POVOS ORIGINÁRIOS

Por Bárbara Pelacani & Emerson Guerra

 

Aconteceu entre os dias 04 e 14 de abril de 2022 a 18ª edição do Acampamento Terra Livre – ATL, em Brasília -BR. O ATL é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em parceria com outras associações indígenas, e reuniu 8 mil representantes de 200 povos que foram até lá lutar por seus direitos. Os povos indígenas fazem no ATL uma ação reivindicativa das suas necessidades, como afirmou Sydney Possuelo em entrevista para a mídia indígena. 

O Acampamento Terra Livre constitui hoje a maior mobilização política indígena do mundo segundo a APIB. Importância essa que se configura enquanto um ato no continuum das lutas dos povos originários que vem acontecendo há mais de 522 anos desde que foram invadidas suas terras pelos colonizadores. Apenas há poucas décadas tiveram seus direitos garantidos enquanto sujeitos coletivos com a Constituição de 1988. Com muita luta tiveram suas culturas, tradições e formas de organização social reconhecidas, sendo um marco da mudança de paradigma da da relação territorial do Estado com os povos indígenas. Antes eram demarcadas apenas pequenas reservas de confinamento indígena, que os desterritorializavam. Com a nova legislação a perspectiva socioambiental foi ampliada e o direito ao território dos povos indígenas foi reconhecido e transformada a compreensão dessa delimitação do espaço. 

Durante 10 dias foram realizadas 5 marchas para demarcar o espaço da Esplanada dos Ministérios e pautar as lutas indígenas diante do Congresso Nacional tratando da necessidade de demarcação do território, luta contra a mineração, contra a violência indígena e um ato unificado contra o atual governo. Segundo o documento final do ATL, o Congresso Nacional, atual presidente e sua base de sustentação bolsonarista, ruralista e evangélica, defendem uma série de iniciativas legislativas que visam a materializar o seu projeto de morte. Entre estas iniciativas, destacam-se o Projeto de Lei 490/2007, do Marco Temporal; PL 191/2020, da Mineração em Terras Indígenas; PL 6299/2002, pacote do Veneno; PL 2633/2020 e PL 510/2021, da grilagem de Terras públicas; PL 3729/2004 (agora PL 2159/2021, sob análise do Senado) do Licenciamento ambiental; PL 2699, do Estatuto do desarmamento e porte de armas. 

Na tenda central do acampamento aconteceram plenárias com a realização de 25 debates com temas distintos e contando com a participação de mais 130 lideranças de diversas etnias trazendo a representatividade para a cena. É importante ressaltar que toda a alimentação fornecida, gratuitamente, aos participantes do evento foi doada e preparada pelo MST garantindo comida saudável e sem veneno todos os dias. 

As pautas contemporâneas de gênero, sexualidade e movimentos da juventude despontaram no acampamento, junto com as principais demandas na luta pela vida, pelo território, pela saúde e educação indígenas. 

Uma inovação no 18º ATL foi a organização de um dia inteiro dedicado às mulheres indígenas, nas outras edições ocorriam reuniões paralelas e pequenos momentos para o debate de pautas femininas. Ao longo de um dia centenas de mulheres apresentaram suas “Vozes Ancestrais Retomando o Brasil”, as primeiras brasileiras expressaram suas demandas, a necessidade de demarcar o território, a importância dos espaços serem ocupados por mulheres. A ampliação da participação das mulheres nas posições de poder e nas organizações vem sendo conhecida como a primavera das mulheres indígenas que toma força e ganhou proporção nacional com a primeira Marcha das Mulheres Indígenas realizada em 2019, que teve como lema “território: nosso corpo, nosso espírito”. 

A plenária “Aldear a Política: Nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão” anunciou as pré-candidaturas de mulheres indígenas de diversos povos e de diferentes regiões aos cargos de deputadas federais e deputadas estaduais, apoiadas por outras mulheres que estão na política, como a deputada federal Joênia Wapichana. A demarcação dos territórios passa a se referir também aos espaços políticos, convocando as mulheres a se candidatarem e buscar representatividade no Congresso. Célia Xakriabá, pré-candidata à deputada federal, afirmou que “Antes do Brasil da Coroa existia o Brasil do Cocar”. Célia situa o lema da marcha de Aldear política ao convocar os povos a indigenizar a caneta, para pensar um congresso ancestral indígena, que preze pela participação política no cuidado com a mãe terra. 

Foi feita uma plenária com Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e atual candidato ao cargo, junto com lideranças políticas indígenas e não indígenas. Foi um momento de escuta onde alguns representantes indígenas levaram as principais pautas e desafios dos territórios. Lula foi recebido com plenária cheia, presentes e rituais sagrados. Sônia Guajajara, pré-candidata à deputada federal, representando a maioria dos que ali estavam, afirmou que eles não querem mais um modelo de desenvolvimento destruidor de seus territórios como a expansão do agronegócio e a implantação de hidrelétricas como Belo Monte. 

O candidato à presidência fez uma análise de conjuntura e reconheceu os erros e acertos do Partido dos Trabalhadores, buscou construir articulações através de promessas de campanha em torno da participação indígenas no governo, com a criação de um Ministério de Assuntos Indígenas. Incentivado pelas lideranças presentes, expressou seu desejo de revogar as decisões do governo Bolsonaro que representam retrocessos e retirada de direitos conquistados, inclusive as de cunho anti-indígena, chamando esse ato futuro de “revogaço”. 

Para finalizar as plenárias do acampamento foram realizados debates com movimentos sociais, políticos e interreligiosos, um marco na articulação externa para fortalecer a luta pela terra, a luta ambiental e a sociocultural. 

Além das atividades das marchas e das plenárias, aconteceram importantes articulações políticas decorrentes do evento como denúncias internacionais na ONU e no Parlamento Europeu, reuniões em tribunais superiores no Supremo Tribunal Federal – STF e no Tribunal Superior Eleitoral – TSE, e reuniões com as embaixadas da Noruega, Alemanha, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos. 

Durante todo o ATL diversos povos presentes fizeram suas reuniões políticas, mas também culturais, estéticas, linguísticas e musicais demonstrando as várias camadas e espectros do que chamamos de resistência indígena. Toda essa diversidade de cores, de idiomas, de expressões identitárias criaram uma atmosfera bastante ilustrativa da dimensão pluriétnica e multilíngue do Brasil. Por mais bonito que seja, todo movimento ali centralizado é um ato

de luta e resistência, caminhadas duras, jornadas de denúncias e busca por direitos fortemente negados nos últimos anos. 

Desde Brasília o grito que os povos indígenas ecoaram para o mundo foi: Demarcação já!

 

Foto de Barbara Pelacani, 2022