O CAPITALISMO é o sistema que predomina no mundo. Pode-se afirmar, sem risco de errar, que o mundo é movimentado pelas ideias e práticas capitalistas; da organização da economia até às relações sócio-históricas a vida é organizada pelo SISTEMA CAPITALISTA. E nem vale entrar aqui na questão sobre se China, Cuba e Coréia do Norte, entre outros por aí, são ou não capitalistas. Isso porque o mais importante nestas linhas é se perguntar se o dinheiro é ou não a mercadoria universal e se o lugar que o dinheiro ocupa nos diz sobre o modo como nos organizamos na vida social. Trata-se de qualquer dinheiro, se digital ou físico, se dólar, euro, real ou bitcoin, se de ambientes físicos ou não, ou seja, quaisquer que sejam as formas concretas que assume, as funções que o dinheiro assume e o lugar que ele ocupa na nossa vida estão valendo para as letras aqui.
De um jeito ou de outro, de uma forma ou de outra, é com dinheiro que se troca qualquer outra coisa, seja qual coisa for. Isso, por sua vez, engendra no cérebro dois equívocos: o de que o dinheiro é capital e o de que há um valor contido nele e nas coisas que ele faz comprar. Nem uma coisa nem outra coisa. Dinheiro é uma mercadoria que se torna, na vida social, uma mercadoria universal. Ele pode ser usado para produzir mais valor ainda, aí ele se torna capital e pode servir a esse investimento: quem o movimenta assim são os capitalistas, transformando o dinheiro em mais dinheiro. Mas, também, e fundamentalmente, ele é usado para comprar as necessidades das pessoas, sejam elas quais forem, servindo, assim, para outro tipo de “investimento”; por exemplo pode servir para “investir” em instrumentos musicais, em fantasias, em computadores diversos. Assim, somente por essa função do dinheiro – dinheiro para a circulação de mercadorias – podemos comprar coisas para consumir, coletivamente ou individualmente. E sem essas coisas não podemos viver, são as nossas necessidades materiais e espirituais. Isso significa que o dinheiro, no sistema capitalista, é condição para o viver. Ora, mas toda “coisa” que existe é mercadoria? Sim e não. Vamos por partes.
Para uma coisa ser mercadoria ela precisa existir num sistema de trocas, ou seja, numa economia mercantil. Pois numa economia não mercantil, as coisas que satisfazem as necessidades humanas não são vendidas e compradas, então são só “coisas”, mas não se transformam em mercadoria. Para se transformarem em mercadoria, precisam entrar numa relação de troca: troco um violão por vinte livros, ou troco um saco de batatas por dois sacos de limões. Se tornam mercadorias porque passam a funcionar pelo seu valor concreto (fazer limonadas e batatas fritas), mas, também, pelo seu valor abstrato (digamos, nessa troca um saco de batatas custa dois sacos de limões: os dois sacos de limões passam a ser uma espécie de espelho do valor das batatas, mas de um valor que diz respeito às suas quantidades. Assim, esse sistema de troca permite uma infinidade de trocas: batatas com limões, com livros, com violões, e por aí vai…
Quando uma dessas mercadorias se torna o padrão para as infinitas trocas, ela passa a ser a mercadoria-dinheiro, pois ela passa a funcionar para fazer as mercadorias circularem, como uma espécie de espelho dos valores de todas as outras. Esse dinheiro é a FUNÇÃO que a mercadoria vai exercer, a função UNIVERSAL de espelhar e expressar os valores de todas as outras, de modo a permitir que as coisas circulem e cheguem, enfim, às nossas mãos para o consumo. O dinheiro, assim, é essa mercadoria UNIVERSAL, ou seja, ela vai funcionar para espelhar os valores equivalentes, como uma necessidade mesmo do sistema de trocas.
No desenvolvimento da história muitas mercadorias diferentes funcionaram como “dinheiro” até que o ouro passou a ser a mercadoria universal para servir como dinheiro mundial. Então, dinheiro é a função que uma mercadoria assume no mundo mercantil e precisa ser de um material adequado para essa função, não pode estragar na esquina, precisa ser duradouro. Temos, assim, o dinheiro sob a forma material de café, de papel, de metais e até mesmo de símbolos virtuais, pois o que vale é a função que ele exerce como materialização dos valores de todas as outras coisas-mercadorias e como único meio de adquirirmos o que é necessário para viver. A partir daí já sabemos o que acontece: endeusamos o dinheiro acreditando que existe valor nele mesmo, na sua matéria, na coisa que ele é, como se ele tivesse valor. Mas não tem. Poderíamos trocar batatas por limões, por exemplo, sem a mediação do dinheiro. Ou poderíamos planejar coletivamente produzir e distribuir batatas, limões e tudo o mais para todos, para satisfazer as nossas necessidades, sem tornar tudo mercadoria. Mas nesse sistema isso não é possível: só podemos ter acesso às necessidades por meio do dinheiro. Ele é o meio para adquirirmos as coisas que são as condições básicas para existirmos nesse mundo como pessoas.
É necessário também explicar o universal aqui. Não se trata de um universal ontológico, mas um universal porque é a mercadoria que pode ser trocada por qualquer outra mudando, apenas, a quantidade. E, no sistema capitalista, com seu modelo de troca alicerçado no individualismo que oculta a dimensão coletiva do trabalho e da produção das mercadorias que fazem o sistema existir, é com dinheiro que as pessoas asseguram a sobrevivência. E isto direta ou indiretamente. Seja porque uma pessoa paga um IPTU, um IPVA, um INSS ou qualquer um desses ou mais uns dez que existam por aí, ou porque compra a comida. É, a comida é mercadoria trocada por outra mercadoria que é o dinheiro. Na maioria dos locais físicos, a mobilidade também exige a troca das coisas por dinheiro, ou seja, a troca das “mercadorias que valem pelo seu uso” por “mercadoria-dinheiro, que vale como espelho medidor de valor”, assim como a luz, o gás, o aluguel, e assim não tem fim. Afinal para usar o meio de comunicação mais próximo das pessoas, o computador de mão, também é necessário a mercadoria dinheiro. Eis o que aqui é apresentado como universal para a mercadoria dinheiro. E eis aqui mais uma razão para que a RENDA BÁSICA INCONDICIONAL E UNIVERSAL seja uma bandeira para ser conquistada no agora. Universal porque garante, como mercadoria-dinheiro, a compra das necessidades humanas fundamentais. Essa é uma bandeira fundamental para todos os setores da sociedade. Significa que a renda básica universal se torna a condição de realização do direito fundamental à vida, pois a função universal do dinheiro é possibilitar o consumo das mercadorias que são necessárias para viver. Garantir essa condição não pode estar restrita ao emprego e ao salário, pois para uma parte imensa da humanidade, e por razões estruturais essa possibilidade não está dada.
Os capitalistas com mais conhecimento acumulado (e não necessariamente burgueses) dirão: com a renda básica o consumo, a venda, a participação das pessoas no mercado vai ampliar e, com isso, também o lucro. Por outro lado, as pessoas que defendem a garantia da vida e da melhor vida, por meio da política e do ativismo social, serão também defensoras da RENDA BÁSICA INCONDICIONAL E UNIVERSAL. Para além de um instrumento que possibilite o fortalecimento das condições para sobreviver e viver, trata-se também de “insumos” que podem colaborar – e muito – para a compreensão e para a ação na sociedade. Fortalecendo assim as pessoas como sujeitos sociais no zoon politikon que move o homo sapiens.
A mercadoria dinheiro pode ser usada como um dos elementos fundamentais para o investimento no lucro ou mesmo para o investimento na vida. Seja em que formato, digital ou material, o que o como incidirá depende do que será feito por homens e mulheres.
Essas são as primeiras linhas, das outras que virão, para afirmar, sem crise com o conhecimento, que o dinheiro é a mercadoria universal no capitalismo e que, pela função que exerce, é a condição para o viver.
Ainda será necessário responder a algumas indagações: por que, afinal, as mercadorias necessárias à vida não chegam para todos? Garantir a renda básica incondicional e universal é possível? Como? Mas o dinheiro não deve ser adquirido pelo trabalho, como salário? A renda básica incondicional deve ser vista como um direito? Por quê?
São perguntas para as linhas que virão. São muitas perguntas. É preciso, como dizem, “a paciência do conceito”. E todas as ilusões se desmancharão no ar.