MÚSICA

Por Renan Simões

 

Mais uma vez somos conduzidos ao universo enigmático de Egberto Gismonti: Água e vinho (1972) é seu mais bem-sucedido álbum de canções. Participam do registro a cantora Dulce Nunes, os bateristas Robertinho Silva e João Palma, o baixista Novelli, o violoncelista Peter Dauelsberg, o clarinetista e saxofonista Paulo Moura, o violonista Peri e o regente Mário Tavares, além do octeto da Associação Brasileira de Violoncelos. Os arranjos são de Gismonti, e a direção musical de Lindolfo Gaya. 

Iniciamos a escuta com as espantosas e exóticas Ano zero (de Gismonti e Geraldo Carneiro) e Federico (Gismonti e João Carlos Padua); a primeira, com arrepiante segunda voz de Dulce e tema comovente; a segunda, com uma pegada rockeira em alguns momentos. A regravação de Janela de ouro (a traição das esmeraldas) (Gismonti e Carneiro) pode não ser tão inventiva quanto a versão do álbum Sonho 70, mas a descritiva Vila Rica 1720, também da dupla, apresenta um arranjo vivo e quase palpável, através do qual somos devidamente transportados aos ambientes e ações descritos. O samba mórbido e minimalista de Pr’um samba (Gismonti) segue por caminhos mais raramente percorridos pelo gênero aludido no título.

A faixa-título, outra parceria de Gismonti e Carneiro, é um verdadeiro patrimônio da música mundial; seu arranjo é doloroso, divino e indescritível. A quase sempre reticente Volante, também da dupla, desemboca em uma rítmica e misteriosa seção final. Ares mais calmos se fazem presentes no trio instrumental de Eterna (Gismonti), mas retomamos a uma certa intensidade psicológica com a questão existencial proposta pela abrasiva Tango (Gismonti e Carneiro), bem como no arranjo pirotécnico de Mulhé rendeira, que finaliza este ciclo com chave de ouro.

Egberto Gismonti, Água e Vinho, música única com sentimentos únicos! Ouça, desfrute, reflita, repasse: