Violência política aumenta durante governo Bolsonaro e atinge na maioria políticos do Sudeste, negros e de partidos de esquerda
Por Mauro Utida
Entre setembro de 2020 e outubro de 2022, o Brasil contabilizou 54 assassinatos, 109 atentados, 151 ameaças, 94 agressões e 104 ofensas, além de 6 casos de criminalização e 5 de invasão, motivados por violência política e eleitoral. Nos últimos dois anos, o estudo mapeou 523 casos de violência política envolvendo 482 vítimas entre representantes de cargos eletivos, candidatos/as ou pré-candidatos/as e agentes políticos no Brasil.
Nos dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições, agosto e setembro, foram registrados quase o mesmo número de episódios de violência política e eleitoral do que os sete primeiros meses de 2022. São números assustadores que estão reunidos na segunda edição do estudo ‘Violência política e eleitoral no Brasil’, produzido pelas organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, divulgado na última segunda-feira (10).
“Apenas no período eleitoral, até o primeiro turno, entre 1º de agosto e 2 de outubro de 2022, 121 casos de violência política foram registrados contra agentes políticos, praticamente, dois casos de violência política por dia”, informa o relatório.
O estudo deixa claro em denunciar que a violência política no Brasil cresceu significativamente após Jair Bolsonaro chegar na presidência da República. Entre o perfil das vítimas, a maioria dos políticos são do Sudeste, negros e dos partidos PT e PSOL de cargos legislativos municipais. (veja mais abaixo)
O assassinato do petista Marcelo Arruda por um agente penitenciário federal bolsonarista, em Foz do Iguaçu (PR) em julho deste ano, é um dos exemplos de maior repercussão deste clima de ódio estabelecido no país. Marcelo levou três tiros disparados pelo bolsonarista em sua festa de aniversário de 50 anos que tinha como temática o PT e o ex-presidente Lula.
Crescimento da violência
O estudo informa que até o ano de 2018, uma pessoa era vítima de violência política a cada 8 dias. Já em 2019, quando foi publicada a primeira edição do estudo, episódios de violência foram registrados a cada dois dias. Apenas em 2022, já há o registro de 247 casos – ou seja, um caso de violência política é registrada a cada 26 horas.
“O número de episódios neste ano já supera o total de 2020, quando houve eleições municipais e é mais de 400% maior do que o número de casos registrados em 2018, quando também ocorreram eleições presidenciais”, denuncia o relatório.
Para Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, é preciso refletir o quanto essa violência intimidou segmentos a retirarem suas candidaturas – pessoas, inclusive, cuja representação teria grande importância, como mulheres negras, pessoas trans e LGBTQIA+.
“Essa tática da violência pode ter um reflexo perverso na garantia da democracia. Esse clima de ódio e medo tem um impacto profundo em como as candidaturas realizam suas campanhas e dialogam com a população”, avalia Gisele.
Ataques à vida
O período analisado na segunda edição do estudo também aponta que a cada 5 dias ocorre um assassinato ou atentado à vida por violência política e eleitoral no Brasil. São Paulo (24), Rio de Janeiro (22) e Bahia (20) são os estados com maior número de assassinatos e atentados, seguidos por Pará (14), Pernambuco (08) e Paraíba (07).
Entre os partidos das vítimas, PT e PSOL representam mais de um quarto dos casos de violência política. “Se na primeira pesquisa vimos que a violência política atingia todos os partidos de diferentes espectros políticos, nesta segunda edição, percebemos uma concentração de ataques a partidos de centro-esquerda e parlamentares que atuam na defesa de direitos humanos, da população LGBTQIA+ e na pauta antirracista”, aponta Glaucia Marinho coordenadora da Justiça Global.
A pesquisa observou que as mulheres são os principais alvos dentro desses partidos, e que é mais frequente a recorrência de casos entre parlamentares da sigla.
Perfil das vítimas de violência política
Nesta segunda edição do levantamento, o perfil da maioria das vítimas continua sendo homens cisgênero que, além de serem a maioria em representação nos espaços de poder, são vítimas em 59% dos casos de violência política.
As mulheres, que representaram 15,80% das pessoas eleitas em 2020 e 16,11% em 2018, são vítimas de 36% dos casos de violência política registrados no último período. São elas também as maiores vítimas de ameaças e ofensas. Mulheres trans e travestis também foram alvo de 5% dos episódios de violência.
Apesar de serem minoria entre os eleitos, as pessoas negras são vítimas de 48% dos episódios de violência política onde foi possível identificar cor e raça. Brancos representam 50%, enquanto amarelos e indígenas são 2%.
Com 175 registros, vereadores e vereadoras candidatos/as, eleitos/as e em exercício continuam sendo as principais vítimas dessa violência, seguidos por deputados/as federais e estaduais com 135 casos e prefeitos e vice-prefeitos com 53 casos.
A série histórica do trabalho da Organização, iniciada em 2016 com dados até 31 de julho de 2022, registra 850 episódios desse tipo de violência. A segunda edição da pesquisa analisou episódios de violência política publicados em portais, redes sociais e veículos de comunicação.
O levantamento de casos desde 2016 considera apenas episódios de violência contra agentes político-institucionais, sem contabilizar os casos em que os alvos não eram candidatos, pré-candidatos, pessoas que ocupam cargos eletivos ou políticos, assessores parlamentares e dirigentes partidários.
Baixada Fluminense
Outro levantamento que chama atenção para o aumento da violência política no país foi o realizado por pesquisadores do Observatório de Favelas, que revelou que a cada 45 dias um agente político é assassinado na Baixada Fluminense e Baía da Ilha Grande. A Pesquisa foi lançada no último dia 27 de setembro.
O pesquisador de direito à vida e segurança pública do Observatório de Favelas, Leandro Marinho, alerta para uma região dominada por uma elite de homens brancos e com forte influência das milícias. Segundo Marinho, todos que ameaçam a modus operandi destes agentes acabam virando vítimas de ameaças e desta violência ostensiva. Neste estudo, as vítimas contabilizadas também são militantes, ativistas e cabos eleitorais.
“Existe uma ausência de proteção de candidatos e apoiadores por partidos e agentes políticos que acaba se tornando inviável a participação eleitoral de pessoas que não fazem parte da elite econômica e política que domina esta região”, informa.