CRÔNICA

Por Guilherme Maia

 

No ano de 2043, Felipe Tintório, aluno aplicado nos estudos, considerado um forte candidato à bolsa de estudos no Canadá, levanta-se e sobe no estrado da sala de aula onde ficam os professores e o quadro negro (agora chamado tela de “autoprojeção”), e, sempre impassível, inicia a exposição do seu trabalho de fim de semana, cujo tema era “Neonazismo e o Brasil dos anos 20”.

Orgulho da classe, sente-se no ar a nota máxima que irá obter.

Segue a transcrição do trabalho apresentado:

Num domingo de sol vê-se uma aglomeração de milhares de pessoas na esplanada do Palácio do Planalto, essa multidão veste a camisa da CBF e empinam faixas com palavras de ordem, comandos que se resumem à expectativa de fechamento do Congresso e do STF e a instauração de uma nova ditadura militar.

O sol irisando a vegetação traça no céu caleidoscópios de prismas de luz e a temperatura está amena, apesar da ausência de nuvens. Compulsivamente se repete o hino nacional por meio de grandes e potentes caixas de som de trios elétricos espalhados pela manifestação, alguns participantes já desenvolvem misofonia e uma aversão oculta àquela “porra de música escrota que ninguém entende nada além do Virum du Piranga” – é o que se ouve das conversas tímidas e ao pé do ouvido entre pequenos grupos de militantes irritados com a altura e a reverberação sonora.

Em meio “aos” camisas CBF, aparecem estampas com os dizeres “Ulstra vive!”, “Morte aos Ministros do STF! ”, “Queremos AI-5” e algumas outras insígnias que marcaram o que depois os psicólogos passariam a diagnosticar como agnosia.

Pois surge do meio da turba em um cavalo marrom-bosta escovado e reluzente a figura do Messias (esse era o nome do deputado que por quase 30 anos não movera uma palha a não ser incluir-se em projetos de colegas alheios para aparentar trabalho parlamentar); a despeito do rosto desfigurado por um rictus de cansaço e dor, posto que a cavalgada lhe era estranha – não acostumado a afazeres físicos.

Essa pluma toda da chegada do Messias, empunhando este uma haste com as bandeiras dos Estados Unidos – nunca deixara oculto seu patriotismo, apenas não assumia a quem seu patriotismo era voltado – e do Estado de Israel (para acalanto dos fanáticos religiosos influenciados pela teologia estadunidense, aquela que omite Jesus ter sido perseguido em Israel tendo aceitação e respeito só após sua disseminação pela Europa Ocidental).

Com a expressão de cansaço pelos poucos metros que cavalgou, subiu empertigado (parece que inocularam uma injeção de anfetamina na rampa de acesso ao Palácio do Planalto) e falou e falou que ‘ “Deus é pela família, porra!” e que deveria “pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”. Malversação cínica escrita por algum de seus lacaios, por que não há que se falar em constituição contra a própria constituição, o Messias dos incautos havia evocado o Art. 142 da Carta Magna – o que de forma alguma, sequer pela inteligência do Doutor Miguel Strangelove Reale poderia ser juridicamente viável em uma provocação para partir a mais um golpe contra a democracia.

Naquele período histórico, a agnosia foi de uma propagação nunca antes vista no mundo, mas, de fato, afetou profundamente a capacidade cognitiva dos brasileiros.

Começou com um processo de usurpação do poder central político por meio de malabarismos jurídicos promovidos por um rábula female que, cinco anos depois, seria acusada de furtar calcinhas na 25 de Março e, por consequência, defenestrada da vida pública e um ilustre jurista filho de outro ilustre jurista defensor das tortura constitucionalizada: essa usurpação tomou o nome de impedimento, porém, como na época vigorava um estrito senso de subordinação aos States, o nome veio em forma de impeachment – numa tentativa risível de dar algum tipo de legitimidade a essa manobra.

Assim foi deposta uma mulher, a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil. Deposta de forma hedionda com base em nada, não havia sequer uma nesga em seu currículo que desabonasse sua conduta. Mas, como havia criticado o sistema financeiro na forma nas siderais taxas de juros praticadas pelos bancos, além de não ter aceitado a bênção gospel de um rato parlamentar que exercia o cargo de presidente da Câmara dos Deputados: tudo isso levou ao acúmulo de ódios enfeixado nos congressistas em geral.

A razão de seu impedimento fora o mesmo que serviu de roteiro para a novela mais rentosa de todos os tempos: a Operação Lava Jato; a prisão do grande estadista Luiz Inácio e a eleição do próprio demônio para a presidência da República (o enleio ciência política e mística judaico-cristã será abaixo abordada em seus detalhes).

Citada acima, a tal lastimável Operação Lava Jato serviu de trampolim ao projeto nazifascista no país. Explico: com toda uma onda de extremistas realmente neonazistas, como o Reichsbürger na Alemanha e também o Aurora Dourada na Grécia, verificou-se que o nazismo estava mais uma vez deflagrado contra a civilização e o mundo. Assim, o sentimento chauvinista e jingoísta que seduziu vasta parcela da população da Europa Ocidental voltou à ordem do dia e alimentou a normalização do nazismo (em grande parte devido ao fiasco da configuração neoliberal global do capitalismo, em outra por que cada vez mais refugiados da África e Oriente Médio vinham buscar sua sobrevivência fugindo de grupos armados extremistas Jihadianos financiados pelos States e pela própria Europa).

Conjugada com o início de escassez das fontes energéticas mundiais e o declínio do império estadunidense está a fonte da Lava Jato. A primeira causa – exposta no parágrafo anterior – iniciou a ruína do senso de ordem institucional, do próprio contrato social que mantém o laço que permite pessoas viverem em sociedade, nesse sentido, quando surge um processo totalmente anômalo e ilegal, aparece a figura do juiz que passou a ser conhecido a partir dos anos 20 como o Juiz Ladrão; homem sem escrúpulos que, semianalfabeto fora imposto ao cargo de magistrado como um ovo da serpente, um micróbio fornecido pelas grandes petroleiras estadunidenses como se ele, o Juiz Ladrão, fosse uma arma biológica lançada sobre território brasileiro. Amparado por seus empregadores, morreu esquecido, porém milionário, em Washington. Averso a leituras, suou um pouco para ter se apresentado como candidato a presidente em 2022, mas como já tinha desempenhado seu papel no sentido de manter o Brasil como subdesenvolvido e, graças a sua baixeza, pôs em cheque as políticas sociais que vinham sendo duramente implantadas no país pelo Luiz Inácio e a presidente impedida, algumas vinculadas aos altos desempenhos do pré-sal, formidável tecnologia desenvolvida pela Petrobras que, após o golpe, simplesmente foi sendo retirado para os bastidores deixando a boca-de-cena para o combate à homossexualidade e à esquerda.

Enfim, em um ato tresloucado, algo depois entendido como a agnosia desempenhada por uma pseudoautoridade “lisergicamente” subalterna aos interesses de corporações multinacionais, o Juiz Ladrão mandou prender logo em cima das eleições presidenciais o Luiz Inácio! Em forma do clássico shownarlismo perpetrado pela Rede Globo de TV, o grande estadista foi preso e levado coercitivamente (com direito aos masoquistas da soberania brasileira a observá-lo conduzido em algemas!). Espetáculo grotesco e ilegal aquele, mas suficiente para uma sociedade que já vinha sendo sedada por meio de uma subcultura imposta por jabás anticulturais de massa, por um progressivo fanatismo político-religioso e o fetiche à violência da imprensa marrom da época.

O bordão “Lula ladrão” veio tão natural como a ignorância da elite brasileira e, repetido sem cessar, passou a ser um dado real, porém, perguntados sobre o que teria Luiz Inácio “roubado”, as respostas eram as mais vazias possíveis, “não… mas o Roberto Jefferson”, “o Palocci …”; então, continuando o interlocutor a perguntar socraticamente sobre o fato de a delação do Palocci ser em forma de delação premiada e não ter esteio nenhum com provas; o Jefferson ser um produto da corrupção do partido dele e dele próprio, e assim por diante: alcançávamos um momento em que, continuando a perguntar, o diálogo passaria a ser resolvido nas vias de fato, ou seja, “na porrada”, como se dizia à época.

Observada pela psicanálise de massas este era o ponto de maior expressão da agnosia: exprimir-se por violência física e aos berros como se tal fosse suficiente para o ganho de um debate.

Nessa época um grande problema para quem se informava pela imprensa patronal regular era a monomania, porque algumas pessoas passaram a ter seus pensamentos absorvidos pela ignorância das declarações antidemocráticas do deputado Messias, que estava já em preparo de lançar candidatura para o cargo de presidente.

Sem conseguir construir uma frase sequer coerente ou coesa, emitindo grunhidos misturados com elogios à tortura e à ignorância crassa machista e racista, articulou com o Juiz Ladrão para que Luiz Inácio fosse retirado do páreo e preso sem motivo algum legal que sustentasse seu encarceramento.

Dentre muitas peripécias abjetas possibilitadas apenas pela insuficiência e corrupção dos representantes das instituições democráticas republicanas do Brasil, o deputado Messias enlouquecido, ganhou as eleições de 2018 com apoio dos que se dizem representantes do deus judaico-cristão, mas, de fato, seguem um obtuso plano de dominação e morte inspirados nos ideais do demônio (isso demorou para ser provado, pois as influências políticas de propaganda ideológica já estavam entranhadas em um povo anêmico e sem acesso à educação).

Consequentemente, houve a potencialização orquestrada da Covid-19, quebra da economia e alijamento dos pobres da educação regular pública, sobrando apenas seguir seitas bolsoloides que aos poucos foram trocando a figura do Cristo pela do deputado Messias.

A onda de patriotismo esquizofrênica, baseada anacrônica e antigeograficamente no filme O Patriota, de Mel Gibson, tornou aqueles dias de servidão de um país inteiro não mais ao império USA como um todo, mas a um homem, o Tramp (com “a” mesmo caso alguém vá revisar esse texto).

Ocorre que o Tramp não foi reeleito na matriz e o Messias ficou totalmente isolado e mais ridicularizado ainda no exterior.

Essa toada macabra com direito ao projeto nazista do Messias se insinua constantemente para testar a opinião pública e a possibilidade de aceitação pelas massas populares do ideário nazista ressurreto, este ainda não passava e tiveram de ocultá-lo negando sempre logo em seguida o que diziam um ou dois dias antes.

O cristonazismo (sim, conseguiram juntar duas fontes totalmente diversas para manter o nível abjeto de acumulação de renda no Brasil) tornara-se uma realidade política e apenas havia uma esperança concreta: a volta de Luiz Inácio!

Luiz Inácio! Que figura histórica para a absolvição do Brasil no Juízo Final. Comparável a Mandela, sofrera todo o tipo de perseguição por toda a sua vida e, mais do que tudo, fora um dínamo de resistência simbólica e prática ao nazismo ideológico normalizado pela eterna Casa-Grande brasileira. A uma, porque houve dois Lula Livres, campanhas por sua libertação: a primeira quando fora preso pelo Dops e a segunda quando fora preso pelo Juiz Ladrão; a duas, devido a suas reeleições, apenas fora eleito por que imperava o desespero decorrente de apagões e alijamento dos pobres e da pauperização da classe média brasileira, por duas vezes: primeiro após o segundo mandato de Fernando Henrique Garboso; o outro, após a quebra total do país pelo Messias Cristonazista.

Sempre me perguntei por que as pessoas não votavam em quem realmente os representava? E quando o fazia, elegiam Luiz Inácio presidente e uma corja de direita ladroeira da pior espécie para preencher as cadeiras do Congresso.

O consciente coletivo durkeiniano brasileiro é lastimável, reinando o signo da chibata na forma de uma ideologia de submissão renitente e de uma religiosidade que deixou de ser inerente ao povo na forma de manifestações espontâneas para ser substituída por mais uma fonte de propaganda imperialista que retira até mesmo a criatividade e alegria popular impingindo uma inquisição de terceira categoria e anacrônica impedindo até o grande patrimônio do povo brasileiro – que é sua musicalidade e arte.

Conseguimos – digo nós, a humanidade – livrarmo-nos do Falso Messias, mais tarde chamado de o “Jumento de Ouro dos Tolos”, com a volta triunfal de Luiz Inácio. Não que os neonazistas disfarçados de baluartes da decência – depois fora apurado que alguns dos parlamentares bolsoloides eram pedófilos e assassinos gospels (vai fazer o quê? Esta é a realidade brasileira daquela época) tivessem arquitetado conjuntamente com o “turismo terrorista” mais um golpe: neonazistas treinados naquele lugar que o cara-que-cavalga-em-urso (e que figura retrógrada também com seus anseios imperialistas – olha o Che aí, minha gente!) disse ser um balneário neonazista de Odessa: mais um movimento surgiu, mais uma vez na esplanada do Palácio do Planalto, só que desta vez armados até os dentes.

Tentaram matar mais uma vez Luiz Inácio, mas não conseguiram. Ele foi empossado pela terceira vez e o povo brasileiro entendeu de uma vez por todas que um governo que se preocupa de alguma forma com a necessidade real – comer e ter onde morar – deve ser eleito mesmo que o pastor ou sacerdote de qualquer credo indique um candidato elitista.

Luiz Inácio foi eleito em 2022 e o Brasil diminuiu drasticamente o índice de agnosia, – por que será?

Não sei ao certo a resposta, mas sei que aquele era a última chance de apoiar um governo verdadeiramente popular – escreveu um jornalista, o qual fora imediatamente demitido de O Globo (por que será?) – Mesmo assim, os fanáticos religiosos bolsoloides criticaram como um embuste toda a factualidade de que Luiz Inácio reforça o bem-estar do povo e, por outro lado, insistem em dizer que a democracia independe da mobilização social!

Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez era a única esperança para o Brasil dar uma guinada nos índices negativos de desenvolvimento e qualidade de vida!

Com a economia em ruínas e o ódio do capital nacional – até de investidores internacionais, – o Messias teve de fugir do Brasil e, como já aconteceria mesmo com a permanência do Bozó para a disputa das eleições, Luiz Inácio ganha e se torna o novo presidente.

O país volta à normalidade e o conselho de psicologia começa a entender que a onda de agnosia estava diretamente ligada ao bolsonarismo. O brasileiro na nova era Lula começou a raciocinar com mais firmeza e desenvoltura. O povo voltou a ser criativo e feliz e o fanatismo religioso foi arrefecido por meio de políticas de inclusão ao ensino do básico ao superior.

Consequentemente, o país voltou a ser emergente e a necessidade e a miséria deram vez à estabilidade institucional democrática e à alegria.

Lula presidente foi uma necessidade de reestabelecer o equilíbrio psicológico ao Brasil!

Fim do trabalho.

Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2043.