OPINIÃO

 

 

Por Guilherme Maia

 

 

Essa não é uma guitarra de homem rico

Nem nada que se pareça

Minha música é do andaime

Para alcançar as estrelas,

Que a música tem sentido

Quando lateja nas veias

Daquele que vai morrer cantando

As verdades verdadeiras,

Não a lisonja passageira

Nem fama estrangeira,

Mas a música de um mercado de peixes

Até o fundo da terra.

Lá onde tudo vem

E onde tudo começa.

O canto que foi corajoso

Sempre será uma nova canção”.

(Victor Jara, Manifiesto).

O JUDICIÁRIO VIROU PARTIDO POLÍTICO NO CONTINENTE”, palavras de Milagro Sala. A guerra na qual o direito é usado como arma e leva o belo nome “Lawfare” para os compulsivos anglófilos é uma realidade que vivemos. Em resumo, está expondo esse projeto em que o Poder Judiciário se tornou um braço de articulações autoritários e antidemocráticos de poder. Assim foram vítimas Rafael Correa, Cristina Kirchner, Lula e a líder indígena, dirigente da organização Tupac Amaru, deputada do Parlasul (parlamento do MERCOSUL) e autora das palavras que abrem este texto: Milagro Sala!

MUITO PRAZER EM CONHECER VOCÊ, MILAGRO

A província de Jujuy está localizada ao norte da Argentina, é muito menor geograficamente do que Buenos Aires e pertence à região mais pobre do país. Nesse lugar surge uma irresistível resistência popular. Sob o signo do eterno rei rebelde Tupac Amaru, a organização se esforça para dar dignidade aos destituídos, àqueles que o sistema excludente rejeita e estigmatiza como pobres. Assim surge o COPO DE LECHE garantindo alimentação básica para crianças carentes.

O movimento é autêntico e a base popular começa a ascender em inclusão.

Com efeito, do centro do movimento Tupac Amaru uma figura de liderança inconteste vem tomando espaços até chegar à linha de frente, trata-se de Milagro Sala.

A líder jujeña sempre soube contra o que lutava: em uma primeiro momento temos uma população estigmatizada à pobreza como algo natural, como se a miséria fosse uma determinação de um deus mau criado pelos donos do poder. Liderança é romper amarras e correntes e, por isso mesmo, Milagro Sala trabalha a emancipação de mentes e corações da falsa fé que naturaliza a injustiça como algo dado pela natureza.

Emancipando seus iguais, Milagro permaneceu à frente de uma onda libertária que conseguiu romper o silencia dos destituídos e forçar pontes. É nessa hora que consegue comunicação com Néstor e Cristina Kirchner e torna a organização Tupac Amaru uma instância fundamental para concretizar projetos verdadeiramente populares do governo argentino à época.

Como o velho ídolo da mídia a iniciativa privada mais uma vez mostrou suas insuficiências, no caso nunca houve resposta ou vontade por parte dela em desenvolver as regiões mais pobres da Argentina. Não fez e jamais faria planos de desenvolvimento na região, por que não conseguiria satisfazer seus dois vetores: maximização de lucros imediatos e diminuição de encargos e responsabilidades.

Retirada a iniciativa privada, a intelligentsia do interesse público teve de ser acionada. Milagro continuou à frente com o seu dom e sina de líder. Articulando com os Kirchner, obteve muitas benesses nunca imaginadas pelo povo de Jujuy: mais de três mil casas construídas; uma escola; um centro de saúde; três fábricas (uma têxtil, outra metalúrgica e outra de bloco de concretos), além de vinte e sete piscinas convidativas para a população, lindas mesmo como se pode observar das fotos do local.

A estratégia é simples: articulou para estimular políticas de financiamento de cooperativas visando a construção de moradias e estendeu para logradouros e até hospital e escola.

Qualquer observador com um mínimo de senso de moralidade entenderá que não sobrou outra alternativa a não ser a autonomia e a cooperação daquele povo. Aliás, essa necessidade deixada pela incapacidade da iniciativa privada e dos desmandos dos acumuladores de capital jogou o povo à tomada de consciência e, mais uma vez, Milagro soube projetar sua liderança estimulando cooperativas ao invés de individualismos.

E assim foi se avolumando o movimento de tomada de consciência e protagonismo popular, até a vitória do retrocesso nas urnas e a eleição de Mauricio Macri para presidente em 2015. Forçando mais uma vez o esgotado modelo do neoliberalismo na região, iniciou medidas de austeridade e corte de gastos com políticas inclusivas ao passo que a inflação chegou a 41% em 2016.

Nesse cenário retrocessivo, Milagro e o povo de Jujuy tiveram de enfrentar a velha oligarquia que havia organizado à sombra uma resposta à emancipação popular, encarna esse retrocesso a figura do governador Gerardo Morales. É sob a égide desse governante provincial que Milagro começa a sentir a ofensiva da reação dos donos do poder contra o povo: começa assim a perseguição à líder!

MILAGRO CRIMINALIZADA

Nós aqui do Brasil conhecemos muito bem a formulação do direito como Lawfare, diga-se de passagem temos uma das maiores aberrações jurídicas já engendradas na História DO MUNDO: Lula foi condenado às vésperas das eleições e o juiz, com base em “convicções” conjuntamente à acusação obtusa de um promotor que sequer passou na prova para preencher o cargo da Procuradoria Federal de Curitiba (era filho de promotores e saiu atuando como tal até ser agraciado por um processo que culminou por consagrá-lo procurador federal com base na teoria do Fato Consumado, ou seja, já que está trabalhando como promotor passa a ser promotor). Para piorar a vergonha, o juiz que apresenta traços explícitos de analfabetismo, – não sabe falar ou escrever corretamente, – foi nomeado ministro do opositor de Lula, o fascista louco Bolsonaro. As lutas de egolatria e ganância desenfreadas dos dois acabou por afastá-los tornando-os inimigos figadais. Tudo na base da comédia pastelão. Seria até engraçado se o poder na mão do fascista verdelindo não potencializasse ao máximo o número de mortes pela pandemia (devido ao negacionismo da doença e o projeto de necropolítica) e a perseguição e morte de lideranças populares no Brasil.

Como vivemos isso aqui, temos como entender a configuração da Lawfare no caso de Milagro Sala.

O Tribunal Criminal da província de Jujuy condenou a líder a treze anos de prisão. Milagro já cumpria prisão preventiva desde 2016.

A acusação é mais uma fraude jurídica para entrar para a história da América Latina. Como a liderança de Milagro está como dínamo de emancipação popular e ela forçou o cooperativismo como forma de suprir a incompetência e o desinteresse da iniciativa provada no intuito de desenvolver a região, sua força está nesses núcleos de política popular que, de fato, vieram provando ser eficazes e verdadeiros, não haveria outra forma mais ardilosa do que difamar sua atuação com as cooperativas.

Acontece que para conseguirem isso teriam de mentir descaradamente e, assim como fizeram no Brasil, iniciaram uma campanha de engodo aos desavisados e aos reacionários (aqueles que insistem em lutar contra seus próprios interesses) e, sempre com a mídia martelando (nunca que o Clarín e suas ânsias monopolistas perdoariam os Kirchner e muito menos a base popular de articulação e comunicação destes); resultado: desinformação e mentiras mantém Milagro Sala presa há cinco anos. Prisão explicitamente ilegal pois baseada na falta absoluta de justos motivos para a peça acusatória.

Em 2018 já havia sido absolvida por total falta de provas no caso do tiroteio de Azopardo, uma tentativa tão caricata de criminalização como o pseudo promotor Dallagnol e seu retroprojetor de piadas! (Para quem desconhece esse fato é uma deplorável tentativa midiática de naturalização da acusação contra Lula num momento em que ficou clara a ausência total de provas, o usurpador do cargo público saiu no jornal televisivo de maior projeção nas audiências e, com a maior cara de pau já vista no mundo jurídico, apresentou um retroprojetor com um quadro esquemático em que vários fatores obtusos tinham como epicentro o nome “Lula”).

Os donos do poder, o oligopólio de Jujuy, Macri e o governador Gerardo Morales forçaram e forçaram até conseguir mais uma dessas fantasias jurídicas que vêm ocorrendo na América Latina: a prisão de uma líder popular autêntica com base em acusações insustentáveis, falsos testemunhos e ausência total de provas!

O caso vergonhoso de Pibes Vileros (garotos favelados) foi o estopim para associarem Milagro a uma série de delitos inexistentes supostamente perpetrados pela organização Tupac Amaru – ora, para que decepar apenas a liderança e deixar o corpo intacto mesmo que esquartejado?

O caso é de tanta perversidade que tenho que me deter nesse ponto; aquele povo tem que se manter pobre e morrer se não de fome, de perseguição policial. Surge uma organização para tomada de consciência e produção até industrial daquele povo; organizam-se cooperativas; mas a sanha danada da acumulação de dinheiro e poder precisa manter intactas suas bases de dominação: se não conseguem mais pela falsa religião e pela ignorância, precisam adulterar o Poder Judiciário travestindo-o de servo de interesses escusos.

Para ilustrar a injustiça: a Anistia Internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos- CIDH- da Organização dos estados Americanos (OEA) declararam oficialmente a prisão de Milagro Sala como de cunho político.

Por interseção desses mesmos organismos internacionais, a prisão da líder foi convertida em domiciliar.

BRASIL FORÇA E DEFESA E OS MILAGRES DE MILAGRO

Milagre é a atuação divina sobre a realidade natural da humanidade, sempre como uma surpresa sobre o considerado como normal. Milagre vem da comunicação do indivíduo com a divindade, muitas vezes sendo reforçado pela intermediação de um ser que testemunhou em sua vida as causas transcendentais do divino em um grau quase inimaginável em comparação com a maioria absoluta dos crentes ou uma entidade anímica.

Nessa toada quero apresentar a vida de Milagro como um milagre sucedido por outro em sua caminhada. Mulher pobre e destituída, estigmatizada à ignorância e a ser submetida à ideologia daqueles que a espezinham – a ela e sua família e a seus iguais -: o fato de ela ter se conscientizado da exploração dos donos do poder sobre seu povo é um milagre, por que escapa do normal. O normal é ser servil e subserviente. A ascensão como líder é algo sempre designado como uma “unção divina” no imaginário religioso – daí mais um outro milagre de Milagro.

Não sucumbir à maldade do perjúrio com que a acusam é sinal de resistência e de natureza reforçada pela resignação dos mártires da fé.

O maior milagre de Milagro será o que diz meu amigo Eduardo Alves: “Milagre Amália Angela Sala você representa hoje a nossa disposição e solidariedade para a luta geral por um mundo diferente desse que predomina”.

Nós do Força e Defesa que nos reunimos sempre quando há necessidade de reflexão e conscientização popular estamos integrados à luta pela libertação de Milagro Sala, porque é contra a mentira e o atraso de toda a humanidade que voltamos a nossa arte.

Meu nome é Guilherme Maia, sou escritor, desenhista e articulista de Pressenza Internacional e compositor. Juntei os melhores artistas que conheço por que são perfeitos em seu senso de Justiça e amor à vida e ao futuro de todos nós.

Alan Magalhães canta com seu coração e sua verve latina pulsante em suas veias de lirismo sincopado latino, total sintonia com a utopia que lutamos com Milagro.

Amadeu Alves é uma pérola virtuosista de Itapuã, da Bahia que trança espiritualidades com poesia e liberdade. Amadeu tem os olhos voltados para o horizonte da vida e da libertação da Pachamama! Ele assimilou meu sentimento e compomos Pachacamac, por que nossa Terra tem uma mãe. Esse sentimento está nas últimas palavras de Tupac Amaru e está em Milagro Sala e está conosco do Força e Defesa.

Viva Milagro Sala!

Viva Pachacamac!

Nossa Terra tem Mãe

E Nós temos a Justiça que irradia de cima!