O mundo dos negócios e da Internet não fala de outra coisa nas últimas semanas: a compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk por 44 bilhões de dólares. A plataforma, que já foi uma das maiores redes sociais do planeta, agora é controlada pelo magnata da tecnologia. Porém, como sempre, façamos uma reflexão: até que ponto é realmente válido o fato de uma ferramenta tão poderosa estar nas mãos de uma única pessoa?
Elon Musk, Twitter e polêmica parecem, de fato, uma combinação altamente explosiva. Uma nitroglicerina digital, por assim dizer. O bilionário já é amplamente conhecido por suas inúmeras controvérsias e isso não é novidade para a maioria das pessoas que acompanha o universo da tecnologia. Alguns desses imbróglios, inclusive, passam a impressão de um garoto mimado e birrento, que quando contrariado, exerce seu poder financeiro, comprando serviços e empresas que não agem conforme sua vontade. É uma percepção – talvez até exagerada, você pode pensar – mas que se justifica quando analisamos alguns casos concretos.
Para ilustrar, tomemos o exemplo ocorrido em 2017, quando Musk irritou-se ao perder tempo em um engarrafamento, algo que talvez para ele não faça sentido, contudo, é parte integrante do cotidiano de bilhões de pessoas no mundo. Na ocasião, ele lançou mão do próprio Twitter para reclamar:
“O trânsito está me deixando louco. Vou construir uma ‘máquina entediante’ e apenas começar a cavar… Vai se chamar ‘A Companhia Entediante’. Tédio (ou perfuração). É isto que nós fazemos. Eu realmente vou fazer isso.”¹
E fez. A empresa The Boring Company existe e já fez a escavação de um túnel em Las Vegas, Estados Unidos. Esse projeto ainda é um embrião no que diz respeito à mobilidade urbana, pois se trata de estreito canal, não convencional, orçado em 52 milhões de dólares e criado para transpassar um campus de 200 hectares. Esse sistema permite a travessia de passageiros por intermédio de um veículo Tesla por vez (a Tesla, cabe registro, é uma de suas principais companhias) e o tempo de deslocamento está previsto em um minuto.
É claro que podemos fazer uma elucubração diferente da crítica inicial: uma situação de estresse o motivou a encontrar uma solução que poderá ser útil para milhões de usuários no mundo inteiro, caso o modelo criado se expanda. E isso é válido e deveria ser louvado. Será mesmo?
Como vimos, convenientemente, o projeto envolve apenas a utilização de veículos de sua própria empresa. Isso pode representar um risco contra a diversidade e inovação, quando seus projetos de túneis ao redor do mundo excluam outras formas de locomoção que não pertençam à Tesla. Em outras palavras: não tente passar com o seu próprio veículo por um desses caminhos. Você provavelmente não poderá. Se isso assim se configurar, será mais um caso lamentável de privatização da mobilidade. E possivelmente numa proporção jamais vista antes.
E é esse tipo de ação que se mostra perigosa ao pensarmos na compra do Twitter, afinal, quando uma ferramenta poderosa e democrática fica sujeita aos caprichos de uma única pessoa, todos nós perdemos. Desse modo, só há um ponto de vista válido ou, fazendo uma analogia com os túneis citados, só há um tipo de carro a passar por essas vias: o dele. E essa preocupação não é só minha, mas compartilhada por influentes pensadores do meio.
Um dos grandes nomes da tecnologia de todos os tempos, o fundador da Microsoft, Bill Gates, pronunciou-se acerca da aquisição do Twitter. Para ele, não está claro se o dono da Tesla fará bem à rede social. Segundo o guru, a abertura “democrática” proposta por Elon Musk, retirando muito dos atuais filtros da ferramenta, pode encorajar uma série de novas fake news. Tudo dependerá se a corrente de ideias ora restringida é a mesma do “chefão “. Com isso, observamos que o terreno já começa a se tornar perfeito para o plantio e futuro espraiamento de desinformação. E se a ferramenta conseguir ganhar ainda mais notoriedade – que é o que está ocorrendo – a situação fica, de fato, alarmante.
Um dos grandes projetos para o futuro do novo Twitter é expandir o alcance da ferramenta de modo que cada norte-americano tenha a sua conta. A megalomania de Elon Musk é tornar a rede quase tão “obrigatória” quanto o seguro social dos EUA. Será que vamos ter um slogan do tipo: “Twitter: você ainda vai ter que possuir um”. Talvez até a sua senha da plataforma digital abra a porta do seu Tesla, vai saber…
Musk já se consolidou na área de transportes com a Tesla e investe também na sua infraestrutura com empresas como a The Boring Company. No passado, já foi pioneiro em serviços financeiros digitais com o PayPal. Hoje, já pode fornecer (e até – quem sabe – controlar) a sua internet através da Starlink. O que você fala, o que você pensa e o que você curte já não é mais segredo para ele com o Twitter. O espaço, que seria a última fronteira, com a Space X não é mais. Talvez os tentáculos de Elon Musk estejam nos atingindo há muito tempo sem que percebamos..
Por ora, Elon Musk é o único dono do Twitter. Isso garantirá que a sua visão para a ferramenta seja soberana, sem a pressão de acionistas e suas respectivas opiniões. Ele não descarta, no entanto, a reabertura do capital da empresa no futuro. Porém, se não for estritamente necessário, do ponto de vista mercadológico e financeiro, ele vai manter o passarinho trancado na gaiola.
E só ele vai ter chave.
¹*(N.T.: The Boring Company, no original, além de “A Companhia Entediante” também poderia ser traduzida como “A Companhia da Máquina de Perfuração”. Provavelmente ele usou um trocadilho para ser cômico e relacionar a construção do túnel ao tédio de ficar parado no congestionamento)