É bem provável que as ousadas declarações da ministra do Interior a respeito das discriminações que existem no Chile, nos âmbitos policial e judicial, em relação ao aspecto físico e ao sobrenome dos que cometem delitos sejam compartilhadas pelo próprio presidente da República e por milhões de compatriotas.

Levando em conta seu cargo no alto escalão do governo, é possível que Izkia Siches tenha sido imprudente, mas isso não significa que suas declarações estejam equivocadas. Todos somos cientes de situações agravantes ao princípio da igualdade perante a Lei que assim tanto se declara Não se trata de um somente nacional. Em todo o nosso continente pode-se notar, em geral, as vantagens que os brancos têm sobre uma população maioritariamente morena. Na Bolívia, por exemplo, um país onde a maioria da população é indígena, muitas décadas se passaram antes que um Evo Morales chegasse ao poder. Ainda no nosso continente, sabe-se que somente no Uruguai é possível encontrar moradores de rua loiros de olhos azuis, que pedem esmolas em um dos países de melhor condição socioeconômica.

A cor da pele e dos olhos sempre foi um fator determinante no destino do ser humano. Quem tem a pele mais clara sempre são aqueles que têm mais dinheiro. Na nossa capital, por exemplo, existem bairros em que os moradores nem parecem ser latinos, mas sim escandinavos, devido à cor de sua pele. Nas regiões mais pobres é predominante a população de pele morena, como os de origem indígena, 75% de nossa população seja mestiça.

Na verdade, há um racismo vergonhoso entranhado na própria população morena, que prefere as crianças mais loiras ou de aparência mais europeia. Em Estocolmo, precisamente, tivemos a oportunidade de conversar com um casal de chilenos, bem morenos, e que estava muito feliz por seu filho haver nascido loiro e com a pele bem clara. Ingenuamente, os pais tinham certeza de que aquilo se devia ao fato de estarem vivendo há muito tempo em um país do extremo norte… Certos de que o clima fosse capaz de causar mutações surpreendentes em menos de uma geração.

Na história de nossa política, é certa a influência que exerceram as famílias de sobrenomes supostamente mais ilustres e com antepassados castelhano-bascos. É certo, também que houve alguma variação com a invasão de sobrenomes franceses, ingleses e alemães, ainda assim, predominando a cor branca e os olhos azuis. Até hoje tem sido muito difícil alcançar os altos cargos do Estado pra quem é indígena ou de ascendência árabe. Embora o poder econômico alcançado por muitos imigrantes do Oriente lhes permita romper as barreiras da discriminação que enfrentam há décadas.   Trata-se de uma realidade generalizada. Até mesmo na Igreja Católica pode-se notar que quem ocupa os altos escalões da Cúria são aqueles que têm «sobrenomes de peso», como se costuma dizer. Curiosamente, são os mesmos que mais se manifestam pregando justiça e igualdade social. Muito mais que padres de modesta origem social, geralmente mais conservadores que seus fiéis.

 

E o que dizer das Forças Armadas, onde quem ocupa a alta hierarquia são comandantes de pele mais clara que o resto do pelotão, e onde seus sobrenomes são igualmente importantes  ̶ ainda que sejam pessoas que, desacreditadas de suas capacidades pelos próprios pais, foram obrigadas a seguir carreira militar. Da mesma forma, nota-se que entre os policiais (carabineros), praticamente não há loiros de olhos claros em suas tropas. A morenidade é manifestamente generalizada. Além disso, são justamente essas tropas as que mais discriminam a população, evitando infratores de cor clara, de bairros abastados e sobrenomes «pomposos». Algo parecido ao que acontece com os policiais negros nos Estados Unidos, sempre dispostos a maltratar seus semelhantes de origem social. Os casos são corriqueiros tanto aqui como lá, onde um negro que chegou à presidência do país pouco ou nada fez para se diferenciar de seus antecessores brancos, loiros, racistas e criminosos.

A cor da pele coincide com o nível econômico dos chilenos. A população é estratificada tanto por suas condições econômicas quanto pela aparência. Diante dos padrões raciais do país, talvez escapem os morenos de olhos verdes, que já são muito difíceis de se encontrar, mas que, no entanto, são considerados modelo de beleza masculina e feminina. Some-se a isso o excesso de loiras nos anúncios de cosméticos na televisão e na cena artística, e que também são vistas em meio à população morena que circula por todas as nossas ruas e cidades. Como ultimamente, também, entre os famosos jogadores latinos de futebol.

Ainda que tenha se expressado de maneira tão veemente segundo os padrões de nossa política tradicional, a ministra Siches tem toda a razão. Isso porque, no Chile, acredita-se que, ao alcançar os altos cargos, os ministros, os parlamentares, os juízes e outros devem deixar de pensar como antes e governar a favor de quem julga conveniente a persistência desse tipo de discriminação; de quem, descaradamente, acha correto existirem bairros distintos para pobres, classe média e ricos; de quem acha que deve haver escolas e universidades, clubes e partidos políticos ditados de acordo com a classe e renda econômica de seus integrantes; e, finalmente, de quem acredita que deve haver «redutos» no sul do país para os mapuches e bairros suntuosos e exclusivos para os brancos de pele e amarelos de cabeça.


Traduzido do espanhol por Débora Lima / Revisado por Graça Pinheiro