Em viagem à Europa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido como um verdadeiro chefe de Estado, diferentemente do que ocorreu com o atual mandatário, que parecia um “peixe fora d’água” durante a reunião do G20, já que praticamente nenhum/a líder se aproximava dele. Mas não é sobre isso que quero falar neste texto. A minha intenção é gerar uma reflexão acerca dos planos de Lula para um próximo mandato, em especial o combate à pobreza, já quem em discurso na Bélgica, no último dia 15, o ex-presidente brasileiro disse que vai lutar para resgatar a democracia e “colocar o pobre no orçamento”.
Sem nenhuma sombra de dúvida, Lula se apresenta como chefe de Estado e conquista o respeito, mesmo não exercendo nenhum mandato. Seus discursos são bem preparados e demonstram os conhecimentos do ex-presidente referentes às mais diversas situações que permeiam o Brasil e o mundo. Questões socioambientais – que assumem o protagonismo nas discussões ao redor do Planeta –, assim como economia, geopolítica e tantas outras são brilhantemente tratadas através das palavras daquele que foi o presidente brasileiro mais popular dos últimos anos.
Ações simbólicas
Na contramão do atual presidente brasileiro – que usualmente prefere atacar pessoas e até homólogos, como o presidente chinês Xi Jinping, a quem insultou por diversas vezes; ou mesmo o presidente francês, Emmanuel Macron –, Lula eleva o nível do debate, pois sabe, antes de mais nada, que um verdadeiro chefe de Estado deve colocar o respeito acima de tudo, mesmo nas divergências.
Conhecido mundialmente pelo “combate à pobreza no Brasil”, Lula voltou a falar sobre esse assunto, afirmando que, se eleito em 2022, colocará o pobre no orçamento. À primeira vista, isso parece incrível, pois dá a sensação de uma preocupação real com esse flagelo que atinge não somente brasileiras e brasileiros, mas milhões de seres humanos ao redor do mundo. Relatório das Nações Unidas publicado no último mês de outubro revela que 1 bilhão e 300 mil pessoas estão nessa triste situação, principalmente em África, na América Latina e na Ásia.
Mas, quando Lula diz que colocará o pobre no orçamento, devemos comemorar ou lamentar? Fiquei pensando sobre isso, porque, no decorrer dos meus 53 anos de vida, tenho ouvido muitos políticos – no mundo e no Brasil – falarem de combater a pobreza, mas, na prática, o que vejo são, majoritariamente, narrativas vazias; e, em alguns casos, ações simbólicas que não enfrentam o problema em sua raiz, como o que foi feito por Lula durante os seus dois mandatos.
A instituição do programa Bolsa Família, o qual, sem dúvida, colocou comida na mesa de muitas brasileiras e muitos brasileiros não deve ser desconsiderada. No entanto, não proporcionou as mínimas condições para que a população pobre do Brasil rompesse com a condição de vulnerabilidade socioeconômica que a atinge. Não quero com isso afirmar que de nada adiantou o programa do PT e de Lula, pois, afinal, muita gente conseguiu colocar comida na mesa.
Mas, essas mesmas pessoas continuaram vivendo em áreas de risco, em condições muitas vezes sub-humanas, convivendo com o esgoto quase dentro de suas moradias; suas filhas e seus filhos continuaram com escolas precárias – aliás, a evasão escolar não cessou. Só para citar algumas questões. Ou seja, parafraseando os Titãs naquela composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto: “[…] A gente não quer só comida; a gente quer comida, diversão e arte; a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte […]”.
Enquanto isso, o governo de Lula e do PT subsidiava empresas, com somas gigantescas, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2018, estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) demonstrou, através da avaliação de 20 projetos do governo petista, que a administração do então presidente concedeu 173 bilhões de reais em subsídios a programas que não surtiram efeitos.
A título de exemplo temos o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), lançado em 2009 e destinado a financiar máquinas, equipamentos, transporte, entre outros, a taxas de juros que chegavam a ser bem menores do que as linhas mais baratas do BNDES; mas, apesar disso, não gerou empregos e somente beneficiou a alguns setores (leia-se grandes empresas, que tinham condições de tomar crédito no mercado). Podemos citar, também, a desoneração da folha de pagamento, em 2012, que não gerou os empregos anunciados pelo governo com essa iniciativa.
E, para finalizar com os exemplos, passemos ao lucro líquido dos bancos. Na “Era Lula”, esse setor lucrou como nunca antes. Estudo realizado pela consultora Economática, publicado em 2011, com base em uma amostra de nove instituições bancárias, revelou que entre 2003 e 2010 o lucro líquido dessas instituições financeiras somou 199,455 bilhões de reais.
Desejos do capital
Poderia continuar a escrever páginas e mais páginas sobre os recursos públicos que Lula (e também Dilma Rousseff) destinou ao setor privado, mas usei esses três exemplos apenas, porque quero suscitar uma reflexão que considero importante: em vez de “colocar o pobre no orçamento”, não seria melhor usar todos os recursos possíveis, formular políticas públicas estruturantes nas mais diversas áreas apenas – sobretudo educação, saúde, economia, esporte, cultura e lazer – para combater a pobreza e eliminá-la?
Tenho muito receio de que uma nova “Era Lula” sirva para instituir uma “conciliação de classe”, com o objetivo de acalmar os ânimos da burguesia que, apesar de todos os estragos que já conseguiu através do mandado do atual presidente, ainda pretende criar e aprovar leis que tirem os poucos direitos que ainda restam da classe trabalhadora, visto que até então não está conseguindo com a atual administração, dado o desastroso modo como esta vem conduzindo as políticas interna e externa.
Poro isso, reitero, “colocar o pobre no orçamento” não é o mesmo que eliminar a pobreza. Com esse discurso, proferido em um dos principais centros do capitalismo, talvez Lula tenha pretendido receber a chancela da burguesia internacional, uma vez que deixou patente que suas políticas (em caso de vencer em 2022) não impedirão ou mesmo colocarão “freios” às ganâncias do capital em território brasileiro; e, “por tabela”, conseguir a aprovação da burguesia nacional, como já o fez em 2002 após publicar a “Carta aos brasileiros”, com a qual acalmou o mercado financeiro que o via como uma ameaça à soberania do capital.
O fato de Lula não criticar as políticas de entrega do patrimônio nacional à iniciativa privada levadas a cabo pelo atual governo, assim como abrir a possibilidade de compor uma chapa presidencial tendo como candidato a vice-presidente um integrante de um dos partidos que articulou e votou a favor da destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016 (Geraldo Alkmin-PSDB), é uma demonstração de que o petista está mesmo interessado em conciliar, e, mais do que isso, facilitar a realização dos desejos do capital nacional e internacional no que se refere ao Brasil. E é por isso que vai colocar o pobre no orçamento, sem combater a pobreza.