ARTES VISUAIS

Por CWeA Comunicação

Conhecida por sua pesquisa sobre a memória, apagamento urbano e deslocamento, a artista mineira radicada no Rio mostra mais 20 obras inéditas, produzidas após sua vivência no final de 2021, durante a seca do Rio São Francisco, nas cidades baianas de Sobradinho, Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado e Sento Sé, submersas nos anos 1970 pela barragem de Sobradinho. Além da sua aclamada pesquisa com “pele de tinta”, que resulta em pinturas que se assemelham a “pixels analógicos”, Jeane Terra criou esculturas de vidro soprado, acopladas em uma base feita a partir de fragmentos de escombros de cidades visitadas, algumas contendo água do Rio São Francisco. E as monotipias com que vem trabalhando desde o ano passado, sobre pele de tinta, agora estão também em esculturas de vidro e estruturas de pau-a-pique, feitas com galhos e cipós da Bahia e de Minas. Duas videoinstalações complementam a mostra.

 

“Adeus Remanso, Casa Nova, Sento Sé
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir
De baixo d’água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai subir
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
O povo vai-se embora com medo de se afogar”

(“Sobradinho”, de Sá e Guarabyra)

 

Centro Cultural dos Correios, Centro, Rio de Janeiro

Abertura: 6 de outubro de 2022, às 16h

Até: 19 de novembro de 2022

Curadoria: Patricia Toscano

Entrada gratuita

 

O Centro Cultural dos Correios vai inaugurar no dia 6 de outubro de 2022, às 16h, a exposição “Territórios, rupturas e suas memórias”, com um conjunto de mais de 20 obras inéditas da artista Jeane Terra, resultantes de sua vivência no final de 2021 nas cidades baianas de Sobradinho, Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado e Sento Sé, durante a seca do Rio São Francisco.  Essas cidades foram inundadas para a construção da barragem Sobradinho e da Usina Luiz Gonzaga, na década de 1970. “Como alertou na época a música de Sá e Guarabira, aquela região do sertão virou mar”, conta a artista. “Pelo menos 100 mil pessoas tiveram que deixar sua terra natal e se deslocaram para as novas demarcações urbanas, levando apenas seus pertences e em alguns casos partes das construções de suas casas”. Querendo dar continuidade ao seu trabalho sobre o Pontal de Atafona, no norte fluminense, que está sendo tragado pelo mar, e que resultou em uma exposição com curadoria de Agnaldo Faria, Jeane Terra buscou as cidades submersas de Sobradinho, que na época de seca ficam visíveis. As obras ocuparão duas grandes salas do prédio dos Correios, e dois ambientes para as videoinstalações.

Assim, igrejas, hospitais, casarios, barcos e uma grande caixa d’água foram exaustivamente registrados pela artista, e originaram pinturas em sua técnica singular, já patenteada, esculturas em vários materiais, e videoinstalações.  

 

Abraço – Escultura em Barro, argamassa, cimento, vidro e água do Rio São Francisco

 

CÁPSULAS DE MEMÓRIAS, VIDRO E MONOTIPIAS 

Neste trabalho atual, Jeane Terra aborda a desterritorialização. Ela colheu depoimentos dos habitantes, e desenvolveu obras em vários suportes, para transportar aquele ambiente para o espaço da exposição. 

Da vivência nas cidades da represa de Sobradinho, a artista criou em seu ateliê, no Rio, vários novos trabalhos, como as esculturas em vidro soprado manualmente, em um total de quinze. Várias delas compõem a série “Cápsulas de Memórias”, em que são aplicadas no vidro monotipias criadas a partir de fotografias feitas pela artista, em uma transferência da paisagem viva carregada de memórias submersas, com “imagens de um sertão que grita e clama por seu não esquecimento”, comenta.

Outra série derivada desta pesquisa são as esculturas em vidro soprado manualmente acomodadas sobre uma reprodução feita pela artista de escombros retirados das cidades de Remanso e Sento Sé. Algumas delas contêm água do Rio São Francisco, cuidadosamente trazida pela artista para o ateliê. 

PAU-A-PIQUE E MONOTIPIA 

Percorrendo a imensidão “daquele sertão lindo e castigado”, Jeane Terra deparou com uma paisagem deslumbrante e se sentiu fortemente afetada, em especial pelas casas construídas em pau-a-pique. Imediatamente se conectou à memória das construções que via no interior de Minas desde a sua infância. A memória afetiva atrelada a esta técnica construtiva antiga, muito utilizada no período colonial, principalmente nas zonas rurais, e a mais utilizada, principalmente por dispensar materiais industrializados e ser de baixo custo, impulsionou o desejo de transformá-la em suporte para seu trabalho. Recolheu então galhos e cipós da região visitada na Bahia, e foi buscar em Minas um mestre de pau-a-pique, que trançou várias estruturas para ela.  

Jeane Terra criou uma mistura de barro, argamassa e cimento, e aplicou sobre a estrutura de pau-a-pique coberta por uma fina tela de metal, criando assim um “chassis” para receber uma monotipia de paisagens das cidades geralmente submersas. O público poderá ver, frente e verso, essas estruturas na série de trabalhos “Paredes”, apenas com o pau-a-pique e a massa aplicada.

 

Relíquia Gaiola – Monotipia em vidro e água do Rio São Francisco

 

CORES DO SERTÃO, PELE DE TINTA, E “PIXELS ANALÓGICOS”

Em 2017, Jeane Terra desenvolveu uma técnica, hoje patenteada, que chama de “pele de tinta” ou “pintura seca”, um composto feito de pigmentos de tinta e aglutinante, e desde então essa pesquisa está em constante expansão. A mais conhecida série desses trabalhos é a batizada pelo historiador de arte Paulo Herkenhoff de “pixel analógico”. Quadriculando a tela como uma “receita” de bordado em ponto-cruz, técnica aprendida com sua avó, Jeane projeta a imagem de uma fotografia que fez, e demarca as cores que vai usar. Aí aplica minúsculos quadrados de 1cm da “pela de tinta”, obtendo 

um efeito surpreendente. As cores usadas são da “paleta do sertão”: tons terrosos, como ocre, adobe, vermelho, areia, barro, e as tonalidades de verde e azul, para a água e o céu. Serão várias as obras na exposição dessa série. 

Avançando neste processo, após meses de experimentações, Jeane Terra criou outro composto a que agregou pó de mármore, e produziu a pele de tinta em um formato maior, permitindo que o que era “elemento de superfície passasse a funcionar como tela, suporte para outras intervenções”. Tornando ainda mais complexo o trabalho, Jeane Terra descobriu uma forma de imprimir nesta tela de pele de tinta imagens colhidas em suas viagens.  Também estarão na exposição trabalhos desta pesquisa.

VIDEOINSTALAÇÕES

Uma impressionante caixa d’água em ruínas em Remanso, visível em sua totalidade na época de baixa do Rio São Francisco, será vista em duas videoinstalações. Uma delas, em um espaço fechado, terá projeções de imagens em três paredes, a partir de ângulos diferentes da edificação, que vão possibilitar ao público se sentir “dentro” da construção. A outra videoinstalação mostra a imagem da caixa d’água na paisagem. 

Por fim, a última obra da exposição é a pintura “Profundo” (2022), que retrata uma casa antes de sua demolição. “É seu último suspiro, o último que as pessoas tiveram daquele ambiente. É a despedida, o desterro urbano”, observa Jeane Terra.

IMPACTO DO DESLOCAMENTO

Ao ouvir os relatos emocionados dos habitantes da região, a artista quis abordar o impacto causado por esse deslocamento, as mudanças e transformações decorrentes, “relocalizações e outras metamorfoses decorrentes da inundação da área de Sobradinho”. “Há um universo simbólico, subjetivo, que não termina com a submersão, porque é uma identidade em movimento, e mantém, nos novos locais de moradia – sejam onde forem – a vinculação entre passado e presente. O afogamento dessas cidades afeta de modo singular cada morador e sua relação com a memória dessas cidades que foram arrancadas deles”, afirma.

Um dos entrevistados para a pesquisa da exposição foi o professor da UFBA Edcarlos Mendes, que relatou à aritsta: “Assumindo que o espaço é tempo acumulado, notamos também sua temporalidade. Desterritorializar implica romper a ligação temporal do homem com o chão, mas também impingir um novo ritmo de vida. Não é possível repetir as condições historicamente formadas com o território em um novo sitio. Como recompor as experiências? Como reconstruir a vinculação com o simbólico? Experiências como a religiosidade, tão arraigadas ao seu templo – espaço sagrado – não podem ser refeitas. O homem é o tempo que ele vive. O tempo está no espaço”.

SOBRE JEANE TERRA

Artista mineira (1975) radicada no Rio de Janeiro, Jeane Terra frequentou diversos cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, na Escola Guignard, em Belo Horizonte, entre outros cursos na área. Foi assistente da artista plástica Adriana Varejão por dez anos. Sua pesquisa está atrelada à memória e suas subjetividades, investigando fragmentos e nuances da transitoriedade das cidades, do apagamento urbano, do crescimento desenfreado das urbes e de sua ocupação. Muitas vezes autorreferente, seu trabalho gravita a usina ruidosa de onde vem a substância de sua memória. Trabalhando com diferentes suportes, se dedica especialmente à pintura, escultura, fotografia e videoarte. Com treze anos de trajetória, participou de mostras individuais e coletivas no Brasil e no exterior, das quais se destacam: “Escombros, Peles, Resíduos” (março a junho de 2021), Simone Cadinelli Arte Contemporânea, Rio de Janeiro; “Como habitar o presente? Ato 1 – É tudo nevoeiro codificado” (julho e agosto de 2020) e “Como habitar o presente? Ato 3 – Antecipar o futuro” (outubro de 2020 a 16 de janeiro de 2021), Simone Cadinelli Arte Contemporânea, Rio de Janeiro; “O ovo e a Galinha”, Galeria Simone Cadinelli, Rio de Janeiro, “Exposição 360”, Museu da República, no Rio de Janeiro, “Brasil Arte Contem- porânea”, Museu Ettore Fico, Turim, Itália, “Abre Alas ”, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro(2019); “Projeto Montra”, em Lisboa, em 2013; “Nova Escultura Brasileira – Herança e Diversidade”, na Caixa Cultural Rio de Janeiro, em 2011; e, Biwako Biennale, Japão, em 2010; individual “Um olhar Invisível”, no Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro, e a individual “Inventário”, na Cidade das Artes, Rio de Janeiro, em 2018.

 

Serviço: Exposição “Jeane Terra – Territórios, rupturas e suas memórias”

6 de outubro a 19 de novembro de 2022

Centro Cultural Correios Rio de Janeiro

Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro, Rio de Janeiro, CEP 20010-976

Horário: terça a sábado, das 12h às 19h
Entrada gratuita
Classificação: livre 

Informações (21) 2253-1580 

E-mail: centroculturalrj@correios.com.br
A unidade conta com acesso para pessoas cadeirantes e limita a quantidade de visitantes, para evitar aglomeração. No local, é recomendado o uso de máscaras.