OPINIÃO

Por Adriana Borghi – Editora Blimunda

 

O presidente Lula aprovou no início de janeiro a lei 14.821/24 que institui a PNTC PopRua – Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua que dialoga com o Decreto Federal n° 7.053/2009 da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Apesar dos avanços indicados, muitas perguntas seguem abertas demonstrando o imenso desafio para o país para a materialização da igualdade social.

A intenção da política em si está comprometida por questões anteriores como podemos notar na definição estabelecida pelo artigo 01, Parágrafo único da lei: “para fins desta Lei, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que tem em comum a falta de moradia e utiliza os logradouros públicos como espaço de moradia e de sustento, bem como as unidades de acolhimento institucional para pernoite eventual ou provisório, podendo tal condição estar associada a outras vulnerabilidades como a pobreza e os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados”.

Há uma dificuldade histórica de compreender que “falta de moradia e de sustento” são atreladas às complexas situações decorrentes da ausência de responsabilização estatal pela implementação de direitos fundamentais, a ponto de gerar a pobreza. Individualizar o debate, ignorando essa complexidade, impede o fortalecimento de vínculos familiares ou qualquer tentativa de estruturar relações que ofertem suporte às demandas e enfrentamentos dinâmicos da vida. É na coletividade que caminhos de enfrentamento serão estruturados e abordados de modo complexo. No que diz respeito à população de crianças e adolescentes em situação de rua, esse tema se torna ainda mais sensível, já que abalados seus direitos às cidades, à circulação e ao livre brincar, falta a aposta em políticas públicas que democratizem o espaço da rua enquanto espaço público a ser ocupado. É preciso atentar para políticas que apoiem a implementação do direito de participação de crianças e adolescentes na medida de suas idades e inclusão de suas opiniões nos espaços políticos – algo que transpassa a necessidade de trabalho e educação formal para sobreviver ao capitalismo. 

São aspectos vinculados ao fortalecimento e estruturação da política nacional e do bom funcionamento do “comitê PopRua” nas localidades para acompanhamento e monitoramento da construção democrática e participativa da política para população em situação de rua – tais comitês podem possibilitar o acesso aos direitos mencionados a partir da oferta de direito à convivência comunitária, nesses espaços. 

A política ora implementada, voltada ao trabalho, é proveniente de iniciativa da deputada Erika Hilton, PL 2.245/23, e visa promover a elevação da escolaridade, a qualificação profissional e o acesso ao trabalho e à renda, de modo a garantir os direitos humanos das pessoas em situação de rua. Para tanto também se faz necessário a capacitação dos serviços de saúde, educação, assistência social que atende essa parcela da população a partir da concepção de uma ética forjada na educação de rua ao invés de abordagem de rua e apostar na formação da rede de atendimento. 

Acessar a convivência, em espaços comunitários, favorece o respeito à vida, à cidadania e à dignidade da pessoa humana em seu aspecto subjetivo, garantindo que as condições para seu desenvolvimento físico e psíquico estejam minimamente presentes, via afetos – para que seja possível articular apoios e rede para que sua vida e existência sejam possíveis, em suas singularidades – tais estruturas devem ser garantidas desde a primeira infância.

Quando se trata de crianças e adolescentes em situação de rua, deve-se levar em consideração, no estabelecimento das políticas, o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência – atuando de modo a prevenir, mas também interromper os ciclos das violências sofridos e estruturais aos quais elas tenham sido submetidas. É imprescindível que na formatação dos membros dos comitês PopRua, estejam presentes crianças e adolescente. 

O conselho nacional dos direitos humanos, em 2021, se manifestou apontando graves questões relacionadas às interseccionalidades, violências que urgem serem interrompidas, tais como as práticas menoristasde recolhimento forçado de crianças e adolescentes e as que apoiam o afastamento familiar/relacional como medida de primeiro plano. 

É importante pontuar que além do acesso à justiça, a participação das crianças e adolescentes na vida pública, através da garantia do protagonismo infanto-adolescente, garante a formatação de políticas públicas que de fato atendam às necessidades dessa população. Além do mais, não é viável construir política pública sem a escuta e participação do destinatário. Para alcançar resultados práticos, profissionais precisam estar preparados para garantir que estes tenham sua voz ouvida e suas ponderações levadas em consideração, deixando de lado toda e qualquer ideia que remeta ao menorismo – garantir direitos e o enfrentamento às violências estruturais que sedimentam esses lugares menores e impedem as existências na diversidade. Não há mais tempo para não apostar na vida, não é uma escolha política-partidária, mas grave violação de direitos humanos a qual não se pode mais tolerar.  

Adriana Borghi é Doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC, Mestre em Direito, Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós Graduada em Transformação de Conflitos e Estudos de PAZ pelo Instituto Paz e Mente. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.