- Mounir Satouri ((Grupo dos Verdes / Aliança Livre Europeia, EELV)
- Jordi Solé i Ferrando (Grupo dos Verdes / Aliança Livre Europeia, Esquerra Republicana de Catalunya)
- Diana Riba i Giner (Grupo dos Verdes / Aliança Livre Europeia, Esquerra Republicana de Catalunya)
- Özlem Demirel (O grupo de esquerda no Parlamento Europeu – GUE / NGL, Die Linke)
A Alemanha, Espanha e França firmaram uma parceria na indústria de defesa nos últimos meses, cujas consequências para a política da dissuasão nuclear francesa podem ser irreversíveis. O compromisso de Berlim e Madri por meio da parceria industrial a longo prazo no sistema de combate aéreo do futuro (Scaf) provavelmente levará à divisão da “carga nuclear” francesa. Um assunto que nossos governos evitam cautelosamente discutir publicamente, o que representa um problema real em nossas democracias.
A França é a única potência nuclear da União Europeia, que dispõe de um arsenal de 300 ogivas divididas entre o seu submarino e as forças aéreas. Além das ações permanentes de modernização, Paris acaba de lançar um programa de renovação de todo o seu arsenal nuclear. A Alemanha possui armas nucleares americanas em seu território, em Büchel, estacionadas na estrutura da OTAN. E a Espanha está comprometida – sendo membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) – a nunca contribuir para o desenvolvimento de armas nucleares. Sem esquecer que estes três Estados se comprometeram a “prosseguir de boa fé” e “em breve”, “a cessação da corrida armamentista nuclear” e “ao desarmamento nuclear”, de acordo com o artigo VI do TNP.
Desde o início do seu mandato como Presidente, Emmanuel Macron mostrou um claro desejo de fortalecer não só a europeização da política de defesa, mas também a da dissuasão nuclear. Seu desejo de ver o surgimento de uma cultura estratégica europeia não pode ser dissociado daquele de impor a política de dissuasão nuclear francesa, incluindo a doutrina do “alerta nuclear” que prevê o primeiro uso de uma arma nuclear. Uma potência de 300 quilotons ( 20 vezes a bomba em Hiroshima) disparada por um Rafale, da Força Aérea Estratégica.
Em fevereiro de 2020, o Presidente Macron revelou mais um passo em suas ambições, ao desejar desenvolver um diálogo estratégico “com nossos parceiros europeus sobre o papel da dissuasão nuclear francesa em nossa segurança coletiva” e ao propor aos parceiros europeus que assim o desejassem. (Alemanha, Espanha?) Adesão aos exercícios das forças de dissuasão francesas”. Um passo importante foi dado. A França encoraja os Estados da Europa a renunciarem aos compromissos de “boa fé” assumidos com o TNP.
Tanto a Alemanha quanto a Espanha permaneceram publicamente silenciosas sobre esta oferta de exercício nuclear. Porém, estamos surpresos de ver que, sem um verdadeiro debate público sobre as apostas “nucleares” deste programa, eles se envolvam na cooperação industrial no Scaf. Este projeto franco-alemão-espanhol é o maior projeto de armamento deste século. As primeiras estimativas do projeto global (caça e drone) são da ordem dos 100 bilhões de euros, provenientes de fundos públicos. Já na fase 1B (2021-2024), esses Estados pagarão 3,5 bilhões de euros (apenas para o SCAF); um custo compartilhado entre eles igualmente.
Conforme já foi anunciado, essa futura aeronave de combate será dotada de capacidade nuclear, de forma a permitir à França substituir o seu Rafale até 2040, para renovar as suas forças aéreas estratégicas. No entanto, em sua audiência em 17 de março de 2021 na Assembleia Nacional Francesa, o General Eberhard Zorn, Generalinspekteur do Bundeswehr, indicou que “no que diz respeito a assuntos nucleares e dissuasão nuclear, não sei quais são os projetos relativos ao Scaf e aos seus possíveis equipamentos de armamento nuclear”.
Esta resposta é um indicativo da recusa das autoridades alemãs de se pronunciarem sobre este assunto delicado. Estamos sendo solicitados a ignorar e tapar o sol com a peneira? O parlamento alemão, o Bundestag, aprovou, em 23 de junho, um orçamento de 4,5 bilhões de euros, necessários para cobrir a fase de execução de uma demonstração até 2027. Como é que nenhum parlamentar ou cidadão alemão foi informado de que dinheiro público irá financiar uma aeronave de armas nucleares para a França? Esta informação também parece ter escapado aos cidadãos espanhóis – dos quais convém citar que 89% são a favor da adesão da Espanha ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares (sondagem YouGov, novembro de 2020).
Ao comprometer-se com este programa de dimensão nuclear, significa que os governos alemão e espanhol pretendem apoiar a futura nuclearização da defesa europeia? Uma coisa é certa, para o governo francês esta aventura não é apenas industrial, é mais uma peça para manter a porta aberta a uma europeização da dissuasão francesa.
Nossas democracias merecem total transparência e um amplo debate sobre os assuntos que envolvam as gerações atuais e futuras. Nada ainda foi decidido de forma irreversível, é hora de questionar as reais intenções deste projeto.
As ações de nossos Estados são vigiadas em todo o mundo. Devemos investir na estrutura de segurança deste continente, fortalecendo o regime global de não proliferação nuclear, e não acelerando sua erosão.
Construímos em conjunto uma parceria em toda a Europa para buscar uma paz duradoura, não para nos envolvermos na cooperação militar nuclear. Devemos trabalhar pela segurança e estabilidade humanas na Europa e no mundo, não para aumentar os riscos nucleares cada vez maiores.
Traduzido do francês por Aline Arana/ Revisado por Adriana Lamour