Eles nos tomaram por ingênuos e nos venderam caro a história da democracia.
Esta semana vivenciamos mais uma vez as falhas de um sistema imposto por governos poderosos, aliados de corporações multinacionais, cujas cabeças se escondem nos meandros de um arcabouço aparentemente legal de aplicação forçada. Já vimos isso antes, durante a dura história de golpes patrocinados pela Casa Branca e seus serviços de inteligência, mas continuamos a sonhar que esses ataques tortuosos do passado são, desculpem a redundância, coisa do passado.
As imagens de Pedro Castillo e sua família saindo do palácio do governo lembram as de Jacobo Árbenz, na Guatemala. Nelas, corporifica-se o ódio às castas indígenas, cujo ancestral desprezo por qualquer tentativa de rebelião política com acento na busca de mudança, traduz-se imediatamente num plano de emergência para travar com um golpe certeiro as possibilidades de uma transformação social. econômico e político capaz de se aproximar dos anseios do povo.
Digamos que os dias de Pedro Castillo estivessem contados; era óbvio. Sua formação de professor não lhe deu acesso ao aprendizado dos truques usados por décadas pelos políticos da oligarquia e isso lhe deu prazo de validade. Some-se a isso a influência decisiva do Departamento de Estado para reverter – país a país – a virada continental à esquerda, o pacote estava pronto, amarrado e dedicado. No Chile, também começou a pressionar a máquina, concentrando seus tiros no texto constitucional e, sem dúvida, traçando estratégias para influenciar todo o quadro político do novo governo. A Bolívia já passou pela experiência e a Venezuela também, com suas contas embargadas. Agora eles precisam direcionar seus tiros para o Brasil.
O mais ilustrativo do cinismo com que os Estados Unidos se movem em nosso continente, tendo a OEA como lacaio, é seu discurso hipócrita em prol dos direitos humanos e da democracia, valores que reiteradamente viola sempre que convém a sua política e a seus aliados. O caso mais ilustrativo dessa dupla face se manifesta em suas relações com a Guatemala: um estado de drogas cujos líderes destruíram, peça por peça, todo o arcabouço institucional, destruindo seu sistema de justiça; mas quando o controle está nas mãos de uma oligarquia ignorante, obsoleta e de estilo colonialista – o que é útil para o sistema neoliberal – faz vista grossa.
Eles nos venderam a preeminência dos direitos humanos, da democracia e da autodeterminação como uma aspiração legítima, mas assim que agimos para conquistá-los, o soco nos vem para nos lembrar de nossa verdadeira realidade. Ou seja, o flagrante engano e a gorda pílula política que engolimos em longos períodos de nossa história. O que Castillo não tolerava no Peru, Zelenski era aplaudido na Ucrânia, mostrando que tudo depende da cor do protagonista.
Não podemos continuar a ignorar a sombra fatal do império com os seus aliados locais, capazes de usar o universo mediático para espalhar as suas mentiras e convencer-nos da história da liberdade democrática dos povos. Através de golpes de estado e bloqueios econômicos, a realidade nos ensina como os interesses de um punhado de nações poderosas dependem de nosso subdesenvolvimento e de nossa enorme capacidade de cair nas armadilhas do sistema, repetidamente.
A autodeterminação dos povos nada mais é do que um desejo insatisfeito.
Traduzido do espanhol por Marco Suárez