Para responder a esta pergunta, deve-se entender que qualquer crítica à Constituição de 1980 é absolutamente válida e que ela precisa ser substituída. No entanto, o que não se comenta é que, originalmente, contemplava um quorum de 3/5 (60%) para reformá-la e que a Concertação dos chamados “Partidos pela Democracia” deu à ditadura – que não estava em condições de impor nada – o famoso quorum de 2/3 (67%) que durante 30 anos usaram como desculpa para manter o status quo, algo que Felipe Portales denunciou em vários artigos, por exemplo, “Reformas constitucionais: o presente da maioria parlamentar em 1989”. Consequentemente, técnica e historicamente, a Constituição de 1980, com seu quorum de 2/3, não é a “Constituição de Pinochet” como geralmente se diz, mas a Constituição da conspiração entre os dois direitistas e a ditadura – os dois direitistas denunciados por Sergio Aguiló em seu “Chile entre dos derechas” (Chile entre dois direitistas) (2002).
Por Germán F. Westphal*
Além do exposto acima, há algo que os cidadãos em geral não sabem e aqueles que sabem, ficam em silêncio: a única “Constituição” que conta em um país é a correlação dos fatores reais e efetivos de poder que o governam. PONTO. Isso é tudo o que existe. Veja a palestra de Fernando Lasalle “O que é uma Constituição” (1856).
Enquanto a correlação de fatores reais e efetivos de poder for mantida na sociedade, nenhuma mudança é possível e a Constituição escrita não passa de um mero pedaço de papel se não for consistente com a mesma. Na verdade, a título de exemplo, a ditadura nunca precisou de uma Constituição durante sete anos para fazer o que quisesse em matéria econômica, pois concentrava todo o poder real e efetivo por trás das armas. Em 1980, a Constituição conhecida para aquele ano foi dada para se cobrir com um manto de pseudo-legitimidade legal e em 1989 foi reformada elevando o quorum de 3/5 para 2/3, como explicado acima, com um plebiscito de truncatura no meio.
Se a Constituição de 1980 em sua versão revisada de 2005 foi mantida, não é apenas por causa do quorum de 2/3 que impede sua reforma no que é substancial, mas porque a direita que co-governou o país desde 1990 são representantes dos fatores reais e efetivos de poder que governam o Chile, entre eles o atual modelo econômico e seus correspondentes interesses empresariais chilenos e estrangeiros. Não foi por nada que a classe política dominante concordou que a Convenção Constitucional não poderia tocar nos Tratados Internacionais em vigor, entre eles os chamados “Tratados de Livre Comércio”, as pedras angulares do modelo econômico neoliberal vigente no país.
Nestas circunstâncias, como a nova Constituição proposta, emanada da Convenção Constitucional, não se ajusta exatamente aos interesses dos poderes reais e efetivos que governam no país, ambas as partes de direita se apressaram em impor mudanças, seja do ponto de vista da Aprovação ou da Rejeição. O governo também aderiu com possíveis propostas de reforma que tornaria públicas antes do plebiscito de saída, numa clara tentativa de atrair votos para aprovação – uma proposta que carece de qualquer credibilidade, já que o governo sabe perfeitamente que não tem maioria parlamentar para reformar nada. De fato, qualquer reforma dependerá das duas coalizões políticas que co-governaram o país por 30 anos e a chave para qualquer reforma é mantida pela dura direita com 50% das cadeiras no Senado. Se seus 25 senadores se opõem, não haverá reforma que não seja do seu agrado.
Em resumo, para responder ao título destes comentários, em 4 de setembro os cidadãos votarão se aprovarão ou rejeitarão o rascunho do que talvez, talvez, na melhor das hipóteses, possa se tornar a nova Constituição Política da República do Chile.
* Acadêmico chileno residente nos EUA
Traduzido por Hélio Parente / Revisado por Tatiana Elizabeth