Mudança no sistema de cobrança de impostos está prestes a ser aprovada pelo parlamento brasileiro, mas, por enquanto, ênfase recai apenas sobre o consumo
Depois de três décadas de discussões, o Brasil está prestes a aprovar mudanças importantes em seu regime de tributação. A reforma tributária, ou pelo menos a primeira fase dela, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no início de julho e encaminhada para apreciação do Senado. Se aprovada também pelos senadores, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) irá simplificar e unificar os impostos sobre o consumo.
A principal mudança é a extinção de cinco tributos, três deles federais: PIS, Cofins e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Os outros dois são o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos estados, e o Imposto sobre Serviços (ISS), hoje arrecadado pelos municípios, extintos para dar lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
No lugar desses cinco tributos, será criado o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pelo IBS, a ser dividido entre estados e municípios, e pela CBS, destinada ao governo federal. Estimativas indicam que mais de 170 países já adotam o modelo do IVA, como Austrália, Canadá, membros da União Europeia e a Índia.
O IVA brasileiro será cobrado no local do consumo e não mais na origem do produto ou serviço, como ocorre atualmente com o ICMS. Um dos efeitos dessa mudança será o fim da guerra fiscal travada entre os estados, que costumavam conceder incentivos fiscais para atração de novos investimentos e, assim, arrecadar mais impostos. A fim de compensar eventuais perdas e financiar projetos de desenvolvimento nas regiões mais pobres, será criado o Fundo de Desenvolvimento Regional, com um aporte inicial de R$ 40 bilhões.
A emenda à Constituição promete corrigir algumas distorções do sistema tributário brasileiro. Além de criar o IVA, a proposta prevê a cobrança de uma sobretaxa sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O Imposto Seletivo incidirá sobre cigarros e bebidas alcoólicas, mas deixa de fora, por exemplo, os agrotóxicos que, por serem considerados insumos agrícolas, ainda se beneficiam com um redutor de 60% da alíquota.
Uma lei complementar também deverá regulamentar alíquota zero de CBS para a cesta básica, medicamentos para tratamento de doenças graves e serviços de educação de ensino superior. Os livros continuarão gozando de imunidade tributária, assim como pessoas físicas que desempenham atividades agropecuárias, pesqueiras, florestais e extrativistas (vegetais in natura) – essas terão alíquota zero de IBS e CBS. Há, ainda, a possibilidade de devolução de parte do IBS e da CBS pagos por pessoas físicas (cashback), como forma de contribuir para a redução das desigualdades de renda.
Reivindicações da sociedade
A reforma representa alguns avanços, porém ainda está longe de ser a reforma que o Brasil precisa, isto é, uma reforma que promova a justiça social e ambiental e a igualdade de direitos. A chamada Reforma Tributária 3S – Saudável, Solidária e Sustentável tem sido uma das reivindicações feitas por organizações da sociedade civil para que o país consiga reduzir suas imensas desigualdades sociais, promover a saúde da população e proteger o meio ambiente.
Dentre outras medidas, a Reforma Tributária 3S – Saudável, Solidária e Sustentável propõe desincentivar o consumo e a produção de produtos que causam males à saúde e ao meio ambiente e tornar os impostos sobre renda e patrimônio mais progressivos. Ao permitir, por exemplo, uma maior taxação das altas rendas e riquezas e a redução da carga tributária para os mais pobres, cria-se um sistema tributário mais justo.
Em entrevistas à imprensa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem admitido que espera encontrar resistências para aprovar a segunda fase da reforma tributária, inclusive por parte das mesmas pessoas que agora aplaudem as mudanças. É que, nessa segunda etapa, haveria a cobrança de impostos sobre a renda e o patrimônio, como a tributação sobre investimentos mantidos por brasileiros no exterior, nos chamados paraísos fiscais, e a taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos.
Como são pontos polêmicos, Haddad tem defendido, com cautela, uma discussão ampla com toda a sociedade e o estabelecimento de períodos de transição e adequação após o novo modelo ser implementado. Mas ainda não há previsão de quando a proposta para a segunda fase será enviada ao Congresso, pois nem as discussões internas no Ministério da Fazenda foram iniciadas. Outra incógnita é se o governo Lula terá força e apoio político para aprová-la.