São frequentes declarações do tipo: “Eu não vejo raças, nem gêneros, só vejo humanos” ou “Somos todos iguais” e estas frases representam um repertório de pensamentos e ações conhecido como “privilégio branco”. Escolher não ver cores é também escolher não refletir sobre o racismo. Escolher não ver gêneros é também escolher não entrar em contato com as vivências de mulheres cis, homens e mulheres trans e pessoas não binárias.
Por Flavia Estevan e Djamila Andrade
É frequente que pessoas brancas (no caso racial) , homens (no caso do gênero) e pessoas ricas (no caso das classes) não se vejam como parte dos problemas vividos pelo grupos chamados minoritários, por isso declararam sua capacidade de sentir “o ser humano”, “o homem”, a “humanidade” e outras generalidades. Mas a vida de cada pessoa não é genérica, mas sim marcada por recortes de gênero, raça e classe, o tempo todo.
A sociedade ocidental está fundada sob a exploração de pessoas negras e indígenas, por pessoas brancas. Qualquer privilégio que uma pessoa branca tenha (casa própria, herança, estabilidade social, emocional ou financeira) terá vindo da desigualdade de um sistema de exploração sobre o qual o capitalismo se fundou. O colonialismo europeu (com a branquitude), através da violenta apropriação de recursos, territórios e pessoas, foi uma condição necessária constante para o crescimento das sociedades capitalistas que beneficiam principalmente as pessoas do Norte e as elites nacionais. Continuamos a arrastar até aos dias de hoje as relações coloniais assimétricas de poder e valores. Há um racismo estrutural na sociedade, que tenta invisibilizar a cor da pele/raça como se anos de história de opressão violenta não tivessem existido. Esse apagamento é parte da negação. Não (querer) ver essas explorações e que nós também nos constituímos através delas é negacionista e um privilégio dos que se beneficiam com isso.
Nós, pessoas brancas, não gostamos de saber e pensar nisso, preferimos acreditar que vivemos em uma sociedade desigual, mas que não temos nem culpa, nem responsabilidade sobre isso, preferimos pensar que são “problemas históricos” dos quais estamos alheios e muito menos pensar que eles nos beneficiam. E pensamos em mudar “o futuro” também genérico, sem perceber que é no presente, hoje, todos os dias, que precisamos dar sinais, mudar condutas, agir pela inclusão das chamadas de minorias de gênero e raça.
Uma pessoa morre a cada 4 segundos no mundo vítima da desigualdade, enquanto uma pessoa branca declama: “eu não vejo raças nem gêneros, só vejo humanos”.
E é verdade que nas experiências internas, místicas ou de meditação, podemos alcançar um estado de comunhão com o todo onde as diferenças desaparecem, mas isso deve ficar no campo das experiências internas ou deve nos impulsionar mais ainda a sermos ativas e ativos em ações contra discriminação, anti racista e anti sexista, em compreender as desigualdades estruturais históricas, e não poupar esforços para corrigir os déficits que nossa sociedade ainda descansa sobre. A luta pela justiça social também é a luta pelo não apagamento, pelo reconhecimento e pela reconciliação.
Esse não é um assunto para especialistas, ou um assunto ao qual podemos escolher ou não nos dedicar. Esse é um tema que fala das injustiças e discriminações que nossa sociedade insiste em perpetuar e se realmente vemos e sentimos “o humano” precisamos aprender com coração aberto sobre como nos beneficiamos dessas explorações e o que podemos fazer para mudar.