No último dia 16 de março, o Ministro da Justiça, Flávio Dino foi à favela da Maré, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, para receber o “Boletim DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA NA MARÉ-2022”. O documento discute, a partir de dados coletados nas 16 favelas que constituem a Maré, questões relacionadas à segurança pública no território, sendo construído pela Redes de Desenvolvimento da Maré, instituição local fundada por moradores.

Por Edson Diniz

Essa deveria ser uma notícia positiva, pois não é comum um representante do Estado Brasileiro, ainda mais um ministro da justiça, estar em uma favela para tratar da segurança pública e dos direitos dos moradores. Pelo contrário, espaços como as favelas são negligenciados ou esquecidos pelo Estado, que assume uma postura ameaçadora e violenta – expressa nas operações policiais – quando se refere a esse tema nos espaços populares.

O que aconteceu foi que parte da classe política – e da imprensa – ligada à extrema-direita interpretou como “suspeita” a ida do ministro à Maré, sugerindo algum tipo de entendimento dele com grupos criminosos locais, pelo simples fato do Ministro colocar os pés na favela. Fica evidente que nessas suposições descabidas estão escondidas uma série de preconceitos, racismo e criminalização dos mais de 140 mil moradores da Maré, e por extensão, da população moradora das mais de mil favelas do estado do Rio de Janeiro.

Na verdade, as atenções deveriam estar voltadas para o tema principal da visita do Ministro Flávio Dino, ou seja, a situação de violência sofrida cotidianamente pelos moradores da favela. Porém, os detratores do ministro resolveram simplesmente ignorar os dados que falam sobre a situação da segurança pública na Maré. É só olharmos alguns desses dados para verificarmos a importância da visita do ministro. Isso porque, segundo o levantamento feito pela Redes da Maré, só no ano de 2022, ocorreram 27 operações policiais, sendo que das 27 mortes decorrentes de tais operações, em 24, as vítimas apresentavam sinais de execução sumária. Somando-se essas mortes às outras provocadas por confrontos entre grupos criminosos rivais, temos o trágico número de 39 pessoas mortas por armas de fogo em apenas um ano.

O Boletim segue apresentando outros danos à vida dos moradores, tais como: a paralisação das aulas nas escolas da região em pelo menos 15 dias e a suspensão do atendimento nos postos de saúde em outros 19 dias, em decorrência dos confrontos armados. Esses números traduzem a omissão do Estado para com a população favelada, mas também nos interpelam e dizem o quanto somos uma sociedade desigual, pois esse estado de coisas, naturalizado nos territórios populares, jamais seria possível nas regiões mais abastadas da cidade.

No entanto, aqueles que insistem em um discurso criminalizante sobre as favelas continuam vendo as mortes e todos os transtornos na vida dos moradores, em decorrência da violência armada, como “danos colaterais” aceitáveis decorrentes da chamada “guerra às drogas”, justificativa usada para a brutalidade da polícia. No entanto, é preciso desafiar tal discurso sobre os espaços favelados, pois a Favela não pode ser reduzida à ação de grupos criminosos. Seus moradores são cidadãos que trabalham, produzem novas formas de sociabilidade, criam cultura e constroem a cidade todos os dias, mesmo com todas as dificuldades materiais, financeiras, junto com a falta de apoio de Estado e Mercado.

Por fim, enquanto escrevemos este texto, o Ministro da Justiça foi submetido a uma sabatina na comissão de Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da câmara dos deputados justamente para explicar sua ida à Maré, ocasião na qual rebateu com veemência o discurso que procura criminalizar os moradores de favelas. Nenhum de seus detratores, no entanto, se importou com a situação dos moradores da Maré apontada no documento recebido pelo ministro, muito pelo contrário, alguns deputados sugeriram o aumento da repressão policial sobre as favelas. Esse é o vivo retrato da persistência do racismo e do ódio aos mais pobres, negros e favelados mantido pelas elites brasileiras.

Diante de tudo isso, a tarefa de quem defende uma sociedade onde as relações entre as pessoas e as instituições sejam mais justas, igualitárias e democráticas, é combater e desconstruir os discursos de ódio, o racismo, a criminalização da pobreza e dos territórios periféricos como as favelas. Só assim avançaremos como nação e como povo.


Boletim DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA NA MARÉ-2022