Europa”

Em Janeiro, já tinham sido feitos comentários semelhantes. O Wall Street Journal, por exemplo, afirmava que as perspetivas para a economia alemã “não eram boas”; a Alemanha era há já muito referida como “o doente da Europa”[4]. O Financial Times comparava a evolução da economia alemã – fazendo uma alusão ao facto de o chanceler Olaf Scholz ter anunciado em Davos, no início de 2023, uma “nova velocidade alemã”  – a um “acidente de automóvel em câmara lenta”. O artigo, que tinha um peso especial por ter sido publicado como uma declaração de toda a equipa editorial, dizia ainda que as famílias e as empresas não só estavam a ser drasticamente afetadas pelos elevados custos da energia, como também já não tinham confiança. Para além de outras deficiências, as infraestruturas em dificuldades são também acompanhadas por uma digitalização deficiente[5]. O veredito sobre o mal-estar alemão nos meios de comunicação franceses não é mais favorável. A revista Marianne, por exemplo, refere a diminuição da produção industrial, a quebra das exportações e o facto de a Alemanha ser o único país da UE a entrar em recessão, a que se juntam os protestos generalizados e os receios de declínio[6]. O semanário Le Point, por seu lado, julga, de forma auto-depreciativa, que a Alemanha está a entrar numa crise existencial que assume “cada vez mais características francesas”, apenas dois anos após a entrada em funções da “coligação do semáforo”[7].

Traços kafkianos

A visão crítica da Alemanha vai agora muito para além da crise económica. Na semana passada, por exemplo, o Guardian londrino, que habitualmente defende a UE e a Alemanha, afirmava que as contradições graves estão cada vez mais presentes na política de Berlim. A República Federal da Alemanha é a principal responsável pela redução das emissões de CO2, mas está a adiar a abolição do motor de combustão: “A sociedade alemã está a tentar proteger o clima e, ao mesmo tempo, a conduzir carros grandes e de alta potência cada vez mais rápidos.”[8] Não é de admirar que outros países tenham sido melhor sucedidos do que a Alemanha na eliminação progressiva das emissões de CO2. Na Alemanha, os críticos judeus do Governo israelita são detidos por alegado discurso de ódio antissemita, o que é “uma anedota kafkiana” em si, mas torna-se ainda mais grotesco quando se percebe a diferença entre a repressão generalizada dos protestos que pedem um cessar-fogo na Faixa de Gaza e a descontração com que são encarados os protestos de agricultores em que estão envolvidas forças de extrema-direita. É absurdo exigir a imigração de pessoal de enfermagem e de outros trabalhadores qualificados e, ao mesmo tempo, incitar ao ódio xenófobo e mesmo racista, o que “se tornou uma parte cada vez mais normal da vida política na Alemanha”.

Causa e efeito

A ascensão da extrema-direita na Alemanha está a merecer uma atenção especial e a causar uma preocupação palpável. As manifestações de massas contra o partido da extrema-direita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) nas últimas semanas, foram encaradas de formas diferentes. Enquanto o New York Times, por exemplo, afirmou que a Alemanha tinha “finalmente acordado” [9], o Financial Times mostrou-se cético. Apesar da AfD ter perdido ligeiramente terreno de acordo com as últimas sondagens – embora alguns atribuam esse facto a alguns antigos eleitores da AfD terem mudado para a nova aliança Sahra Wagenknecht (BSW) – está longe de ser claro se esse ligeiro enfraquecimento será para durar[10]. [A crise económica está a agravar a situação, e os problemas orçamentais estão a privar o Governo federal da oportunidade de amortecer adequadamente as dificuldades da crise. O debate sobre a proibição da AfD, por outro lado, é visto com ceticismo pelo Financial Times. A tentativa de proibir algo, em vez de atacar as suas causas, faz este jornal financeiro londrino lembrar Bertolt Brecht quando disse: “Não seria mais fácil se o Governo dissolvesse o povo e elegesse outro?”[12]


O artigo original pode ser consultado aqui

Tradução do alemão por Vasco Esteves para a PRESSENZA