Não importa quem assuma a cadeira de Presidente no dia 1º de janeiro de 2023. Mais uma vez a burguesia brasileira terá vencido as eleições. Não me refiro apenas aos resultados que conseguiu em termos de composição do Congresso Nacional, ou mesmo às performances da direita (e da extrema-direita) em relação aos estados da federação. Me refiro ao fato de que, seja Lula, seja Bolsonaro, mais uma vez o Brasil terá um governo central que atenderá aos interesses do capital, em detrimento da maioria da população trabalhadora.
Embora a maioria das pesquisas tenha apontado uma vitória do candidato petista já no 1º turno das eleiões, os resultados mostraram que não. Com uma diferença de pouco mais de 6 milhões de votos, Lula ainda precisará “suar muito a camisa” para tentar uma vitória contra a extrema-direita bolsonarista. No entanto, apesar do referido resultado, houve vencedor nesse primeiro embate e, certamente, no segundo: a burguesia brasileira. E tudo isso porque, cada vez mais à direita, os partidos ditos progressistas como o PT têm convencido cada vez menos à população trabalhadora de que merecem seu voto.
A aliança Lula-Alckmin revelou, mais uma vez, que o PT não representa os interesse da classe trabalhhadora – de fato, provou isso já em 2002 quando apresentou José Alencar como o seu vice, um dos maiores empresários nacionais e, portanto, representante dos interesses do capital. Os governos petistas – tantos os de Lula como os de Dilma Rousseff – estiveram não pouco, mas muitíssimo alinhados com os princípios neoliberais.
“Governo democrático e popular”
Por exemplo, já no primeira mandado petista, o então ministro do Trabalho, Jacques Wagner, que posteriormente foi eleito governador da Bahia (2007/2014), retirou a multa recisória de 40% sobre as demissões (colocada na Constituição de 1988 como uma contrapartida à liberdade de demissão instituída no Brasil pela ditadura civil-militar), demonstrando estar atento às reivindicações do capital, realizando sua primeira reforma trabalhista.
Mas o neoliberalismo petista não ficou apenas por aí. O presidente Lula, que tanto falava em protejer os pobres, foi o primeiro a colocá-los para “alimentar os leões” quando, por exemplo, instituiu programas de microcrédito com descontos diretamente nos salários dos trabalhadores e trabalhadoras. Ele se vangloriava da redução de juros desses emprésatimos, mas, de fato, ganharam os banqueiros que tiveram a garantia do pagamento desses empréstimos, fosse diretamente através do desconto em folha de pagamento, ou mesmo (pasmem) através da indenização caso quem tomasse o empréstimo fosse demitido(a).
O Governo Lula, conhecido também como “governo democrático e popular”, em 2003 seguiu direitinho as indicações do FMI e do Banco Mundial quando mexeu na Previdência Social. Nem bem foi eleito em 2002, no ano seguinte mostrou para o que veio, contrariando as expectativas sobre a possibilidade de reverter as mudanças dos direitos previdenciários implementadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
A reforma da Previdência, aprovada a partir da Proposta de Emenda à Constituição 400/2003 (PEC 40/2003), reduziu em 30% o pagamento de pensões por morte. No caso de morte do servidor público, a pensão paga não poderia ultrapassar o valor máximo de 70% dos proventos que recebia. Entre outras questões, essa PEC estabeleceu, também, que o Poder Executivo (em nível federal, estadual e municipal) poderia instituir e definir o formato de seu sistema previdenciário. Foi o que ocorreu no Estado da Bahia, por exemplo, onde o governo petista aumentou a contribuição previdênciária do serviço público, que hoje está em 14%.
Privatizações e endividamento de jovens pobres
Foi Lula que também instituiu o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), um crédito educativo que endividou jovens pobres que, no afã de obter uma formação universitária, cairam nessa “armadilha” neoliberal que só serviu para transformar pequenas (e muitas vezes medíocres) faculdades em grandes empreendimentos educativos, graças ao dinheiro público, que garantia o pagamento das mensalidades a essas instituições.
Ademais, o presidente petista foi o grande impulsionador da penetração de instituições educativas privadas internacionais em território brasileiro, as quais hoje dominam o mercado. Entre os anos 2010 e 2015 (entram aí os dois govoernantes – Lula e Dilma) as instituições de educação listadas na bolsa de valores “fizeram a festa”. De acordo com uma reportagem da revista Exame, em 2015 as empresas privadas de educação lucraram 35 bilhões de reais, cinco vezes mais do que já lucravam em 2010. O destaque ficou para o grupo Kroton, que se tornou a maior empresa do setor. Nesse período, ainda conforme Exame, o governo federal desembolsou mais de 30 bilhões para pagar as mensalidades de 1,5 milhão de estudantes “dinheiro que foi inteirinho para o caixa das faculdades”.
Há mais comprovações do giro à direita dado pelo PT desde que assumiu o poder no Brasil, como a “farra” que o setor automotivo fez com o dinheiro público, por conta das isenções fiscais e outros benefícios; e nem falar do fato de Lula haver ignorado, completamete, a necessidade de realização de uma regulação democrática no setor de comunicação, além de ter promovido uma verdadeira “festa das privatizações” de setores estratégicos, como portos e aeroportos, rodovias…
Foi esse formato de governança que, de forma indireta, tirou Bolsonaro das profundezas do “esgoto” e o colocou na Presidência da República. Porque Lula (e o PT, por tabela) em vez de criar medidas para diminuir ou acabar com a pobreza, preferiu, apenas, “colocar o pobre no Orçamento” sem combater, com medidas estruturais, as situações extremas de desigualdades.
Embora os discursos de ódio, a truculência e a violência explícita sejam peculiares a Bolsonaro, foram os governos petistas que duplicaram a população carcerária brasileira. Conforme o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (UES), entre 2001 a 2010 o Brasil registrou um aumento de 112% no número de detentos, passando de 233 mil para 496 mil, respectivamente. Lembremos que Lula assumiu o seu primeiro mandato em 1º de janeiro de 2003, havendo sido reeleito, tendo terminado seu segundo mandato em 31 de dezembro de 2010. Conforme dados do Ministério da Justiça, em 2010 a população carcerária brasileira era de 496,3 mil pessoas. Em 2016, quando foi finalizado o mandato de Dilma Rousseff, através do Impeachment, esse número estava em 726,7 mil. É bom lembrarmos, também, que, majoritariamente, a população carcerária do Brasil está formada por homens negros e mulheres negras.
Alckmin é Temer de 2016
Mesmo Lula e Dilma não proferindo discursos homfóbicos, transfóbicos, misôgenos ou racistas, seus governos não geraram políticas públicas consistentes para integrar esses grupos socialmente, de forma digna. Alguns citarão a introdução de cotas raciais nas universidades, mas é preciso ressaltar que o maior desafio dos/das jovens negros e negras, assim como indígenas não é entrar nas universidades, mas permanecer nelas e concluir seus cursos. Como docente universitária vejo cotidianamente o abandono de estudantes cotistas, por falta de condições de permanência (mais uma frustração para essas populações historicamente excluídas).
Diante do exposto, reitero: seja com Lula ou com Bolsonaro, ganha a burguesia mais uma vez. E para aquelas e aqueles que pensam que o Brasil será diferente com a vitória do candidato petista, basta responder à seguinte pergunta: Você acha mesmo que se Lula apresentasse qualquer indício de que trabalharia para dimunuir as desigualdades neste país, os banqueiros e Federação das Indśutrias, por exemplo, o apoiariam?
Além disso, não devemos esquecer outro fator importante. Imaginemos que Lula vença no 2º turmo e assuma a Presidência do país e, buscando mudar um pouco a sua imagem diante da fração crítica da sociedade, resolva colocar em prática algumas medidas que contrariem os interesses do capital. Se isso acontecer, Alckmin estará à sua sombra, fazendo-o lembrar de Michel Temer (aliado de Lula e do PT) e o ano de 2016. Aliás, não tenho a menor dúvida de que a burguesia brasileira pensou exatamente nisso ao apoiar Lula condicionando esse apoio à presença de Alckmin na chapa. O mesmo Alckmin, que, como Temer, tentou ser presidente, mas nunca conseguiu ser eleito.