A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reitera sua preocupação com o possível reconhecimento jurídico da tese conhecida como “marco temporal” pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil. A CIDH reafirma que a aplicação dessa tese contraria os padrões universais e interamericanos de direitos humanos, colocando em risco a própria existência dos povos indígenas e tribais no país.
A tese jurídica “marco temporal” afirma que os povos indígenas e tribais só teriam direito àquelas terras que estivessem ocupando na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. No contexto da possível apreciação dessa tese pelo STF, agendada para o dia 7 de junho, e seu nocivo efeito sobre todos os casos de demarcação de terras ancestrais já concluídos e futuros, a CIDH reafirma que sua aplicação contrariaria disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
O Estado deve considerar os inúmeros casos em que povos indígenas e tribais foram deslocados à força de seus territórios por ações privadas ou por iniciativas do próprio Estado, e que, portanto, muitas vezes não estavam ocupando as terras reclamadas em 1988. Da mesma forma, é preciso considerar muitos deslocamentos ocorridos após 1988, que levaram ao reassentamento de muitas comunidades indígenas e tribais em outros territórios, os quais, na perspectiva da tese, também não teriam seus direitos reconhecidos.
Devido à especial conexão que os povos indígenas e tribais possuem com seus territórios, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos tem prestado atenção especial ao direito à propriedade coletiva. Isso se deve à estreita relação entre o território ancestral e as diversas práticas e tradições que compõem as cosmovisões desses coletivos, sendo esse vínculo uma condição essencial para a existência dos povos indígenas e tribais, o que requer medidas especiais de proteção.
De acordo com o que foi relatado no Relatório sobre o Brasil em 2018, essa tese foi usada no caso da terra indígena Guyraroká, afetando a comunidade e anulando os processos de demarcação iniciados em 2004.
A Comissão insta o Brasil a tomar todas as medidas necessárias para fortalecer a proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais, em conformidade com as normas interamericanas sobre o assunto. Da mesma forma, urge o Estado a abster-se de avançar com projetos de lei e interpretações legais que possam gerar riscos para os povos indígenas e tribais, incluindo o Projeto de Lei 490/2007 e outros.