Acordo assinado em 2019 precisa ser ratificado por todos os países envolvidos; tratativas se arrastam desde 1992

O encontro entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no dia 12 de junho em Brasília, não significou apenas uma reaproximação diplomática. Um dos principais pontos da reunião foi um compromisso com a conclusão do acordo UE-Mercosul “o mais rápido possível”, de preferência ainda em 2023.

“Agora finalmente estamos próximos da linha de chegada. Acho que é o momento de cruzar essa linha. Eu e o presidente Lula nos comprometemos em concluir o acordo o quanto antes. No mais tardar, até o fim do ano”, disse a embaixadora alemã em declaração à imprensa, acrescentando que este não é apenas um acordo comercial, mas uma plataforma para diálogo e engajamento de longo prazo.

Lula destacou que a União Europeia (UE) é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás somente da China, concentrando aqui o grosso do investimento estrangeiro direto feito na América Latina, em setores como manufatura, infraestrutura digital e serviços. No entanto, o presidente brasileiro não deixou de criticar a ampliação das obrigações ambientais, com imposição de sanções em caso de descumprimento, como prevê um documento adicional ao acordo apresentado pelos europeus.

“A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções. Em paralelo, a União Europeia aprovou leis próprias com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do acordo. Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil”, declarou Lula. No início de junho, ao participar da inauguração de uma fábrica de ônibus elétricos em São Bernardo do Campo, São Paulo, Lula afirmou não estar disposto a abrir mão, por exemplo, das compras governamentais, que beneficiam especialmente as pequenas e médias empresas brasileiras.

A UE se relaciona com o restante do mundo por meio de acordos comerciais firmados bilateralmente com países ou multilateralmente com outros blocos. As tratativas para o fechamento de um acordo com o Mercosul se arrastam desde 1992, quando foi assinado um termo de cooperação com o Conselho das Comunidades Europeias, entidade precursora da União Europeia. Em 1999, as condições começaram a ser negociadas oficialmente.

Em 2019, depois de dois dias de reuniões em Bruxelas, na Bélgica, foi anunciado o fechamento do acordo, que ainda está sob análise dos quatro países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e dos 27 Estados membros da UE. Diplomatas que participam das negociações avaliaram, naquele momento, que a decisão havia sido mais política do que comercial.

O acordo, que é muito complexo, precisa ser bom para ambas as partes. Os membros do Mercosul defendem a redução de tarifas e de subsídios a produtores europeus e a ampliação de cotas para exportar produtos como carnes, frutas, grãos, açúcar e etanol. Os europeus, por sua vez, desejam explorar o setor de serviços, com foco em transportes, finanças e telecomunicações, mas, em relação ao Brasil, queixam-se da parte ambiental. Os padrões de sustentabilidade contidos no acordo, atualmente não vinculativos, podem se tornar obrigatórios caso o documento adicional seja aprovado. Eis um dos principais entraves para a ratificação do acordo.

Fundo Amazônia

Após a reunião com Lula, Ursula von der Leyen também anunciou a doação de 20 milhões de euros (cerca de R$ 100 milhões) da União Europeia para o Fundo Amazônia. Além desses recursos, a UE planeja investir mais de 400 milhões de euros em ações de combate ao desmatamento e ao uso inadequado da terra na Amazônia.

O Fundo Amazônia, criado em 2008, é o principal financiador das políticas para o meio ambiente na região, investindo em ações de combate ao desmatamento e de promoção da sustentabilidade, mas estava parado desde o início do governo Bolsonaro.

Em 2019, a extinção do Comitê Orientador do Fundo Amazônia e do Comitê Técnico do Fundo Amazônia, responsáveis pela gestão dos recursos, foi o que travou a utilização de aproximadamente R$ 3 bilhões em ações ambientais. Em 1º de janeiro de 2023, o presidente Lula reinstituiu os comitês por decreto, permitindo a retomada das atividades e o recebimento de novos aportes. Já em abril, o governo dos Estados Unidos anunciou a doação de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) para o fundo.


Saiba mais

  • O que é o Mercosul
    O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 1991 para adoção de políticas de integração econômica e aduaneira. É formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname são associados, enquanto que a Venezuela está suspensa desde 2016.
  • O que é a União Europeia
    É um bloco econômico que reúne 27 Estados do continente europeu, assumindo também a função de união política e monetária. Foi oficialmente criado em 1992, com a assinatura do Tratado de Maastricht. Possui uma moeda própria (o euro, adotado por 19 países).
  • O que é o acordo de livre comércio UE-Mercosul
    O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul abrange tanto temas de natureza regulatória quanto tarifários, em áreas como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual. Permitirá a eliminação ou redução de tarifas de importação de produtos, integrando mercados que somam 800 milhões de habitantes (cerca de 25% das riquezas mundiais) e com mais de US$ 100 bilhões de comércio bilateral de bens e serviços.

Cronologia do acordo UE-Mercosul

29/06/1992 – Brasil e Mercosul assinam termo de cooperação comercial com os países integrantes do Conselho das Comunidades Europeias, precursor da União Europeia. O documento, em que as partes afirmam que “estão decididas a fomentar, em especial, o desenvolvimento da cooperação em matéria de comércio, investimentos, finanças e tecnologia”, só viria a ser promulgado em 1995.

15/12/1995 – O acordo-quadro de cooperação inter-regional entre Mercosul e União Europeia é assinado em Madri.

Junho de 1999 – Durante a cúpula Mercosul-UE no Rio de Janeiro, é anunciado oficialmente o objetivo de iniciar as negociações do acordo em três pilares: comercial, político e cooperação.

2004 – Primeira oferta de acordo é considerada insatisfatória.

Maio de 2010 – Em Madri, são apresentadas ofertas de acesso aos mercados de serviços e compras governamentais e as negociações são retomadas.

2012 – Chega ao fim a segunda fase de negociações, sem troca de ofertas entre os blocos econômicos.

Maio de 2016 – Mercosul e União Europeia trocam ofertas de acesso aos mercados de bens, serviços e compras governamentais.

Dezembro de 2017 – Mercosul apresenta uma nova oferta. A UE responde em janeiro de 2018.

28/06/2019 – O acordo UE-Mercosul é assinado em Bruxelas, após dois dias de negociações. Para entrar em vigor, precisa ser ratificado por todos os países envolvidos.

Março de 2023 – Europeus apresentam, em Buenos Aires, Argentina, uma “side letter”, documento diplomático com exigências de compromisso ambiental para o Brasil, com previsão de sanções em caso de descumprimento.

12/06/2023 – Reunidos em Brasília, o presidente Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reafirmam compromisso de concluir o acordo ainda em 2023.