No dia 28 de julho, o presidente francês Emmanuel Macron, durante uma visita ao Taiti, disse que a França tinha uma dívida com a Polinésia Francesa. A dívida era referente a aproximadamente 200 testes nucleares conduzidos pela França nas 118 ilhas e atóis que compõem essa parte central do Pacífico Sul, a qual é controlada pela França desde 1842. Esses testes foram realizados entre 1966 e 1996. Macron não se desculpou pelos danos ambientais e humanos causados por eles. Ele permaneceu impassível, reconhecendo que os testes não haviam sido “limpos”. “Penso que, de fato, não teríamos realizado esses mesmos testes em Creuse ou na Bretanha”, argumentou, referindo-se a regiões do território francês. “Escolhemos esta localidade por ser mais distante, por estar perdida no meio do Pacífico”.

Por Vijay Prashad

Obviamente, os habitantes dessas ilhas e atóis não estão “distantes” dos locais onde os testes nucleares foram conduzidos. Eles vivem ali e sofreram as consequências. Em 2006, Florent de Vathaire, diretor de pesquisa no Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde (INSERM), analisou os registros da Polinésia Francesa e encontrou evidências diretas de câncer de tireóide — entre outros problemas — em decorrência das explosões nucleares realizadas pela França. Unutea Hirshon, então presidente da comissão de inquérito da Assembleia da Polinésia Francesa, exigiu “transparência” por parte do governo francês. Ela relata, em 2006, que a França “ocultou de forma consciente a importância e as dimensões da precipitação radioativa resultante dos testes nucleares em Muroroa e Fangataufa”. A compensação tem sido mínima e a justiça nula.

As mudanças climáticas e a energia nuclear

Ao longo de seu mandato como presidente, Macron disse que o “sucesso de um futuro ecológico depende da energia nuclear”. Poucos dias antes da abertura da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Glasgow, Macron foi convidado a refletir sobre a crise vivida na Europa em relação ao aumento nos preços de gás natural (em sua maioria proveniente da Gazprom da Rússia). “Não é uma questão de sermos ou não dependentes demais de uma empresa”, respondeu Macron. “É sobre como criamos alternativas. As únicas alternativas são as energias renováveis e, é claro, a energia nuclear europeia”.

A Alemanha precisa eliminar legalmente a energia nuclear até 2022. Mas, quase metade dos países membros da União Europeia (13 de 27) continua a ter programas para seu uso. Dentre eles, a França gera metade da eletricidade nuclear produzida em toda a Europa. A União Europeia não estabelece políticas para a energia nuclear além do tratado da Comunidade Europeia da Energia Atômica (Euroatom), assinado em março de 1957 com o objetivo de permitir o desenvolvimento pacífico da energia atômica. Em grande parte dos países da UE, o interesse em desmantelar os reatores de energia nuclear é muito baixo. Na verdade, o interesse que cresce cada vez mais é o de incluir a energia nuclear na transição de combustíveis à base de carbono em combustíveis “verdes”.

“Não existe urânio na França”, disse-me Jean-Luc Mélenchon, líder do La France Insoumise — um partido democrático socialista francês. “Ele é importado principalmente do Níger e do Cazaquistão”. Na França, uma a cada três lâmpadas é acesa com o bolo amarelo de urânio proveniente do Níger, sendo a maior parte desse minério retirada de minas em Arlit, localizada cerca de cinco horas ao norte da capital Agadez. O município é uma fortaleza de empresas de mineração. Além da controlada pelo próprio governo do país, existe uma série de empresas francesas, com destaque para Areva. A estrada que sai de Arlit é conhecida como a Rodovia do Urânio. As forças armadas da França guarneceram o Sahel, “da Mauritânia de uma ponta ao Chade na outra”, com a operação militar de cunho “antiterrorista” Barkhane (iniciada em 2014). Barkhane está sediada em N’Djamena, capital do Chade. A guerra é o que faz as luzes se acenderem na França.

Há um eco crescente entre os testes nucleares coordenados pela França em Mururoa e Fangataufa entre 1966 e 1996 e as operações militares no Níger.

Deixando a energia nuclear de lado

Mélenchon será o candidato da oposição nas eleições presidenciais de abril de 2022, disputando com Macron. Parte de sua campanha é destinada à luta contra a energia nuclear. “A energia não está mais barata”, relatou-me. “O preço atual da eletricidade nuclear já é mais alto que o de muitas fontes renováveis”, ele completa. O custo de descarte e o da água para refrigerar os reatores é imenso, sendo frequentemente tido como externalidades pelas empresas de energia. Segundo Mélenchon, a energia nuclear “é como combustíveis fósseis, uma energia do passado”.

Para ele, existem três métodos capazes de mudar o rumo das coisas: sobriedade energética, eficiência energética e energia renovável. Forças do vento e das ondas, assim como a energia solar, são opções necessárias. “Livrar-nos da energia nuclear não é uma questão técnica, mas política”, conta-me Mélenchon. “É uma necessidade. As previsões científicas alarmantes quanto ao clima e à ameaça nuclear exigem isso. Devemos começar imediatamente. Ninguém inventou a eletricidade tentando aperfeiçoar uma vela. Assim como uma vela sem chama, radioatividade sem perigo não existe”.

Se Macron tivesse levado o povo da Polinésia Francesa a sério, talvez ele tivesse aprendido essa lição.

Este artigo foi produzido por Globetrotter.


Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. É um membro e correspondente-chefe na Globetrotter. É o diretor da Tricontinental: Institute for Social Research. É um membro sênior não-residente na Chongyang Institute for Financial Studies, da universidade chinesa de Renmin. Escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seu livro mais recente é Washington Bullets, cuja introdução é de Evo Morales Ayma.


Traduzido do inglês por André Henrique Zambolli / Revisado por Graça Pinheiro.