CULTURA
Por CWeA Comunicação
Com a abertura da exposição “M’Kumba”, que reúne fotografias de Gui Christ, no dia 14 de janeiro de 2023, às 10h, deixa o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN) o pesquisador, jornalista, curador e ativista social Marco Antonio Teobaldo, que esteve à frente da instituição desde 2010.
Desde então, o IPN se tornou referência em escravidão no Brasil, se consolidando em um importante pólo de resistência cultural, afirmação da negritude, da arte e da memória. Ao todo, sob sua curadoria, foram realizadas três exposições permanentes – no Museu Memorial Pretos Novos, criado em 2011 – 37 exposições na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, instituída em 2012, e uma exposição no Espaço Tia Lúcia, aberto em 2019 em homenagem à artista local, com o objetivo de ser um espaço exclusivo para exibição de arte bruta, design e artesanato.
Marco Antonio Teobaldo deixa a instituição a que é tão ligado para se dedicar ao mestrado em Museologia na UniRio, onde já está mergulhado em um tema que ainda não foi estudado: Museologia de Terreiro. Ele vai também colaborar mais intensivamente com o Museu de Imagens do Inconsciente, onde faz parte do Conselho Consultivo da Sociedade Amigos do Museu; continuar o seu trabalho no Comitê de Gestão Compartilhada da Coleção Nosso Sagrado, do Museu da República; partilhar suas experiências na Rede de Museologia Social, da qual faz parte e a representa na Comissão Consultiva do Sistema Estadual de Museus, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro; e seguir a curadoria do Museu Memorial Iyá Davina, onde vem desenvolvendo o seu trabalho desde 2018.
A curadora Evangelina Seiler comenta que Marco Antonio Teobaldo é “um pesquisador que sempre apoiou e investigou a produção artística contemporânea, principalmente no que se refere à arte de terreiro, indígena e das raízes africanas da nossa história. Seu trabalho como curador no Instituto Pretos Novos foi pioneiro, se iniciou muito antes deste segmento artístico ganhar a atenção que recentemente se vê nas instituições no Brasil e no mundo. Sua contribuição para a cultura ficou registrada como de excelência”.
Clara Gerchman, cofundadora e gestora do acervo do Instituto Tunga e fundadora e diretora do Instituto Rubens Gerchman, diz: “O que vale destacar entre as muitas conquistas e feitos, muitas primeiras vezes, ações inaugurais, é que Marco Antonio Teobaldo musealizou aquele espaço, conseguindo com sua equipe e com Mercedes Guimarães mostrar e formar a apropriação daquele local. É claro que qualquer instituto, sua missão e visão, pode mudar com o passar do tempo, se redimensionar, mas foi muito importante nessa primeira grande fase, durante mais de uma década, esse papel dessa consciência, de fincar essa bandeira territorial, de existência. Isso aqui existe. Vamos botar no mapa, na cidade, no entorno, no país, vamos dar uma noção de pertencimento, vamos estruturar. Outras fases virão, e o IPN irá amadurecer, mas essa primeira etapa de vida foi muito fecunda por sua existência, como um legado, um lugar de memória, de pensamento, de exposições. A questão de musealização passa por aí. Tenho muito orgulho de ter acompanhado essa belíssima trajetória”.
Sobre ele, conta Heloisa Buarque de Hollanda – escritora e diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Letras/UFRJ): “Desde 2010 sou testemunha do trabalho de Teobaldo para criar e transformar o IPN em uma referência nacional sobre a escravidão no Brasil. Em 2011, Teobaldo prosseguiu, criando o Museu Memorial Pretos Novos, com janelas arqueológicas e vestígios das escavações. Em 2012, criou a Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, tudo isso no período de três anos. A galeria atraiu novos artistas ligados às questões daquele histórico território preto e da escravidão e da diáspora africana enquanto constituintes da nossa sociedade e da persistência estrutural do racismo entre nós. A galeria apresentou uma programação diversificada e libertária, oferecendo aos artistas possibilidades de desenvolver trabalhos inéditos e desafiadores. Simultaneamente, era criado um fluxo de visitação entre os dois espaços expositivos, ou seja, o Museu Memorial Pretos Novos e a Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, atraindo e formando um público novo para a arte e para a memória do Brasil. Alguns artistas que se apresentaram no espaço da Galeria foram Rosana Paulino, Lidia Lisboa, No Martins, Heberth Sobral, Moisés Patrício, Tia Lúcia e Mel Duarte. Hoje, todos conhecidos no circuito de arte, talvez pelo gosto do novo e do emergente na cultura, que define o trabalho e o sonho de Teobaldo. Um amigo, um parceiro e um profissional competente e criador”.
Para Mario Chagas, diretor do Museu da República, Marco Antonio Teobaldo “fez uma diferença significativa à frente do IPN porque aportou um conhecimento especializado, técnico, e, para além de tudo, isso um saber sensível, delicado, dinâmico. Ele conseguiu ao longo do tempo fazer coisas notáveis. Colocou o IPN na pauta da cultura do Rio de Janeiro, realizou exposições, promoveu debates, inseriu o IPN no âmbito da rede da museologia social do Rio de Janeiro, o que não é pouca coisa, onde tem dado contribuições notáveis. E tudo isso associado ao fato de que ele é uma pessoa de axé. É também vinculado ao Ilê Omolu Oxum, e conseguiu fazer uma articulação para raros: o IPN, Museu Memorial Iyá Davina, do Ilê Omolu Oxum, e o Museu de Imagens do Inconsciente. Ele articulou essas áreas diversas com delicadeza, sabedoria, amorosidade, aspectos importantíssimos que caracterizam Teobaldo”.”
SOBRE O IPN
Em 08 de janeiro de 1996, há 27 anos, a família Guimarães dos Anjos, ao começar uma obra em sua casa, na Rua Pedro Ernesto, 32, Gamboa, descobriu o que seria identificado como o Cemitério dos Pretos Novos, e iniciou uma cruzada antirracista e contra o apagamento de uma história de mais de 160 anos.
Em 2005, esta luta culminou na fundação do Instituto Pretos Novos. Às vésperas de completar sua maioridade, em 13 de abril de 2023, o Instituto Pretos Novos procura fazer a “Academia para o Povo”, realizando, com entrada gratuita, oficinas com a temáticas afro-centradas, para discutir o racismo estrutural no Brasil e no mundo. Também gratuitamente, o IPN faz o Circuito Histórico de Herança Africana para escolas da rede pública de todo o estado do Rio de Janeiro, disponível também para outras cidades. Em 2023, capitaneados pela incansável Mercedes Guimarães, o IPN prossegue com essas atividades e prepara uma série de outras ações de valorização da cultura afro-brasileira.
SOBRE MARCO ANTONIO TEOBALDO
Marco Antonio Teobaldo nasceu em Curitiba, em 1968, e desde 1998 está radicado no Rio de Janeiro, onde desenvolve projetos curatoriais desde 2007, com especial atenção para segmentos artísticos pouco atendidos até então, como foi o caso da sua incursão em 2010 no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, localizado no bairro da Gamboa, na zona portuária do Rio de Janeiro, sobre a maior necrópole de africanos escravizados, em toda as Américas, que já se teve conhecimento. A instituição nunca teve um apoio financeiro governamental que garantisse o seu funcionamento durante todos estes anos, de forma sistemática, para que pudesse atender gratuitamente os seus visitantes.
Teobaldo tem sido peça fundamental para que a instituição se transformasse em uma referência nacional sobre a escravidão no Brasil, onde criou a primeira exposição permanente do Museu Memorial Pretos Novos, em 2011, e fomentou a visitação ao local, que ainda era pouco conhecido e numa área abandonada do centro da cidade.
No ano seguinte, criou a Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, com o objetivo de atrair artistas que pudessem exibir trabalhos que tivessem alguma conexão com a história do local, da Diáspora Africana e suas conseqüências para a sociedade brasileira. Instituiu uma programação diversificada e libertária, oferecendo aos artistas possibilidades de desenvolver trabalhos inéditos e desafiadores, criando um fluxo de visitação entre as duas instituições.
Em pouco tempo, percebeu que existia uma grande demanda de espaços que acolhessem obras de artistas pretas e pretos. Galerias, museus e centros culturais ainda se fechavam para estes artistas, refletindo o racismo estrutural que o Brasil amargura até os dias de hoje. A galeria é um dos espaços pioneiros na cidade que recebeu artistas periféricos, LGBTQIA+, de terceira idade, com deficiência, e acolheu muitas primeiras individuais, intervenções urbanas, instalações site specifics, performances e até mesmo o debochado festival ArtRia, que trazia obras de arte a preços populares, durante o período da maior feira de artes da cidade. Tudo isso, misturado à música brasileira, quitutes afro-brasileiros e muita animação durante as aberturas das exposições. O seu trabalho rendeu o Prêmio Ação Local, concedido pela Prefeitura do Rio, em 2016, e que possibilitou a produção de um catálogo da galeria.
A instituição viveu vários momentos dramáticos, e Marco Antonio Teobaldo esteve à frente de campanhas e atividades para mantê-la aberta, e por um bom período foi mantida graças aos recursos próprios da família Guimarães dos Anjos, proprietários do local. Mesmo em face às dificuldades, Teobaldo criou em 2019 a Galeria Tia Lúcia, em homenagem à artista local, com o objetivo de ser um espaço exclusivo para exibição de arte bruta, design e artesanato. Espaço inédito na cidade com esta proposta, a galeria foi celebrada por instituições como o Museu de Imagens do Inconsciente e Museu Bispo do Rosário.
Além das funções de curador e produtor das exposições, Teobaldo também se dedicou à comunicação da instituição, a que deu um formato mais dinâmico e atrativo, atendendo também a imprensa. Criou um fanzine, coordenou a criação da homepage e assinou muitos projetos gráficos. A sua atuação também abrangeu a parte de elaboração de projetos e captação de recursos, onde conseguiu que o IPN fosse selecionado para vários editais e emendas parlamentares.
LINHA DO TEMPO DE MARCO ANTONIO TEOBALDO À FRENTE DO IPN
2011 – primeira exposição no Museu Memorial Pretos Novos
2012 – primeira exposição na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea
“Nova Arqueologia”: André Malinski, Antonio Dias Leite, Arjan Martins, Coletivo Cachalote, Daniela Dacorso, Elétrico 88, Fuso Coletivo, Gabriela Maciel, Gláucia Mayer, Luciano Rocha, Marcelo Jácome, Marcos Dias Correia, Ozi, Thelma Innecco.
Suburbana: Alex Ferro, Daniela Dacorso, Davi Marcos, Dhani Borges, Doug Mayhew, Francisco Valdean e Frederico Mendes.
2013
Os Brutalistas: Geléia da Rocinha, Oswaldo Rocha, Tia Lúcia e Vera Roitman.
2 Complexos: Foto Clube do Alemão e Projeto Mão na Lata, da Maré.
Design de Rua: dezenas de artefatos de artistas desconhecidos, como forninhos de queijo coalho e estufa de amendoim torrado.
Santo Forte: Alex Ferro*
2014
Tabuleiros – Leila Pugnaloni
Papel de Seda – Eduardo Denne, Fábio Birita, Fabio Carvalho, Moisés Patrício, Mr. Klevra, Omino71 e Ozi.
ArtRia I – diversos artistas
Sincretismos – André Malinski
Assentamento(s) – Adão e Eva no Paraíso Brasileiro – Rosa Paulino
2015
Ocupação Galo – Galvani Galo
Rejunte – Fabio Carvalho
Casulo – Lidia Lisboa
ArtRia II – diversos artistas
Luz Negra – Davi Marcos*
Ateliê da Tia Lúcia – Tia Lúcia
2016
Ocupação Magrela – Mag Magrela*
Pensão Artística – Dani Soter, Daniela Dacorso, Fabio Carvalho e Heberth Sobral
Mãe Preta – Isabel Lofgren e Patricia Gouvêa
ArtRia III – Geléia Geral
Estandartes – Heberth Sobral
2017
AFÉTO – Róger Cipó*
2018
Eu sou o Rio – Tantão
Absurdo é ter medo – diversos artistas
Áwón Irun Imolé – Wuelyton Ferreiro
Herança e Futuro – Aparecida Silva, Charles Pereira, Felipe Paiva, Fernanda Dias, Jaqueline Vieira, Marcela Bonfim, Marina .S. Alves, Pedro Gomes, Stefano Figalo, Valda Nogueira, Vinícius Xavier
Um eterno viaje – Jorge Mayet
Moradas – Angela Câmara Correa
Cabeças – Antonio Sérgio Moreira
2019
Tu Mata Eu – Sérgio Adriano H.
Aos que se forma, aos que aqui estão e aos que virão – No Martins
Carvão e Café – Tom Valentim*
2020
Crônicas Incidentais – diversos (exposição virtual)
2021
Um dia de cada vez – Róger B.* (exposição virtual)
2022
Reinauguração do Museu Memorial Pretos Novos
Erva Santa – Geléia da Rocinha
Ourubu – Mulambö
2023
M’Kumba – Gui Christ
*Primeira individual do(a) artista convidado(a).
No dia 12 de janeiro de 2023, das 17h às 19h, a exposição “Ourubu”, do artista Mulambö, realizada no IPN em dezembro de 2022, será aberta na UERJ, na Galeria Gustavo Schnoor, com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, Flávia Carmagnanis, Ana Paula Alves Ribeiro. A exposição fica em cartaz até 13 de março.