Dez pessoas foram massacradas no sábado 14/05 em um supermercado localizado no coração da comunidade negra na cidade de Buffalo. O atirador era um autodeclarado supremacista branco de 18 anos que estava armado com um rifle semiautomático Bushmaster estilo AR-15, adquirido legalmente. Seu objetivo, de acordo com um manifesto incoerente de 180 páginas e cheio de ódio que ele postou na internet, era «matar o maior número possível de negros». Das treze vítimas – incluindo três que ficaram feridas –, onze eram afro-americanas. O assassino transmitiu o massacre ao vivo pela plataforma de streaming de vídeos Twitch. Embora esse site, de propriedade da Amazon, tenha removido o terrível vídeo depois de poucos minutos, ele foi imediatamente postado em outros sites e acessado por milhões de pessoas em outras plataformas da Internet.
Para confrontar a violência racista, é preciso entender a verdadeira história dos Estados Unidos. No entanto, com a intenção de suprimir o ensino do racismo sistêmico profundamente enraizado na sociedade, uma minoria barulhenta do país pretende proibir livros, ao invés de proibir armas.
O atirador de Buffalo adere a uma teoria da conspiração conhecida como «a grande substituição». Essa teoria postula, de forma equívoca, que a tradicionalmente majoritária população branca estadunidense está sendo substituída por pessoas não brancas, imigrantes, judeus e muçulmanos, com a ajuda e a cumplicidade de uma elite globalista de esquerda. De acordo com a teoria racista de substituição, essa nova população vota de acordo com os ditames de seus supostos patrocinadores do Partido Democrata.
O assassino, que foi detido e posteriormente acusado de terrorismo, verteu toda a sua animosidade contra esses chamados «substitutos», particularmente contra os afro-americanos. O caótico manifesto escrito pelo jovem agressor — que está inspirado, em grande parte, em um texto semelhante publicado pelo assassino racista que perpetrou os massacres nas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019 — revela um profundo desconhecimento acerca da história da raça e de racismo nos Estados Unidos.
Falando ao Democracy Now!, Ibram X. Kendi, fundador e diretor do Centro de Pesquisa Antirracista da Universidade de Boston, alertou: «Esta crise de terrorismo doméstico perpetrado por supremacistas brancos provavelmente ficará ainda pior. Vários estudos têm demonstrado que a educação e os livros antirracistas funcionam como um mecanismo de defesa, especialmente para jovens brancos que são expostos às teorias da supremacia branca. Aprender a história da supremacia branca ajuda esses jovens a reconhecê-la melhor».
Vários dos livros de Kendi foram banidos ou removidos dos currículos e das bibliotecas escolares, incluindo o trabalho vencedor do National Book Award dos Estados Unidos «Estigmatizados ao nascer: a história definitiva das ideias racistas nos Estados Unidos». Durante as audiências de confirmação da juíza afro-americana Ketanji Brown Jackson à Suprema Corte, o senador pelo estado do Texas Ted Cruz questionou – entre vários outros livros – o livro infantil de Kendi intitulado «Bebê Antirracista», e essa crítica acabou levando-o para a lista de mais vendidos.
O professor Kendi continuou: «A educação antirracista, antes de tudo, ensina a meninos e meninas a história da ideologia supremacista branca, o papel que a ideologia desempenhou na escravidão racial, no colonialismo de colonos brancos, nas [leis segregacionistas da época de ] Jim Crow. […] Ensina-lhes a nossa realidade racial, para que vejam que, embora pareçamos diferentes, embora possamos falar de maneira diferente, somos todos iguais, mas que a causa das desigualdades é, na verdade, o racismo».
O terrorista doméstico neste caso teria escolhido a cidade de Buffalo para o massacre depois de procurar códigos de endereços postais perto de sua cidade natal, Conklin, estado de Nova York, que é em grande parte branca. O agressor viajou por várias horas até o bairro Kingsley, de Buffalo, e logo até o local escolhido para realizar o massacre: o supermercado Tops Friendly Market na Jefferson Avenue. Por que ele escolheu esse supermercado? India Walton, ex-candidata à prefeitura de Buffalo e estrategista-chefe da organização progressista RootsAction, explicou ao Democracy Now!:
«Cerca de 80% dos moradores da zona leste de Buffalo são pessoas não brancas, pessoas negras especificamente, e elas têm apenas uma loja disponível para comprar comida. […] Chamamos essa situação de «apartheid alimentar», porque é uma decisão política. O fato de não haver comida nessa área de Buffalo e de esses serviços básicos não estarem disponíveis, é uma escolha política. Há pessoas que, deliberadamente, optaram por não prestar tais serviços nessa comunidade. Há muito nos dizem que temos sorte de ter este supermercado Tops [Friendly Market] na [Avenida] Jefferson, porque ninguém mais quer se mudar para o bairro».
O assassino em massa de Buffalo também considerou alvos adicionais, incluindo uma escola e uma igreja. De acordo com os chats online atribuídos a ele, o agressor temia que a escola tivesse muitas medidas de segurança. Felizmente, ele foi detido no supermercado.
Em sua entrevista ao Democracy Now!, Ibram X. Kendi acrescentou: «Os supremacistas brancos argumentam que as pessoas não brancas são a fonte da dor da população branca. Muitos desses jovens supremacistas brancos do sexo masculino estão sendo doutrinados com essas teorias e acabam realizando tiroteios em massa. Se não fizermos algo a respeito, a situação vai ficar cada vez pior».
Limitar o acesso a armas de fogo, expandir o caminho à educação quanto ao papel do racismo em nossa sociedade e aprender – como sugere o título do livro de Ibram Kendi – «Como ser um antirracista» são passos fundamentais para cessar o horror do ódio e curar as feridas arraigadas há tanto tempo.
Traduzido do espanhol por Débora Olímpio / Revisado por Graça Pinheiro