O tempo está se esgotando para que se alcance algum tipo de solução para o problema do não cumprimento do acordo nuclear iraniano e estadunidense, também conhecido como Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA). Por isso, Pressenza entrevistou o embaixador iraniano Ali Asghar Soltanieh. Nesta entrevista, abordamos a história do programa nuclear do Irã, os benefícios que um programa desse porte poderia trazer ao povo iraniano e as razões pelas quais o Irã não tem intenção de desenvolver armas nucleares. Falamos, ainda, sobre o amparo legal para que tenham instalações nucleares em operação e o que um resultado bem-sucedido para o Acordo Nuclear do Irã poderia significar para as negociações da ONU, no sentido de se estabelecer uma zona livre de armas de destruição em massa no Oriente Médio.

Antecipamos os nossos agradecimentos a David Andersson, de Nova Iorque, pela assistência técnica. Convidamos os nossos leitores a assistir ao vídeo, em nosso canal no YouTube, que é legendado e cuja transcrição editada pode ser encontrada logo abaixo.

Pressenza

Ali Asghar Soltanieh foi embaixador do Irã acreditado junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena. O embaixador Soltanieh é físico nuclear por formação e trabalhou como professor associado em faculdades de ciências e relações internacionais em várias universidades, entre 1988 e 1997, período em que ministrou cursos de física nuclear.

Na década de 1990, participou, como físico nuclear e diplomata sênior, na qualidade de enviado especial, delegado, negociador principal e palestrante convidado em numerosos eventos internacionais sobre desarmamento e segurança internacional, além de ter trabalhado em estreita colaboração com as organizações científicas e técnicas internacionais de destaque, como a ONU, a AIEA e a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW), dentre outras. O embaixador Soltanieh também faz parte do programa do Instituto das Nações unidas para Investigação sobre Desarmamento (UNIDIR) sobre o grupo de referência da Zona Livre de Armas de Destruição em Massa (ADM).

Embaixador Soltanieh, muito obrigado por atender ao convite de Pressenza.

Antes de mais nada, poderia nos falar sobre o programa nuclear iraniano, qual o propósito e que benefícios esse programa poderá trazer ao povo iraniano?

Emb. Soltanieh

É um grande prazer conversar com você. Vou tentar fazer um breve resumo do programa de atividades nucleares do Irã desde o seu início. Esse programa começou com o Reator de Pesquisa de Teerã em 1967 e contou com a participação dos EUA. Claro que o mesmo reator foi oferecido ao Paquistão, à Índia, a Israel e ao Irã, sob um pacote dos chamados “Átomos para a Paz”, expressão muito usada àquela época. O primeiro combustível deste reator foi 93% enriquecido, ou seja, um reator de pesquisa de 1,5 megawatts. Estava trabalhando antes da revolução no reator como cientista nuclear em física de nêutrons, fiz pesquisas sobre a captura de nêutrons a partir de espectroscopia gama e tinha artigos publicados. Esse reator precisava do combustível, do novo combustível e, antes da revolução, tínhamos um contrato com os EUA para um novo combustível. O combustível estava pronto para ser enviado. Então, em 1979, após a revolução da República Islâmica do Irã, fui nomeado diretor do mesmo centro onde eu trabalhava como pesquisador, o Centro de Pesquisa Nuclear, onde estava localizado o reator.

O fornecedor me informou que o combustível estava pronto para ser enviado, mas o governo dos EUA não estaria emitindo a licença de exportação. Isso foi um grande impacto, porque já tínhamos pagado quase tudo e o combustível era necessário, uma vez que estávamos prestes a produzir isótopos radioativos para hospitais. Depois disso, fui para Londres. E eles vieram para Londres. Conversamos. Eles me mostrariam todos os documentos comprovando a propriedade do reator, assim eles me disseram. Até me convidaram para ir visitar o combustível que estava pronto, mas disseram que o governo deveria emitir a licença. E até este exato momento em que converso com você, eles nunca nos devolveram o dinheiro que receberam. Nem eles pagaram e nem nós recebemos o combustível. Esse é um ponto.

Depois do fim da revolução – vale a pena lembrar aqui que seriam necessários capítulos e mais capítulos de discussões sobre esse tema – os EUA e os europeus estavam competindo para ver quem teria um programa de energia nuclear em conjunto com o Irã. E o Xá pretendia ter 23.000 megawatts de energia elétrica, o que era uma meta ambiciosa demais, é claro, para aquela época. Era pura cobiça. A demanda da rede elétrica não chegava a 5.000 MW, mas claro que não se tratava apenas da usina nuclear, mas de todas as diferentes fases de enriquecimento do ciclo do combustível. E o que posso dizer é que, mais tarde, é claro, os EUA até estavam prontos para esse enriquecimento, que seria um enriquecimento a laser. E por conta da Revolução, alguns componentes vieram, não eram os mais apropriados e, portanto, formalizamos, é claro, uma queixa, mas de qualquer forma eles estavam prontos para trabalhar em todo o processo do ciclo do combustível nuclear: desde a mineração até o reator, incluindo o gerenciamento de resíduos. Mas depois da Revolução, tudo parou. E aqui temos mais um ponto.

Mas o primeiro ponto importante é que, após a Revolução, houve uma discussão séria (soube disso, porque eu estava na área de produção de energia nuclear), sobre se teríamos que continuar fazendo parte do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que foi assinado e ratificado durante o governo do Xá, ou não, porque muitos acordos foram revistos após a Revolução. Por fim, tomou-se a decisão no sentido de que, considerando que não tínhamos a opção de fabricar armas nucleares, não iríamos aderir ao tratado. No entanto, decidimos continuar a ser parte do TNP e até mesmo fortalecer nossa relação e trabalho com a AIEA. E foi por essa razão que, após a Revolução, decidiu-se que estabeleceríamos uma missão diplomática junto à AIEA e eu fui o primeiro embaixador, em 1982, a vir para Viena para fortalecer os laços e trabalhar em parceria com a AIEA. E isso é apenas uma parte do fato. Há algo importante a respeito dessa questão de se o Irã queria ou não fabricar armas nucleares. Um dia, eu estava ouvindo o meu rádio de ondas curtas (naquela época não tinha nada de internet), como fazia todos os dias, em busca de notícias que pudessem ser úteis à minha missão em Viena, quando soube que o pai da Revolução, o Aiatolá Khomeini, estava falando ao povo. E teve uma coisa muito interessante naquele discurso. Ele estava falando sobre armas nucleares. Ele disse que a séria ameaça à segurança internacional eram as armas nucleares dessas duas superpotências: os EUA e a (extinta) União Soviética. E essa fala foi interessante, considerando que ele estava falando para a mídia, pois ele disse que convidou estudiosos, escritores e intelectuais de todos os países a se levantarem e se posicionarem junto ao Irã contra essas duas superpotências para destruir as armas nucleares. E, portanto, essa foi a primeira mensagem histórica. E até agora raramente se pode encontrar essa importante mensagem, de quem foi o pai da revolução, posicionando-se contra as armas nucleares. Esse é um ponto.

Então decidi que deveria ter acesso a esse texto, imediatamente. Pedi a Teerã que me enviasse o texto, traduzi-o e depois o enviei à AIEA para redistribuí-lo entre os estados membros da AIEA. Depois disso, recebi uma nota da AIEA que, como esse tema não era relevante para a AIEA, não poderiam sequer colocá-lo nos escaninhos dos representantes das missões de diferentes países, o que foi muito estranho. E eu fiquei, de fato, muito decepcionado. Então decidi ir a uma das ruas de Viena e encontrei uma editora. Eu publiquei um cartão de Natal com a mensagem do Aiatolá Khomeini a respeito disso, condenando as armas nucleares. Essa é uma memória histórica de que o Irã, desde o início da Revolução, foi contra as armas nucleares. Aí, sim, temos um ponto.

Agora a questão é que as antigas empreiteiras dos EUA e cidadãos estadunidenses abandonaram os projetos, contrariando suas obrigações, tanto legais como contratuais. E estávamos enfrentando uma grande dificuldade. Um dos grandes projetos foi a Usina Nuclear Bushehr, pela qual os alemães já haviam recebido mais de oito bilhões de marcos. A usina estava quase 80% concluída e esperava-se que entrasse em funcionamento, fornecendo eletricidade em um período de um ou dois anos, talvez. E eles a impediram de entrar em funcionamento. E até mesmo os franceses tinham um projeto em Darkhovin para usinas elétricas, além do centro de pesquisa nuclear em Isfahan. Eles também deixaram o país sem cumprir suas obrigações, como mandavam os contratos. E é claro que tivemos os projetos relativos à exploração de urânio por canadenses e outros países mas verdade é que todos eles deixaram o Irã. Lembro-me que foi uma dificuldade séria pela qual passamos. No reator de pesquisa de Teerã não tínhamos combustível e, mais do que isso, os operadores do reator de pesquisa de Teerã eram estrangeiros e acabaram deixando o Irã. E o reator foi desativado. Porém, minha responsabilidade como diretor do centro era começar a trabalhar. Pelo menos fazer esse reator funcionar com aquele combustível, a menos que recebêssemos o combustível. Estávamos começando com sucesso e o nosso reator estava funcionando, até então produzindo radioisótopos. É claro que tentamos conversar novamente com eles. Conversamos com os alemães. Lembro-me que uma vez, na qualidade de enviado especial, fui para a Alemanha. Eu vi todo o estoque deles. Equipamentos de milhões e milhões de dólares e constatamos que estavam prontos para serem enviados para a Usina Bushehr, e estavam até nos cobrando por isso, pelo armazenamento, digo, mas não estavam nos fornecendo o equipamento. Portanto, não tivemos escolha a não ser ir para a (extinta) União Soviética. Nós fizemos um acordo e eles aceitaram completar e terminar o projeto.

Quero registrar a minha admiração pelo fato de que, depois do colapso da União Soviética, a Rússia tenha assumido plenamente a responsabilidade. Esse governo continuou com o mesmo compromisso que a União Soviética tinha conosco e tentou terminar este projeto. E você sabe que agora a usina está produzindo eletricidade; algo em torno de uns 1.000 megawatts. E, claro, duas outras unidades, nós fizemos o contrato.

Finalmente, estávamos enfrentando dificuldades. Tivemos a determinação de fazê-lo por nossa própria conta. Portanto, em todas as diferentes partes do ciclo do combustível, tentamos trabalhar a partir das minas de urânio. Um ponto histórico importante, técnico e de segurança, é o enriquecimento. Tenho certeza de que muitas pessoas estão preocupadas com o motivo pelo qual o Irã foi aprender a enriquecer urânio. Quero lhes dizer que durante os anos 1980, período em que fui embaixador na AIEA, até 1987, quase sete anos de negociações foram realizados em Viena em um comitê cuja missão era a garantia do fornecimento de insumos para a produção de energia. E havia a expectativa de ter um instrumento juridicamente vinculativo, uma página de um instrumento jurídico que conferisse segurança e garantia internacional para o combustível nuclear. Infelizmente, devido aos obstáculos impostos pelos países ocidentais, países industrializados, esse comitê da AIEA terminou em um total fracasso. Portanto, não tínhamos nenhuma garantia de que se tivéssemos uma usina de energia nuclear, o combustível estaria assegurado; e isso aconteceu em 1987. E de acordo com as informações da AIEA, o que pôde ser percebido desde o início dessa crise de produção de energia, na verdade, foi que o Irã partiu para o processo de enriquecimento de combustível nuclear, pensando no acordo pós-1987.

Isso foi exatamente durante a época em que estive em Viena. Naquela época também tive que deixar Viena e não tivemos escolha, senão trabalharmos nós mesmos no enriquecimento, porque nem os americanos nem os europeus (todos haviam deixado o país), e nem a AIEA, foram capazes de dar qualquer garantia de que se pudesse ter uma usina nuclear como a de Bushehr concluída ou o Reator de Pesquisa de Teerã, para os quais definitivamente precisávamos do combustível. E falei várias vezes com o Sr. Hans Blix. Hans Blix escreveu a vários fornecedores potenciais e nenhum deles nos forneceu o combustível que precisávamos e os EUA não nos tinham entregado. Portanto, essa é a razão e a origem da decisão de partir para o enriquecimento.

Pressenza

Obrigado. Pode nos falar sobre os benefícios que o programa nuclear trará para o povo iraniano?

Emb. Soltanieh

Bem, essa é uma questão muito delicada. Como cientista nuclear, posso lhes dizer, para seu distinto público, que a ciência nuclear está no mais alto padrão, que é o ponto de encontro da alta ciência com a engenharia.

Permitam-me exemplificar de uma forma muito simples. Se seu distinto público for aos padrões, os padrões industriais para soldagem, para construção, para instrumentação elétrica, se eles procurarem entre os padrões mais altos, o mais alto é chamado de padrão de qualidade nuclear, por causa da indústria nuclear. As instalações nucleares são muito sensíveis devido à proteção e à segurança nuclear, portanto, o padrão deve ser o mais alto.

Lembro que mesmo um soldador com mais de, digamos, cerca de duas décadas de experiência não foi capaz de passar no exame que queríamos para algo a ser soldado na indústria nuclear, porque a soldagem para a indústria nuclear tem uma regulamentação e um padrão muito rigorosos. Portanto, para qualquer país que embarque na indústria nuclear, engenharia nuclear, usinas nucleares, automaticamente, a ciência, a tecnologia e o padrão dos engenheiros universitários desse país estarão em alta. Portanto, esse é um dos benefícios imediatos.

Posso lhes dar um exemplo simples, quando estamos em franca atividade, temos operado com sucesso máquinas centrífugas com 1.000 rotações por segundo – você pode imaginar 1.000 rotações por segundo para separar átomos de urânio 235 e 238? – e então produzir uma máquina centrífuga para obter suco de maçã, por exemplo, isso é algo muito simples para nós. É por isso que no Irã há muitas dessas centrífugas. Depois de termos tido sucesso no enriquecimento em Natanz, agora muitas indústrias, incluindo os hospitais, têm sistemas de centrifugação. Eles vão pedir à Agência de Energia Atômica do Irã que apenas lhes aconselhe e nós não estamos mais importando esses insumos.

Há muitos exemplos como esse, portanto, esse é mais um dos benefícios. O outro benefício, como dizem claramente os documentos da AIEA, é que a energia nuclear tem uma vantagem como energia limpa e livre de carbono. E, portanto, uma usina nuclear, com parte de um sistema de produção e energia, poderia estar inserida em um arranjo de energia mista. Não queremos entrar na ambiciosa política do Xá que tinha naquela época vinte 23.000 MW, como eu disse, mas agora temos uma rede de mais de 70.000 MW e deste montante temos apenas 1.000 megawatts de energia nuclear. É claro que buscamos, modestamente, ter mais usinas nucleares, porque no final das contas os combustíveis fósseis se esgotarão. E, é claro, existe um problema ambiental com combustíveis fósseis, algo que o nuclear não tem.

Essa é outra vantagem. Mais uma vantagem é a tremenda aplicação da energia nuclear na medicina, na indústria agrícola e, de fato, meu centro foi um dos centros responsáveis pela produção de radioisótopos para cerca de um milhão de iranianos. E eles estão se beneficiando com isso. Esperamos poder exportá-lo para outros países do Oriente Médio também.

Pressenza

Portanto, se pensarmos um pouco mais sobre um programa de armas nucleares, quero dizer que a tecnologia para construir uma arma nuclear remonta à década de 1940, a ciência é conhecida, a informação certamente está disponível em algum lugar. Os cientistas do Irã, tenho certeza, têm a tecnologia, o know-how para desenvolver um programa de armas, mas tem havido uma mensagem consistente vinda de Teerã de que o Irã não está seguindo por esse caminho. Você se referiu anteriormente ao anúncio do Líder Supremo, feito nos anos 1980, de que isso não fazia parte da ambição do Irã, mas há alguma coisa além disso? Há algo mais por trás desse desejo do Irã de não desenvolver um programa de fabricação de armas nucleares?

Emb. Soltanieh

Sim. Antes de mais nada, quero lembrar ao seu distinto público que, durante a Guerra de Saddam (menção à Guerra Irã-Iraque, que durou de 1980 a 1988), ele usou armas químicas contra iranianos. Entre feridos e mortos, foram 100.000 iranianos e todos sabem que nossa indústria química era muito mais avançada do que a do Iraque. É claro que o Iraque recebeu essa tecnologia para armas químicas da Europa e de países industrializados.

Não estávamos usando armas químicas. Não pudemos usá-las, porque isso estaria em contradição com a fatwa – decreto religioso de nosso líder supremo, o fundador da revolução – e agora, é claro, o Líder Supremo, porque ele reiterou que as ADM (armas químicas, biológicas, nucleares que são as armas de destruição em massa) vão contra nossas crenças religiosas. Isso é muito claro para nós. Portanto, se o Líder Supremo, que é, de acordo com nossa Constituição, não apenas nosso principal líder religioso, mas também a mais alta autoridade do país, se ele condena esse uso em uma fatwa, ninguém está autorizado a violar essa decisão. Aí, sim, temos um ponto.

Eu disse há alguns anos, em uma conferência internacional, que além disso, você poderia argumentar: “OK, o Irã pode mudar sua decisão”, mas o que quer que seja, eu acho que estrategicamente é um erro optar por armas nucleares. Por quê?

Sem armas nucleares, o Irã é suficientemente poderoso para sentar-se à mesa de negociações com os P5+1 e conversar com eles em pé de igualdade. Lembrando que essa sigla P5 se refere aos cinco Estados detentores de armas nucleares (China, França, Rússia, Reino Unido e EUA), com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e mais a Alemanha. Agora vamos supor que o Irã decida optar por ter uma arma nuclear. Após um ou dois anos, quantas armas ou ogivas poderíamos ter? Uma, duas, ou sei lá quantas? Portanto, estaríamos em desvantagem em comparação com os milhares de ogivas que os países que estão do outro lado da mesa dispõem.

Portanto, acho que isso é um erro estratégico para o Irã, pois estaremos em uma posição mais fraca e será um erro para nós, sem falar no decreto religioso. Essa é uma posição clara para nós. No entanto, ter a tecnologia nuclear sem nenhuma limitação é um direito inalienável, de acordo com o artigo 4 do estatuto da AIEA. Não há limite indicado no TNP ou na AIEA, mesmo para o nível de arranjo. Poderíamos até mesmo ir a 93% de enriquecimento para ter o combustível para o Reator de Teerã, tal como os EUA planejavam nos fornecer (pelo visto isso ficou só no planejamento).

Agora, é claro, nosso combustível para o Reator de Teerã, nós alteramos para 20% quando o recebemos da Argentina e, mais tarde, nós mesmos o produzimos. Portanto, é claro que ter tecnologia nuclear sob as mais completas salvaguardas da AIEA é um direito legítimo, mas não vamos optar por armas nucleares, por estas duas razões: compromisso religioso, além do que, estrategicamente, não seria correto para o Irã a opção pelas armas nucleares.

Pressenza

Obrigado. O senhor vem trabalhando há muitos anos na segurança nuclear e na proteção contra ataques às instalações nucleares. O que é necessário, em nível internacional, para proteger, não apenas as instalações iranianas que foram recentemente atacadas, como assistimos na mídia, as instalações de Natanz, mas também as instalações de outros países, porque a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos também estão desenvolvendo seus programas nucleares. O que é necessário sob a luz do direito internacional; o que o senhor teria a dizer?

Emb. Soltanieh

Essa sim, de fato, é uma questão muito importante com a qual estou envolvido há mais de 30 anos. Quando cheguei a Viena em 1982, houve uma discussão política na conferência geral da AIEA, porque no ano anterior, em 1981, Israel havia atacado o reator iraquiano e o Conselho de Segurança da ONU havia condenado esse ataque em uma resolução. E, portanto, a AIEA também queria ter uma resolução sobre essa questão. E eu tinha acabado de chegar naquela conferência e houve uma discussão séria.

Gostaria apenas de fazer um breve comentário de que foi muito difícil para mim, porque Saddam estava atacando o Irã, era uma guerra que foi imposta ao Irã. E o representante de Saddam estava conduzindo uma reunião e preparando um projeto de resolução contra Israel. E os países como o meu, também fui convidado para apoiá-lo. Portanto, essa foi uma decisão histórica. Apesar de o representante de Saddam ali sentado e enquanto massacravam milhares de meus concidadãos, decidimos e eu apoiei a resolução como uma questão de princípio, porque éramos contra qualquer ataque contra qualquer instalação nuclear. Infelizmente, após algum tempo, descobrimos que, naturalmente, enquanto essa discussão estava acontecendo, um representante dos EUA naquela conferência ameaçou a todos que, se houvesse uma resolução contra Israel, então os Estados Unidos deixariam a AIEA. Como 25% do orçamento regular era proveniente dos EUA, isso significa que a AIEA iria sucumbir quanto às suas atribuições. Aquilo foi uma séria ameaça.

No dia seguinte, os iraquianos tiveram outra reunião e alguns dos países árabes foram pressionados e, portanto, estavam tentando de alguma forma enfraquecer a resolução ou adiá-la. Eu me opus àquilo e disse: “Não. Essa resolução deve seguir, porque é uma questão de princípio”. E então liguei para Teerã e obtive a aprovação – esse foi um momento histórico em 1982 –, consegui a aprovação que vou anunciar oficialmente que, se os EUA deixarem a AIEA, então o Irã compensará com um aporte permanente de 25% do orçamento. Para que pudéssemos aprovar essa resolução contra a agressão israelense e para impedir que isso se repetisse no futuro.

E, claro, eu estava certo de que aquilo era um blefe político dos EUA. Então a conferência começou e, de repente, os EUA se opuseram à discussão da resolução, porque era uma discussão para privar Israel, de acordo com o artigo 19, do direito e privilégio do Estado membro.

E quando a delegação dos EUA estava deixando a conferência, é claro que meu coração estava batendo forte, porque a avaliação que me foi dada por Teerã foi que os EUA estariam blefando e não iriam proceder daquela forma. Desde então, deveríamos ter pagado 25% do orçamento da AIEA, mas pouco depois de alguns meses, os EUA voltaram com alguma solução para salvar sua reputação e que Israel poderia prestar alguma forma de cooperação técnica.

Na sequência, o que vimos foi que Saddam infelizmente seguiu o mesmo caminho, a mesma política de Israel e mais adiante também atacou a usina elétrica de Bushehr.

E isso está no livro que eu publiquei. Espero que você possa vê-lo aqui na câmera. O Museu da Defesa Sagrada do Irã o publicou. É um livro todo documental que também traz alguns testemunhos sobre o que aconteceu na usina elétrica de Bushehr, entre 1984 e 1988. Mesmo passados alguns dias após a resolução 598 do Conselho de Segurança da ONU, que estabelecia um cessar-fogo, Saddam também atacou e, portanto, este livro tem fotos documentais, tudo e todos os documentos e comunicações e muito mais. O ponto importante é que quando eu quis publicar este livro, que é um documentário, fui conversar com Hans Blix, pois ele era o Diretor Geral na época do ataque de Saddam. E ele foi muito gentil e me escreveu uma carta a respeito dessa questão de proteção das instalações nucleares em geral, que está publicada neste livro.

Deixe-me ler a parte que é muito importante em termos históricos. Aqui diz que ele foi ativo na elaboração do que se tornou o artigo 56 de um protocolo adicional à Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949. Ele estava envolvido com essa questão, mas o importante é que, ao concluir, ele diz que nenhum ataque deve ser feito contra instalações nucleares. E ele também diz, é claro, que a proteção dos civis é o propósito humanitário mais importante para a elaboração desse documento. Penso – isto é importante – ele diz: “Acho que qualquer ação beligerante contra instalações que possam liberar material radioativo, pode ser tão grave e ser condenada como um ataque com uma arma nuclear”.

Essa é uma mensagem muito importante que parte de uma pessoa com tanto destaque internacional, que, por 16 anos, foi o Diretor Geral da AIEA. Ele considerou qualquer ataque contra instalações nucleares como se uma arma nuclear tivesse sido utilizada, pois haveria liberação radioativa. E não há, de fato, um limite porque poderia ser liberada e chegar a muitos outros países. Portanto, com base nessa resolução, propus, em 1990, uma outra. Essa resolução é chamada de 533 de 1990. Todos podem pesquisar no Google. De acordo com essa resolução, cujo texto tenho aqui à minha frente, apesar de o conhecer de cor, por isso acabei de ler a parte que diz que “qualquer ataque ou mesmo ameaça de ataque contra instalações nucleares durante a operação ou durante a construção constitui uma violação à carta da ONU, ao estatuto da AIEA e ao direito internacional, e o Conselho de Segurança da ONU deve agir imediatamente”. E em outro parágrafo digo que os outros países devem oferecer assistência técnica e humanitária a qualquer outro país.

Essa resolução é um desenvolvimento histórico fundamental e de iniciativa minha. Eu a digitei. Eu amo essa resolução. Sessenta países ou mais. E apesar da oposição dos EUA e de alguns outros países ocidentais, essa resolução foi adotada. Então, cerca de 20 anos depois, fui novamente designado como embaixador na AIEA. Em 2009, israelenses e até mesmo estadunidenses ameaçaram atacar as instalações de enriquecimento de combustível em Natanz. Em seguida, quis lembrar-lhes que existe uma resolução e, de acordo com essa resolução, Israel deveria ser chamado perante o Conselho de Segurança, pois a ameaça também constitui uma violação. Em seguida, pedi a inclusão de um tópico na ordem do dia da conferência-geral da AIEA e felizmente ele foi adotado, porque o Movimento dos Países Não Alinhados o apoiou. Finalmente, houve uma declaração de consenso da presidente da conferência, que é uma pessoa a quem admirava. Ela era a embaixadora da Nova Zelândia. Ela foi muito honesta e bastante construtiva. E um texto foi lido.

Ela fez muito lobby e promoveu muito debate sobre o tema. Assim, em vez de uma resolução, tivemos um texto de consenso da presidente da conferência, consenso eu disse, pois todos realmente aderiram ao consenso de que as instalações nucleares deveriam ser protegidas de qualquer ataque ou ameaça de ataque.

No ano seguinte, em 2010, fui a Nova Iorque como membro da delegação à conferência de revisão do TNP. E, portanto, propus novamente textos semelhantes para a proteção de instalações nucleares. E tenho orgulho de dizer que esse texto também foi aceito por consenso. Está no documento final do TNP. Com base nestes três desenvolvimentos e documentos legais históricos, estou trabalhando para chegar a uma convenção, porque o Dr. Blix, em sua carta – não queria tomar mais seu tempo – na outra parte de sua carta, ele está falando sobre a necessidade de termos uma convenção. Portanto, ter uma convenção é uma necessidade; chegar a uma convenção negociada e direcionada para esse tema e quanto mais cedo, melhor.

Agora em relação ao Oriente Médio, são mais ou menos 10 anos, estou envolvido por iniciativa pessoal. Minha iniciativa é no sentido de propor imunidade e proteção para todas as instalações nucleares no Oriente Médio como a primeira medida para fomentar a confiança naquela região. E sempre que propus isso – na Conferência Pugwash, na Conferência de Moscou, Conferência do Oriente Médio no Diálogo de Atenas – há quase 10 anos, todos o acolheram e até mesmo em Moscou, em um painel de debates onde eu o propus, havia um estrategista israelense que integrava aquele painel. Ele disse que essa é uma proposta muito boa do embaixador Soltanieh, mas como o Irã não reconhece Israel, como poderemos negociar? Eu disse que não há necessidade de negociação, apenas simultaneamente com a coordenação do Secretário-Geral das Nações Unidas, todos os países do Oriente Médio declaram que não atacarão instalações nucleares. E, portanto, é possível dar um primeiro passo histórico para proteger todas as instalações nucleares daquela região.

Infelizmente você sabe que Israel também atacou a Síria, em 2007, sob o pretexto de que eles estavam construindo o reator, o que nunca foi provado, mas de acordo com a Resolução 533, eles deveriam ter estado diante do Conselho de Segurança da ONU, porque eles alegaram que se tratava de um reator. A Síria, claro, rejeitou isso. A mesma situação ocorreu com o Stuxnet em 2012, em Natanz no Irã, tenho certeza de que você está bem ciente disso. Sem falar nos recentes casos de Natanz e da sabotagem. E só quero informá-los novamente, já que disse que em toda a minha vida estive envolvido com o tema.  Em 2012, também houve uma sabotagem no enriquecimento, porque uma parte de um componente na indústria quando ela comprou parte do combustível para as instalações, eles tinham produzido no interior daquela instalação, aquela serra usada para destruir uma das bombas foi manipulada para que depois de algum tempo ela explodisse automaticamente e, portanto, causando o apagão de todo o sistema de centrífugas, que acabou sendo desligado. 

E normalmente a gente sabe que as centrífugas, quando estão trabalhando muito rápido, elas podem se desligar e, quando acontece, isso ocorre de repente, e por isso eu trouxe a resolução da segurança nuclear da AIEA. Na área da segurança nuclear, todos os anos, um grupo de países ocidentais traz uma resolução de segurança nuclear para a AIEA. Eu perguntei e insisti até o final da noite, quando ainda estávamos negociando e, finalmente, o grupo ocidental aceitou ter um parágrafo incluído. Essa é a resolução de número 10 de 2012 sobre segurança nuclear. E incluo um parágrafo que pode expressar a preocupação de uma sabotagem na indústria nuclear em qualquer parte do mundo. Não falamos do Irã especificamente, porque uma sabotagem pode gerar um acidente nuclear e uma liberação radioativa, o que é muito perigoso, é claro.

Isto é alguma coisa que, novamente, estamos falando em 40 anos ou mais.

Pressenza

Muito obrigado. Bem embaixador, considerando todos os problemas que o programa nuclear do Irã tem causado a Teerã nos últimos 15 anos e mais um pouco, os ataques, os assassinatos de cientistas, as sanções, e considerando o custo cada vez menor das fontes de energia renováveis, por que o programa nuclear ainda é uma prioridade política tão importante para o Irã?

Emb. Soltanieh

Já falei sobre a vantagem das aplicações da ciência e tecnologia na área nuclear. Permita-me ser repetitivo. A gente não imagina a tremenda aplicação da tecnologia nuclear, inclusive para o tratamento do câncer. Temos um grande projeto de um cíclotron para a irradiação de tumores usando íons de carbono e feixes de prótons que está em andamento agora, e muitas aplicações e, claro, a energia nuclear. Mas há um fato…

Você está me perguntando sobre o Irã. Já se vão quase 70 anos desde que iniciamos nossas atividades nucleares. Eu falei em 40 anos sob sanções e mais os problemas decorrentes. Mesmo assim, temos sido bem-sucedidos em dominar a tecnologia de enriquecimento e de fato dominamos todo o circuito de combustível nuclear. Como alguém pode esperar que o povo iraniano simplesmente desista facilmente desse inalienável direito, após tantos investimentos na área política, jurídica, de segurança, além dos danos infligidos ao Irã, para simplesmente desistir? Não podemos desistir. Temos que continuar nos passos modestos que estamos dando, sob a vigilância internacional e sob o controle da AIEA e isso é, creio eu, muito simples e todos entendem isso.

Naturalmente, a respeito do uso de outras fontes de energia e alternativas, como as energias renováveis, também estamos trabalhando muito e todos os anos você pode ver nas estatísticas. Posso fornecer-lhe essas informações mais tarde. Elaborei um artigo para uma dessas conferências internacionais, que diz que, a cada ano, estamos aumentando a participação em nossa matriz das seguintes energias renováveis: solar, eólica e, claro, outras aplicações que temos para casos mais apropriados ao Irã.

Mas, ao mesmo tempo, a energia nuclear deve continuar, como disse, não de forma ambiciosa como foi na época do Xá, mas devemos prosseguir com essa que temos, gradualmente em nossa matriz energética. E é isso o que estamos fazendo.

Pressenza

Certo. Muito bem, vamos falar sobre o que o senhor pode nos antecipar sobre os dias atuais. Parece que há sinais muito encorajadores saindo de Viena sobre as conversações entre as partes do acordo nuclear iraniano, sobre o JCPOA com os Estados Unidos. Parece que haverá algum tipo de resultado positivo em relação a esse plano. Quais poderiam ser as consequências para esse resultado favorável das conversações da ONU convocadas em 2019 sobre a negociação de uma zona livre de armas de destruição em massa no Oriente Médio?

Emb. Soltanieh

Quero dizer que, naturalmente, provamos nossa vontade política de negociar e remover qualquer obstáculo, qualquer dúvida sobre nossas atividades nucleares. Durante 7 anos fui embaixador em Viena, não poupei esforços para explicar e falar algumas vezes com todos os meus homólogos. Inclusive convidei e levei os embaixadores e representantes de todos os países do chamado Movimento dos Países Não Alinhados para as instalações nucleares na Usina de Enriquecimento de Natanz e o Reator de Água Pesada na cidade de Arak, para que eles testemunhem que o Irã está  cooperando 100% com a AIEA.

E o outro ponto importante são, obviamente, as negociações. Apesar do fato de tudo esteja ocorrendo nessas sete semanas de atividades sob a supervisão da AIEA, aceitamos negociar e conversar com outros países, incluindo primeiro a UE3 (que são as três maiores potências da União Europeia), com quem estabelecemos negociações a partir de 2003. Mas, infelizmente eles não foram capazes de respeitar seu compromisso e não estavam cumprindo honestamente com suas obrigações. Portanto, tivemos que parar o enriquecimento após dois anos e meio de que o havíamos suspendido e aplicamos o protocolo adicional e o código 3.1 modificado. E então, em 2006, tivemos que interrompê-lo, porque não podíamos continuar. Tudo foi paralisado e a UE não foi capaz sequer de retirar o assunto da pauta do Conselho dos Governadores e de obter alguma cooperação, fosse de ordem técnica ou econômica. Portanto, chegamos ao número de 19.000 centrífugas, enquanto a UE3 insistia que o Irã sequer poderia ter três centrífugas, apenas o suficiente para o setor de Pesquisa e Desenvolvimento, e se mostrou disposta a convencer o povo a relaxar; que o povo fosse paciente.

E agora o fizemos novamente, em 2013/2015, só que negociando com o JCPOA. Pessoalmente, não estou satisfeito com a concessão máxima que fizemos. Essa é uma concessão sem precedentes que o Irã fez e nós não deveríamos ter ido tão longe. Quando leio o JCPOA, tenho muita pena que o Irã seja tratado assim. A inspeção mais intrusiva da história é aplicada ao Irã com base no JCPOA. E mesmo com todas essas restrições, o Irã tentou provar sua vontade política. Queremos que todos tenham certeza de que tudo é para fins pacíficos, exclusivamente para fins pacíficos, e assim o fizemos. E então, apesar da promessa de remover as sanções, mesmo a administração Obama não foi capaz de cumprir com as suas obrigações. E então veio o Trump, infelizmente, e todos vocês sabem que ele retirou os EUA do JCPOA.

E eu disse isso em uma conferência, em 2017. Foi na Conferência Pugwash, em Astana, uma frase simples, pouco antes da retirada de Trump, eu disse que isso era uma anarquia na hierarquia dos EUA. É ridículo que um presidente venha e diga que tudo o que o presidente anterior tenha exigido foi um desastre: seja um tratado bilateral ou um acordo internacional. Isso sim que é um desastre e, portanto, fomos vítimas dessa anarquia na hierarquia dos EUA. E então, mesmo durante um ano, o Irã teve a paciência estratégica. Nós não fizemos nada. Continuamos com as nossas obrigações no âmbito do JCPOA, depois tivemos que reduzir gradualmente o enriquecimento, nos termos dos artigos 36 e 26. E, então, onde estamos agora?

Não quero mais lidar com isso, mas na verdade provamos nossa vontade política e a boa vontade de colocar essas questões políticas de lado. E é claro que essas sanções infelizes e ilegais devem ser imediatamente levantadas, todas as sanções, o que prejudicou muito e, de fato, o povo iraniano se sacrificou durante a pandemia global. É fácil entender que, em muitos casos, não temos conseguido nem mesmo importar medicamentos para pacientes iranianos. Agora estamos diante de uma questão humanitária, mas esperemos que a sabedoria prevaleça em Washington e em Bruxelas e que eles entendam que o Irã é um parceiro confiável e que lidarão de maneira diferente como era de se esperar.


Traduzido do inglês por José Luiz Corrêa / Revisado por Graça Pinheiro