MÚSICA

Por Renan Simões

 

Construção (1971) é um dos álbuns mais assustadores da história. Chico Buarque, mesmo inovando, sempre manteve os pés firmes na tradição; entretanto, neste registro, o artista ultrapassa qualquer colega de profissão quanto à intensidade expressiva e criatividade na diversidade. Com música fascinante e letras carregadas de críticas, especialmente à ditadura militar, o álbum conta com a direção de produção e de estúdio de Roberto Menescal, e direção musical de Magro, com brilhantes participações do MPB-4 e arranjos de Rogério Duprat. É perfeita a alternância, faixa a faixa, entre tensão e calmaria.

A melodia minimalista e arranjo pós-apocalíptico de Deus lhe pague consistem nas boas-vindas ao inferno, expectativa que é quebrada no clima quase sacana de Cotidiano, em formato inicialmente bem mais cômodo, mas que vai aos poucos se carregando de excentricidades no arranjo; esse disco não tem espaço para superficialidades. Somos arremessados então a Desalento, um dos sambas mais belos já compostos, e ficamos sem fôlego frente à pesadíssima e intrincada faixa-título, candidata fácil a encabeçar uma lista de melhores músicas do mundo.

Após tamanha veemência, somos amparados pelo frescor sonoro de Cordão. A desesperança de Olha Maria é pura inspiração, e contrapõe-se à irresistível Samba de Orly. O retrato altamente surrealista e nostálgico de Valsinha e o relato com um quê de profano de Minha história (gesubambino) são muito fortes, incríveis, mas cedem espaço ao delicado Acalanto final.

Chico Buarque, Construção, a canção brasileira em todo seu esplendor! Ouça, desfrute, reflita, repasse: