11.01.24 – Bolivar infos – Rédaction France
Eis algumas pistas sobre a forma como, em poucos anos, o Equador passou de um país pacífico a um país governado pelo crime organizado. E de como a organização desse crime é internacional. E de como os EUA se aproveitam dessa confusão para melhor controlarem a América Latina: Há anos que os EUA articulam um plano para comandar a segurança do país, tal como fizeram na Colômbia. E a sensação de insegurança criada pela atual crise, poderá quebrar a resistência a tal projeto.
Por Gerardo Szalkowicz (*)
Pela força das imagens, a irrupção de um bando de narcotraficantes, empunhando armas e granadas nos estúdios da Televisão TC, foi o momento culminante, o mais cinematográfico daqueles dias que viram ataques explosivos, motins de prisão, pilhagens, tiroteios, incêndios de automóveis, raptos, instalando um pânico generalizado que paralisou literalmente o país.
Mas esse momento culminante da televisão pública de Guayaquil, assim como os acontecimentos que o precederam e se seguiram ao mesmo – são apenas o último capítulo de uma espiral de violência organizada que se arrasta há já cerca de 5 anos e que sofreu uma metástase significativa nos últimos 2 anos. A triste metamorfose de um país, que antes era o segundo mais seguro da América Latina, tornou-o no mais violento, com uma taxa de homicídios que aumentou quase 800% desde 2019.
O atual barril de pólvora
Aquilo que acendeu o rastilho dos últimos dias foi a fuga da prisão de dois chefes da droga, no meio de motins e de sequestros de polícias em meia dúzia de prisões. A crise prisional é a face mais visível da hecatombe: os constantes massacres, geralmente devidos a confrontos entre bandos armados, levaram à morte de mais de 460 presos desde 2021.
O jovem presidente, Daniel Noboa, empossado há apenas um mês e meio para completar o mandato de Guillermo Lasso, reagiu declarando o estado de emergência e impondo um recolher obrigatório, o que acabou por sua vez por provocar uma avalanche de ataques armados e de atentados bombistas em todo o país, incluindo a tomada da estação de televisão, que se tornou viral.
Perante este caos generalizado, e depois de ter recebido o apoio de todos os quadrantes políticos, incluindo por parte do ex-presidente exilado Rafael Correa, Noboa emitiu um novo decreto que reconhecia o estado de “conflito armado interno” e ordenava ao exército a neutralização de 22 organizações que declarou de “terroristas”. Só no primeiro dia desta guerra total contra os bandos armados, foram mortas pelo menos 13 pessoas e detidas 41.
O país está em estado de choque: as aulas foram suspensas, a maior parte das lojas foram encerradas, e a população retirou-se para as suas casas. Os tanques de guerra cruzam as ruas vazias, enquanto a violência e os confrontos se multiplicam, fazendo prever um desfecho sangrento e incerto.
Cinco razões fundamentais:
1. O fator internacional
O Equador situa-se entre a Colômbia e o Peru, que são os maiores produtores de cocaína do mundo. A presença das FARC no sul da Colômbia, funcionava como uma espécie de tampão para a expansão dos cartéis em direção ao Equador, mas a assinatura dos acordos de paz em 2016 e a posterior desmobilização da guerrilha reconfiguraram este território fronteiriço e abriram-no à economia criminosa e permitiram a esta a abertura de operações, nomeadamente nas cidades portuárias de Guayaquil e de Esmeralda.
Além disso, no âmbito de uma reconfiguração das rotas da droga, o Equador tornou-se num importante centro regional de armazenamento, transformação e distribuição de droga, principalmente destinada aos Estados Unidos e à Europa. Num curto espaço de tempo, proliferaram mais de vinte bandos que operam de forma fragmentada, em muitos casos como subcontratados dos grandes cartéis do México e da Colômbia.
2. O desmantelamento do Estado
O acima exposto desenvolveu-se devido à mudança introduzida no modelo económico, resultado da traição de Lenin Moreno em 2018, e continuada pelo antigo banqueiro Guillermo Lasso. A receita neoliberal de ajustamento, de austeridade pública e de redução da presença do Estado, conduziu a um enfraquecimento do controlo das fronteiras, facilitando a penetração dos bandos armados.
3. Desregulamentação financeira
Na mesma linha das reformas estruturais neoliberais acordadas com o FMI, foi também reduzido o controle dos movimentos de capitais e das sociedades offshore. A economia foi dolarizada, o que facilitou o branqueamento de capitais e os desvios de fundos, fechando assim um círculo perfeito para a operação dos traficantes de droga.
4. Penetração nas instituições
A capacidade de manobra e a omnipresença destes bandos, que controlam territórios e prisões, só podem ser explicadas pela expansão dos seus tentáculos a sectores importantes das forças de segurança, da justiça e de certas personalidades políticas.
Em meados de Dezembro passado, o Ministério Público lançou a “Operação Metástase”, que levou à detenção de 29 pessoas: juízes, procuradores públicos, polícias e advogados, devido às suas ligações ao crime organizado. Já em 2021, os Estados Unidos tinham retirado os vistos a 4 altos funcionários da polícia que estavam qualificados como “narco-generais”.
5. Um plano regional
A conspiração que está a destruir o Equador tem as suas próprias características locais, mas baseia-se num modelo que se enraizou nos anos 80 quer no México, quer na Colômbia e também nalguns países da América Central e que, nos últimos anos, se espalhou por toda a região em escalas diferentes . Trata-se de uma para-militarização dos territórios, destinada a semear o terror, a desmantelar o tecido social e a subjugar as populações, alimentando ao mesmo tempo uma estrutura empresarial milionária. Velhas e novas estratégias de dominação destinadas a continuar a garantir o controlo da América Latina.
(*) Fonte em francês: http://bolivarinfos.over-blog.com/2024/01/equateur-5-cles-pour-comprendre-un-pays-brise.html
O artigo original está disponível aqui
Tradução do francês para a PRESSENZA por Vasco Esteves