OPINIÃO
Por João Felipe Salomão e Rodrigo Cosenza
Nesta semana, vieram à lume ao menos dois casos de malversação de dinheiro público na área da educação.
No governo federal, vem se revelando um amplo esquema, operado por pastores evangélicos oficiosamente vinculados ao Ministério da Educação por indicação do próprio presidente da república, segundo o ministro da Educação, o também pastor Milton Ribeiro. Nesse esquema, recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE são oferecidos a gestores municipais em troca de barras de ouro, doação de bíblias, construção de igrejas, e talvez outros pedidos escusos que ainda podem surgir à medida que o caso for sendo investigado.
Enquanto isso, em Teresópolis, estão sendo colocados em suspeição pelos vereadores e pela imprensa local dois contratos assinados pela prefeitura com uma ONG mineira para realização de projetos na rede pública municipal de ensino. Com dispensa de licitação, os contratos foram celebrados com a “Associação Servindo e Protegendo”, que se apresenta como promotora de valores cristãos e que, segundo o Diário de Teresópolis, é ligada a um coach famoso, que publica vídeos na internet sobre prosperidade individual e corporativa, empreendedorismo, espiritualidade, matrimônio, etc. Ao custo de quase nove milhões de reais, por dez meses a ONG distribuirá livros infantis para estudantes da pré-escola ao 5º ano do ensino fundamental e realizará acompanhamento psicológico das crianças e adolescentes, sem que tenham sido apresentados diagnósticos e metas que justifiquem o expressivo volume de dinheiro nessas ações, nem porque não houve licitação.
Em que pese a diferença entre os procedimentos e a escala dos malfeitos, há algumas afinidades entre os casos. Em primeiro lugar, fica evidente a falta de critérios técnicos e públicos na alocação dos recursos da educação, o que os torna claros casos de malversação, mesmo que não haja ou não se confirme corrupção. Afinal, são recursos que podem ser desperdiçados em bens, serviços ou obras que podem não ser prioritários ou eficazes.
Outro aspecto em comum, e que corrobora com nossa posição, é a exclusão de profissionais e pesquisadores da educação na definição das políticas públicas educacionais, tanto no governo federal, no estadual, quanto no municipal. Nisso está envolvida a captura das políticas educacionais por empresas e, como estamos vendo, também por grupos religiosos, em especial igrejas cristãs.
Deixar a política educacional na mão de grupos religiosos e corporações é permitir que a educação seja tornada mercadoria e que perca o seu caráter republicano, laico e inclusivo. Depositar milhões de esperanças em métodos mirabolantes de coachs e gurus contemporâneos denota completa ignorância do significado e do funcionamento da educação, se isso não for simplesmente uma manobra para recobrir interesses escusos.
A educação não pode ficar refém de grupos que a utilizam prioritariamente como moeda de troca, garantindo espaço a aliados políticos, nem como fonte de extração de vantagens indevidas. As políticas educacionais devem mirar objetivos para além dos interesses dos governos de plantão. Nesse sentido, como a distribuição dos recursos do FNDE, pelo MEC, realiza as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação? E em Teresópolis, esses projetos contratados por quase 9 milhões de reais foram apreciados pelo Fórum ou pelo Conselho Municipal de Educação, instâncias de participação social responsáveis por acompanhar, avaliar, rever e adequar as metas do Plano Municipal de Educação? Essas são algumas entre muitas indagações possíveis.
A educação é uma área sensível, estratégica e que demanda responsabilidade pública, conhecimento científico, transparência e formação de quadro de servidores valorizado e que participe dos debates e decisões. Nessa disputa sobre ideias e recursos, ela não pode seguir caminho oposto a liberdade e laicidade firmadas pela nossa Constituição. É importante reafirmar esses princípios para se avaliar com lucidez esses últimos acontecimentos.