CONTO
Por Valéria Soares
O avião decola do aeroporto de Brasília. Nos últimos assentos, um grupo – aparentemente da mesma família – faz uma saborosa algazarra no momento em que a nave se despede do solo. Os gritos, risos e piadas lembram uma excursão escolar. Difícil não lembrar daqueles tempos quando entrar em um túnel ou acenar para desconhecidos no trânsito eram motivo de felicidade.
Nos últimos assentos, há uma gentil insubordinação acontecendo: a alegria simples e sem vergonha de ser, ainda que os tempos sejam bicudos.
Os pescoços torcidos buscando pelos autores de tal rebeldia nem sempre são simpáticos, no entanto o agradável sotaque nordestino percorre o ambiente e mexe com todos.
Inevitável pensar por que tantos se incomodam com a presença popular nos aeroportos, a ponto de discursarem contra tal fato. A alegria, a satisfação, o bem-estar incomodam. Pessoas felizes pensam com maior liberdade, veem a vida com clareza. Certamente, são mais difíceis de serem enganadas. Talvez por isso, o povo nordestino tenha conseguido manter tão assertivamente seu ponto de vista. Embora houvesse motivos de sobra para o engano, a capacidade de análise, a coerência e a atitude deste povo não se deixou contaminar. O segredo pode estar aí: na felicidade despreocupada, mas consciente. Na felicidade que não se contamina e não se dilui diante do adverso, mas resiste e contagia com a inteligência e a coragem inerentes ao povo do nordeste.
Que saibamos, no mais simples comportamento, dar o exemplo de que ser exige mais do que força, perseverança.