CONTO
Por Valéria Soares
As mãos ágeis dão forma a mais uma encomenda. Tecem em lã o desejo de alguém, na velocidade do som. A mulher de metro e meio, se tanto, observa os carros passando a vinte quilômetros por hora e a vizinha no tanque. Conversam. Enredam dúvidas e certezas; criam novas histórias da vida alheia sem nenhum pudor. Parecem amigas e são até que deem as costas uma à outra.
O ruído do motor na tarde, as mulheres que chegam e saem o molde sobre a mesa, a almofada de alfinetes …
A mulher grita com os filhos no quintal, abre a Manequim, faz sugestões… Anota as medidas de mais uma freguesa, ouve histórias. Discreta, silencia. O breve olhar diz: “Criança não participa da conversa dos adultos”.
A mão na máquina, o pé no motor, a casa, os filhos. A vida sutilmente alinhavada.
Sangue de vísceras sob as unhas, a pele encardida pela fumaça transformam-na em objeto do medo pueril. “Solteirona, feia, esquisita…” Vende chouriço e morcela. D. Zinha da morcela. ” Vou te dar pra D. Zinha!” – amedrontam.
Contrariando; seu riso agudo é fácil. Ri, porque é feliz. Ri, porque é bastante a vida que tem.
Feminina, enfeita a casa com cheiros doces, memórias afetivas, com alegria subversiva; com amor.
Briguenta, exigente, corajosa: mãe.
Sedutora, bonita: mulher.
Constrói a vida que deseja nos espaços que tem.
Espera, esperneia, discorda, concerta.
Luta, porque é;
Luta, para ser.