Por Pierre Jasmin, auxiliado por Izabella Marengo, vice-presidente da Les Artistes pour la Paix
Panorama de uma história trágica
Nesta foto do filme Nuestras madres, todas as mulheres superaram o medo que ainda aparece em seus rostos com sua determinação. O diretor e roteirista César Díaz escolheu todas, da mesma aldeia, por terem perdido seus maridos assassinados na Guatemala, há mais de trinta anos. A maioria foi estuprada pela polícia militar (fortemente apoiada pela CIA, para garantir que a exploração americana continuasse), sem sindicatos ou ativistas de direitos humanos para protestar contra um genocídio racista que atacou principalmente a população indígena entre 1966 e 1992.
Duas figuras contrastantes se destacam na história da Guatemala, o ex-presidente, soldado treinado pela infame Escola das Américas no Panamá, e ditador guatemalteco Efrain Rios Montt que morreu em seu leito após ter escapado, devido a manobra de seu advogado, de uma condenação por genocídio em 2013: mais de duzentos mil extermínios e quarenta e cinco mil desaparecidos, para uma população de dez milhões na época, um taxa obviamente genocida, considerando os nativos principalmente visados.
E Rigoberta Menchu, da etnia maia-quiché cujo pai foi assassinado e queimado pelos militares, participou da preparação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 1991, a qual só obteve consentimento real no Canadá após trinta anos, em 27 de maio. Em reconhecimento ao seu trabalho pela justiça social, ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1992 e foi nomeada em 1993 como Embaixadora da Boa Vontade da UNESCO. Ela nos conheceu graças à l’AQOCI e à ONG Presença indígena[i].
Os Estries tiveram o privilégio de desfrutar de um festival internacional de alta qualidade, como o Festival Cinéma du Monde Sherbrooke (FCMS). Devido às limitações da pandemia, assumiu uma forma original, a de verões fcms, às quintas-feiras, com três filmes por dia. No ano que vem, dependendo do empenho da população para ser duplamente vacinada (não tripla! O sul precisa de vacinas!), ele voltará à sua fórmula tradicional em abril.
Atenção, obra-prima!
Escrito e dirigido por um filho da Guatemala, César Díaz, Nuestras madres alterna cenas de suspense e interações humanas de intensidade avassaladora, com silêncios respeitosos nos diálogos naturais, por vezes intercalados com música discreta ou mesmo festas frenéticas. Tudo é acertado neste filme que ganhou a Câmera de Ouro no Festival de Cannes – 2019. Apesar do desejo de filmar apenas com guatemaltecos, o diretor teve que recorrer, ao mesmo tempo que deu as boas-vindas, a dois conhecidos atores profissionais mexicanos, Emma Dib e Armando Espitia, para os papéis principais de mãe e filho.
KFilms Amerique e Media Films: “Guatemala, 2018. O país vive em meio ao julgamento dos militares que iniciaram a guerra civil. Os depoimentos das vítimas estão relacionados. Ernesto, um jovem antropólogo da Fundação Forense, trabalha para identificar os desaparecidos. Um dia, através da história de uma velha aldeã, ele pensa ter detectado uma pista que lhe permitiria encontrar o rastro de seu pai, um guerrilheiro que desapareceu durante a guerra. Contrariando o conselho da mãe, ele se joga de cabeça no caso em busca da verdade”.
O jovem Diaz, em pessoa, durante a busca pelo seu pai, guerrilheiro desaparecido, ficou maravilhado com os testemunhos de mulheres da aldeia, cuja resistência ele homenageia através do título de sua obra. Ele afirma com razão como A GUERRA CIVIL NA GUATEMALA PERMANECE IGNORADA. Na Guatemala, assim como em Honduras, região de onde fogem milhares de refugiados há cinco anos (os quais Trump queria esmagar com seu muro), os americanos instalaram um ditador militar em 1954, para controlar o cultivo da banana pelo qual não pagavam quase nada, apenas desenvolviam a rede ferroviária e elétrica para o seu transporte. Um dia, diante do movimento revolucionário indígena que reivindicava o devido valor para a população, os americanos iniciaram uma guerra bárbara que durou até 1996.
[Sem minimizar a tragédia das mulheres afegãs, permita-nos escrever, nesta semana em que a propaganda da mídia transformou todos os afegãos em vítimas, inclusive os colaboradores dos americanos que eram guardas de prisão ou cultivadores de papoula para o comércio lucrativo da heroína, cuja ação de salvar as mulheres afegãs é infinitamente mais complicada do que o simples dedo mínimo que o Canadá, com compaixão ideologicamente direcionada, poderia ter levantado para salvar os nativos do genocídio e hoje ajudar seus sobreviventes].
“Se os 200 mil mortos não fossem indígenas, mas brancos ou mestiços, o mundo falaria mais sobre isso”, diz Díaz. O trabalho de restituir os corpos desaparecidos às famílias é dolorosamente lento, realizado por uma única associação independente, que nunca quis ter vínculos com o Estado culpado, e que trabalha com fundos americanos, holandeses e canadenses. O trabalho é caro e interminável porque não sabemos onde estão todas as covas. Nós as descobrimos quando as pessoas das aldeias decidem falar. A maior cova que a associação encontrou até agora está localizada em uma base militar e foi muito difícil ter acesso a ela. Lá, foram encontrados 165 corpos. Seria necessário um esforço nacional para que cada guatemalteco pudesse doar seu DNA, a fim de constituir um gigantesco banco de dados. Em vinte anos, estima-se que apenas 1% dos desaparecidos foram identificados até agora. Se tivéssemos acesso aos arquivos militares, iríamos mais rápido. Os acordos de paz foram assinados com base na “reconciliação nacional” que não permite avanços. “Eu não te digo nada, você não me diz nada, eu não te julgo, você não me julga… e nada sai do lugar”. “Nossas mães” do título, são as verdadeiras guardiãs da memória guatemalteca, elas mantêm o país. Se elas o deixarem, ele desmorona. Elas guardam a memória, o cotidiano, a educação e transmitem conhecimentos, apesar do patriarcado. As mulheres ainda sofrem com a violência diária”.
Você sofreu violência durante as filmagens? “Eu estava preocupado com a violência cotidiana na cidade. Enquanto filmávamos, tanto em ambientes internos quanto externos, tínhamos guardas armados o tempo todo, com vários círculos de segurança, inclusive a Polícia Nacional. Em geral, eu poderia filmar onde quisesse, até mesmo no tribunal”. O diretor acredita que a ignorância cinematográfica dos militares os impediu de perceber o material subversivo de seu filme, caso contrário, teriam agido para impedi-lo. Mas, via de regra, ele descobriu que “não há qualquer vontade política” [veremos se nossas sepulturas dentro de nossas escolas residenciais indígenas serão diligentemente investigadas, mesmo que os conservadores consigam recuperar o poder].
Notas
[i] http://www.artistespourlapaix.org/?p=20633
O artigo original pode ser acessado aqui
Traduzido do francês por Aline Arana/Revisado por Samila Matos