Por Ana Catharina Oliveira*

Desde do ano de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a higiene menstrual como um direito humano. Com poucas políticas públicas voltadas para essa pauta, algumas instituições não governamentais têm feito um trabalho de forma efetiva e com muito zelo pela erradicação da pobreza menstrual no Brasil. E uma dessas organizações é o Projeto Luna.

Quando falamos sobre pobreza menstrual, estamos nos referindo a mais do que um tabu acerca da menstruação; estamos falando principalmente sobre condições ligadas ao poder econômico, que refletem na questão de ordem financeira e de saúde pública. Adolescentes, mulheres e homens trans que se encontram em condições sociais precárias passam por situações desumanas por não terem acesso a itens básicos de higiene, como por exemplo o absorvente, a água potável, o papel higiênico, entre outros itens de limpeza e cuidado pessoal.

Criado em agosto de 2020 no meio da pandemia da COVID-19, em São Paulo capital, por Victoria Dezembro, o Projeto Luna visa contribuir para a redução do índice de pobreza menstrual no Brasil. Surgiu quando Victoria leu uma matéria que narra a situação das mulheres no sistema carcerário brasileiro. De acordo com ela, “o artigo expunha como o poder público não disponibiliza os absorventes a essas mulheres, obrigando-as a improvisarem com meias velhas, sacolas plásticas, folhas de jornal e até miolo de pão. A ONG tem como objetivo combater a pobreza menstrual através da conscientização, educação e acesso à itens de higiene menstrual.”

No Brasil, segundo dados do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef, 2021), estima-se que 713 mil meninas brasileiras vivem sem banheiro ou chuveiro em suas casas. O mesmo relatório informa que 88,4% não têm um banheiro compartilhado na propriedade/terreno em que vivem. Sobre os serviços de saneamento, os dados evidenciam que 900 mil jovens não têm acesso à rede de água, enquanto que para 6,5 milhões não há ligação entre suas habitações a uma rede de esgoto.

A condição nas escolas e o fator racial

Quando se aborda sobre questões sociais e direitos é essencial uma leitura aprofundada e coerente, que inclui analisar o contexto social, a situação econômica, a identidade de gênero e de raça, entre outros. Nesse sentido, a pobreza menstrual reflete no acesso escolar de pessoas que menstruam, muitas das quais deixam de frequentar o ambiente escolar por não terem condições adequadas de asseio em suas casas e também nas escolas.

Fotografia Francesca Galeria. @francesca.galleria

A pobreza menstrual atinge, majoritariamente, meninas e mulheres negras. Além de faltar condições físicas e financeiras, não há uma discussão embasada e acolhimento para essas pessoas, fazendo com que a problemática em questão fique ainda mais invisibilizada. Segundo o relatório Livre para Menstruar, elaborado pelo movimento Girl Up, cujo objetivo é o acesso gratuito em relação aos itens de higiene e condições básicas de saneamento para mulheres, a primeira menstruação ocorre ainda na fase escolar, em torno dos 13 anos, e, nesse contexto, 213 mil dessas meninas não têm banheiro em condição de uso em suas escolas.

Com relação ao número supracitado, 65% são meninas negras que estudam em escolas públicas. Conforme o mesmo relatório, ainda que consideradas as escolas que tenham instalações sanitárias, 8% das meninas relatam não ter papel higiênico nos banheiros, 4% se queixam da ausência de pia ou o não funcionamento desta, além do fato de que de acordo com 37% desse conjunto, não há sabonete disponível para a limpeza pessoal nesses estabelecimentos.

Leis em relação à pobreza menstrual no Brasil

Em 2019 foi criado o Projeto de Lei 4.968/2019, que propunha a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda da rede pública de ensino e para pessoas em situação de vulnerabilidade. O referido Projeto de Lei, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), previa a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Apesar de aprovado no Senado em setembro de 2021, foi vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Além da lei citada acima, outros projetos já foram aprovados em outros estados ou estão em tramitação, por força da atuação de grupos políticos e coletivos formados por mulheres e pessoas que menstruam, e que lutam pela erradicação da pobreza menstrual. Conforme o movimento Girl Up, “Juntas, elas se desdobram atrás de contatos de parlamentares, pesquisam incansavelmente, elaboram documentos, vão a reuniões com os gabinetes. Elas sabem que a higiene menstrual é um direito básico. E elas sabem que podem.”

Foto Projeto Luna. @projetolunaoficial

Projeto Luna e a redução da pobreza menstrual

Como o Projeto não é de caráter privado e também não tem ajuda governamental, conta com a colaboração do público que o acompanha através de redes sociais ou presencialmente. De acordo com informações da própria ONG, “A maior parte das pessoas que doam para o Projeto Luna chegam através do nosso Instagram, onde publicamos conteúdo educativo, quebramos tabus acerca da menstruação e também detalhamos as nossas ações de distribuição de kits de saúde menstrual para pessoas em situação de vulnerabilidade.”

Ainda conforme a ONG, o maior desafio para vencer a pobreza menstrual é o desconhecimento em relação ao assunto. Em uma sociedade machista e patriarcal como a nossa, menstruação é um assunto para ser escondido/silenciado. Partindo desse discurso, ONGs como o Projeto Luna atuam na conscientização.

O grupo conta que, “No Brasil, em geral há diversas ações bem sucedidas no terceiro setor em áreas como educação e saúde, mas a pobreza menstrual ainda é um tema desconhecido e, por muitas vezes, um tabu. Expor para setores mais privilegiados da sociedade as situações desumanas a que são submetidas as pessoas que menstruam e não têm acesso a saneamento e absorventes é o nosso principal desafio.”.

O Projeto Luna vem crescendo. Já foram distribuídos cerca de 1.830 absorventes até o mês de agosto de 2022. A ONG tem uma parceria com a USP São Francisco kits e, juntos, já realizaram uma ação de distribuição de kits de saúde menstrual na Penitenciária Feminina da Capital.

Esses resultados motivam a equipe a continuar pela causa, que deve ser de interesse público, pois afeta a vida de mulheres, meninas e homens trans que menstruam e precisam dessa dignidade para poder desenvolver suas vidas. Por isso, é necessário “Ampliar a conscientização, mobilizar diferentes setores da sociedade sobre o tema, conjugada a ações efetivas de distribuição dos kits tem sido nossas maiores conquistas até o momento.”

Foto Projeto Luna


*Estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).