MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

 

Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum o estabelecimento de acordos de cooperação entre o Poder Judiciário e empresas privadas, como um esforço para otimizar processos e promover a eficiência na administração da justiça. No entanto, essa prática suscita questões legais, éticas e de transparência que merecem uma análise cuidadosa.

O caso em foco traz um exemplo concreto desse fenômeno. O Acordo firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) e a empresa VALE, com o intuito de virtualizar o acervo de processos físicos nas comarcas do Estado, é uma ilustração desse tipo de parceria. Este acordo, regido pelas Portarias Conjuntas TJMG n.21.025/PR/2020 e n.21.026/PR/2020:

CLÁUSULA PRIMEIRA: O presente Acordo tem por objeto o estabelecimento de mútua cooperação entre os partícipes, visando à virtualização do acervo de processos físicos em tramitação nas comarcas do Estado de Minas Gerais, que será disponibilizado às empresas contratadas pela VALE em Belo Horizonte, na forma da Cláusula 4.1.3, em alinhamento com o Projeto Virtualizar, conforme disposto nas Portarias Conjuntas TJMG n.21.025/PR/2020 e n.2 1.026/PR/2020. (Acordo de Cooperação 309/2021)

 

A Cláusula Primeira do acordo em questão demonstra o foco na virtualização de processos físicos. Embora a busca pela modernização seja válida, é importante assegurar que a operação do sistema judiciário permaneça imune a pressões externas, garantindo a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário.

Essa iniciativa, aparentemente inofensiva à primeira vista, levanta questões sobre a independência do poder judiciário e as possíveis implicações na relação entre o setor de mineração e os órgãos judiciários de Minas Gerais.

A execução do Projeto Virtualizar, sob o pretexto de modernização, poderia ter sido um gatilho para manter a influência da VALE e sua dependência sobre o sistema judiciário mineiro. A falta de clareza nas intenções por trás desse acordo suscita dúvidas sobre o compromisso do TJMG com a imparcialidade e a justiça, especialmente quando a VALE é uma das maiores empresas do setor de mineração e frequentemente envolvida em disputas judiciais de grande envergadura.

Um dos exemplos mais notáveis das possíveis consequências dessa cooperação é o Acordo de Reparação firmado entre o Estado de Minas Gerais e a VALE em fevereiro de 2021. O processo de negociação desse acordo ocorreu sem a participação das pessoas atingidas pelo Desastre-crime do rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão no município de Brumadinho/MG em janeiro de 2019, deixando centenas de pessoas atingidas à margem das decisões que impactam profundamente suas vidas e comunidades.

Além disso, o sigilo em torno do processo de execução do acordo e a falta de acesso a informações relevantes prejudicam a transparência e minam a confiança do público no sistema judiciário. Isso vai de encontro aos princípios democráticos e à Constituição brasileira, que preconiza a independência dos órgãos do judiciário.

A Constituição estabelece que o Poder Judiciário deve ser independente e imparcial, garantindo que todas as partes tenham igualdade de tratamento perante a lei. A aparente leniência do TJMG em relação à VALE e o sigilo que envolve o acordo de reparação lançam uma sombra sobre a integridade do sistema judicial.

No contexto atual, é vital que sejam estabelecidos mecanismos de prestação de contas e supervisão rigorosa desses acordos para garantir que os interesses públicos e a justiça sejam preservados. O equilíbrio entre a modernização do sistema judiciário e a preservação de sua integridade é uma questão que merece atenção constante, e o exemplo do TJMG e da VALE serve como um ponto de partida para essa discussão.

A independência do poder judiciário é uma pedra fundamental da democracia, e qualquer ameaça a esse princípio deve ser enfrentada com seriedade e determinação.