Por Raphael Pinheiro*

Desde sempre o homem quis conquistar os céus. Dos sonhos de Ícaro às viagens extraordinárias de Jules Verne, o domínio do espaço permeia a mente consciente e inconsciente dos seres humanos. As notícias atuais dão conta de que o homem está mais perto do que nunca de transformar a ficção em realidade. Mas se isso for bom, realmente, será bom para quem?

Elon Musk, um dos homens mais ricos da atualidade, para muitos, é um visionário. Para outros tantos, um mero empresário, alguém que trabalha com especulações e futurologia, sem embasamento, e, até mesmo, aplicabilidade outra, senão o lucro, a muitas de suas inovações. São pontos de vista que podem ser dissonantes e, ainda assim, complementares, afinal, aqueles que possuem uma visão à frente de seu tempo, por vezes, só recebem o seu devido reconhecimento quando já não podem mais usufruir dele. Talvez seja esse o preço que se paga por viver fora de sua era.

Musk é uma figura muito conhecida no Vale do Silício, principalmente por seu trabalho no desenvolvimento de veículos autônomos. Se você não ouviu falar ainda da Tesla, certamente ouvirá nos próximos anos. Os “carros que andam sozinhos” já são algo comum em diversas estradas americanas e europeias e, em algum momento, você esbarrará (espero que num sentido não literal) em algum deles por aqui também.

Mas ao que tudo indica, não é apenas este mundo que Elon Musk deseja conquistar. Não é à toa que ele se encontra à frente da SpaceX, empresa por ele criada para o desenvolvimento de tecnologia espacial. Isso mesmo: Musk vai desde os carros sem motoristas a naves interplanetárias. Um novo Ícaro?

Se para melhor compreender o futuro, devemos retornar ao passado, então, que façamos esse exercício começando com um dos maiores escritores que já viveram e, em seguida, cruzemos as fronteiras do infinito, como toda boa ficção científica se propõe.

Jules Verne, em 1865, publicava o romance Da Terra à Lua. Essa obra foi um marco da ficção científica espacial e é aclamada por diversos públicos até hoje. Verne era não apenas um excelente contador de histórias, por sua capacidade descritiva única, mas um “futurista” ainda melhor. Em 1902, a obra em questão tornou-se filme nas mãos de Georges Méliès e causou um grande espanto na indústria cinematográfica que ainda alvorecia na época, por apresentar efeitos inimagináveis ao público. Mal comparando, seria uma espécie de “Matrix dos 1900”, no que tange os efeitos visuais.

E se estamos na seara das ilusões óticas da sétima arte, não devemos deixar de lado um expressivo clássico de 1990, que além de ter sido um sucesso de bilheteria naquele ano, também arrematou o Oscar de efeitos especiais no ano seguinte: O Vingador do Futuro. Nenhuma visão da colonização humana em Marte foi, até hoje, tão aterradora quanto essa. E nem tanto pelos globos oculares saltantes de Schwarzenegger.

Com isso, algumas vezes, o limiar da ficção científica se funde com o véu da realidade ao ponto de não ser possível identificar aquele que inspirou quem.

Elon Musk quer colonizar Marte. E Marte já fora colonizada por outras mentes criativas, ainda que apenas nos campos da contemplação. Será que os alertas da literatura, dos quadrinhos e do cinema no que concerne à ambição humana serão ouvidos quando a hora chegar?

Se o homem desenvolver tecnologias para navegação espacial visando apenas a conquista e a exploração de recursos extraterrestres (o espaço é rico em ouro, por exemplo), estaremos fadados a repetirmos o período das Grandes Navegações, com um pseudo neocolonialismo espacial? E todos sabemos o resultado do que começara 500 anos antes.

Se a ambição do homem for para exaurir recursos naturais, como fizemos e fazemos por aqui, a raça humana estaria condenando mais um planeta a sua destruição? Já não bastaria um?

Voltando ao cinema, tomo por exemplo o filme Não Olhe para Cima, lançado no final de 2021 no serviço de streaming da Netflix, que aborda rapidamente, entre diversas outras críticas, como seria uma eventual ocupação humana em outro planeta. Na película, temos os escolhidos para a missão: banqueiros, militares, senhores de petróleo, magnatas da tecnologia e políticos. Lá crème de la crème.

Por outro lado, é incomum vermos a apresentação nessas mídias de expedições espaciais compostas por cientistas, professores, escritores, músicos, filósofos, artistas, entre outros. Esse tipo de tripulação, em tese, garantiria uma diversidade cultural e uma perpetuação verdadeiramente ampla dos saberes humanos. No entanto, parecemos fadados a reproduzir os valores errados. Não queremos repartir nossos conhecimentos. Queremos apenas tomar aquilo que nos for útil.

De Ícaro a Musk, o homem sempre quis voar alto. E mesmo com algum pessimismo para esse futuro, o homem flutua, como se enfrentasse a gravidade zero na vastidão do espaço, rumo a essa conquista. Disseram antes que era um pequeno passo. E se olharmos estes que estão por vir, damos realmente razão a Armstrong. A questão que devemos refletir é: pequenos ou grandes, aonde (e talvez como) esses passos irão nos levar?


*  Raphael Pinheiro é pós-graduado em Marketing Digital e profissional com mais de duas décadas de experiência em tecnologia. Atualmente, é editor-chefe do Portal da Academia Brasileira de Letras, uma das maiores e mais importantes instituições culturais do país.