Por Florbela Catarina Malaquías
Quando, no campo humanista, dizemos que o ser humano é valor central, estamos a considerar a sua dignidade e os seus direitos humanos que são também garantias para proteger uma vida de boa qualidade com saúde individual e social.
Fica claro que o direito à saúde é um direito humano fundamental, relacionado com o direito à vida, a um meio ambiente equilibrado e sustentável, à integridade física e à possibilidade de acesso aos bens e serviços que contribuem para a saúde social e individual.
Vários instrumentos internacionais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos dos Povos e dos Cidadãos, o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, reconhecem o direito à saúde, entendida como “(…) um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções ou enfermidades. (…)” (OMS, 2014).
Por outro lado, “O conceito ecológico de saúde pressupõe harmonia e compatibilidade entre o organismo e o ambiente” (Hanari, 1999: 92). Havendo alterações climáticas, a crise ecológica reflete-se inevitavelmente na crise de saúde.
Existe uma estrita ligação entre a salvaguarda do meio ambiente e o exercício do direito à saúde evidenciada na declaração de Estocolmo, que sublinha que o direito a um ambiente de qualidade permite uma vida digna e de bem estar.
No entanto, o que se nos oferece assistir e sofrer é a permanente violação do direito à saúde, com a exposição das pessoas a agentes químicos perigosos, por inalação, por contacto e por consumo, com efeitos cancerígenos, tóxicos ou perturbadores endócrinos, produtos que, na sua maioria , perduram por muitos anos, após a sua utilização, adoecendo e matando as pessoas, adoecendo e matando a natureza, adoecendo e matando o presente e o futuro da humanidade.
Há um comportamento suicida posto em marcha pelos poderosos causadores da grande crise ambiental a nível planetário e que viola o direito à saúde de toda a humanidade.
Neste particular, temos o exemplo concreto da actual pandemia do COVID-19. Quais as origens? Quais as consequências últimas? Não entrarei no mérito dessa causa. A referencia serve apenas para sublinhar que vivemos um contexto em que a violação do direito à saúde é sistemático, em que a humanidade está a mercê de decisões políticas pouco comprometidas com os direitos humanos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 11 de março de 2020, a COVID-19 uma pandemia e emitiu uma série de recomendações sanitárias para ajudar a diminuir a proliferação do vírus. Imediatamente se manifestou um problema: a maioria da população mundial que é pobre não pode responder positivamente ao apelo porque não pode ficar em casa: uns não têm casa, outros têm casas em condições insalubres, há casas em que vivem muitas pessoas e não se pode ficar o dia inteiro porque o espaço não permite.
Os pobres e as pobres que ocupam esse território da informalidade, do desemprego, do desalento, do subemprego e da precariedade não têm condições de seguir, à risca, os protocolos sanitários preventivos aconselhados pela OMS. Até porque precisam de ir aos mercados, abarrotados de gente, para comprar alimentos, sob risco de contágio.
A pandemia serviu para desnudar e chamar a atenção para o sistema económico e social destrutivo que trata as pessoas e a natureza como coisas comoditizadas e comercializáveis.
Em África o direito à saúde dos povos africanos é, sistematicamente, violado pelas grandes corporações internacionais predadoras que, além de serem extractivistas, são exportadoras de poluentes e de resíduos tóxicos para o continente africano.
Os sistema depredatório capitalista não está convencido que deve alterar o seu modelo de lidar com a natureza integral que inclui o próprio ser humano, hoje entendido como consumidor e também como mercadoria com obsolescência programada.
Falar de direito à saúde implica uma referência à justiça, tanto individual, quanto social e ecológica. Importa perguntar: quem decide sobre a justiça de toda uma humanidade sacrificada por aqueles que degradam a saúde colectiva?
Existem vários tratados e organismos internacionais para zelarem pela aplicação das normas protectoras do meio ambiente e dos direitos humanos. No entanto, os resultados são irrisórios na medida em que os poderosos têm suficiente poder para contorná-los enquanto assistimos ao agravamento da situação e ouvimos narrativas distópicas, preparando a humanidade para a catástrofe ecológica que se aproxima.