Os Direitos da Natureza são a resposta para nossas crises ecológicas?

Em 2020, começou a derrubada de florestas antigas ao longo da rota planejada da nova linha ferroviária de alta velocidade HS2 do Reino Unido. Em Jones’ Hill Wood em Buckinghamshire – a inspiração literária para o clássico livro infantil: “O Fantástico Sr. Raposo” de Roald Dahl – a derrubada estava prestes a começar. 

Isso até que, devido aos protestos contínuos, contestações legais e a descoberta de uma espécie rara de morcego, a HS2 Ltd foi legalmente obrigada a suspender as obras para conduzir pesquisas e solicitar licenças para atividades nos locais onde vivem os morcegos.

Como os morcegos fazem parte das espécies protegidas, são legalmente exigidas, antecipadamente, licenças da agência governamental Natural England para que possa haver qualquer perturbação ou danos às florestas em que vivem. Em 30 de março de 2021 a Natural England emitiu uma licença para atividade nos locais onde vivem os morcegos para os empreiteiros da HS2, permitindo que as obras em Jones’s Hill Wood prossigam sob certas condições. 

Marianne Brown, editora da Resurgence & Ecologist, irá organizar um debate sobre este artigo com o grupo dos leitores da Resurgence em 14 de maio de 2021. Reserve o seu lugar online.

Suspensão

Mark Kier, da Earth Protector Communities, contestou a decisão da Natural England no Tribunal Superior de Justiça e, em 16 de abril, a juíza Lang ordenou que todos os trabalhos fossem suspensos até a determinação da reivindicação ou ordem posterior.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, juízes que ouviram duas reivindicações legais nas instâncias inferiores do Equador começaram a traçar um curso para um novo precedente global, reconhecendo os direitos constitucionais das florestas nubladas andinas.

O governo do Equador recorreu de ambas as decisões. Se as decisões da instância inferior forem mantidas, isso colocará um fim à mineração na floresta e protegerá centenas de espécies ameaçadas de extinção.

Tanto no Reino Unido como no Equador, o que está em jogo é o destino de espécies raras legalmente protegidas e de seus habitats insubstituíveis. Em ambos os países, o Estado tem usado a lei para autorizar a destruição e danos por parte de corporações com base no desenvolvimento econômico nacional.

No entanto, embora haja o potencial de parar a mineração na floresta nublada andina, sem uma reviravolta política, as florestas da HS2 podem ter recebido apenas uma suspensão temporária.

Extração

A diferença em seus destinos é explicada, pelo menos em parte, pelo reconhecimento dos Direitos da Natureza na Constituição de 2008 do Equador – que foi o primeiro país do mundo a trazer uma legislação tão vital.

Esses direitos são produto da mobilização dos Povos Indígenas e da sociedade civil nos Estados Unidos e no Equador, que se tornou um movimento nacional e global para o reconhecimento da Natureza como sujeito legal com direitos.

Ativistas legais e os Povos Indígenas, apoiados pelo conhecimento especializado de ecologistas, aproveitaram este movimento para trazer reivindicações constitucionais pelos Direitos da Natureza e Direitos dos Povos Indígenas nos tribunais equatorianos. A força desse movimento provou ser fundamental ao longo de mais de uma década de reivindicações pelos Direitos da Natureza.

Em um cenário de forte apoio público, uma Ação de Proteção Constitucional a favor dos Direitos da Natureza foi concedida por um tribunal de Cotacachi em setembro de 2020 para proteger duas espécies endêmicas raras de sapos, bem como macacos e centenas de outras espécies cujo habitat estava ameaçado pelo projeto de mineração de cobre de Llurimagua.

Isso se seguiu a uma decisão do Tribunal Provincial de Imbabura em outro caso, que manteve os Direitos da Natureza da Floresta Protegida de Los Cedros contra a extração mineral. O governo do Equador recorreu das duas decisões.

Mineração

O desfecho resultará em um precedente global sobre onde está o equilíbrio perfeito entre os direitos constitucionais de um ecossistema florestal e o poder do Estado e das corporações de explorar reservas minerais para o desenvolvimento econômico.

Em contrapartida, as florestas antigas do Reino Unido têm uma proteção jurídica limitada, apesar do seu significado histórico e cultural e da sua rica biodiversidade. Bosques e árvores antigas são reconhecidas como “insubstituíveis” no Quadro Nacional de Políticas de Planejamento.

Contudo, apenas uma pequena proporção da floresta antiga é designada como área protegida. Algumas espécies raras, incluindo morcegos, têm o mais alto nível de proteção contra danos aos seus habitats causados ​​pela construção.

No entanto, nenhuma lei ou política de planejamento oferece proteção garantida contra projetos de infraestrutura apoiados pelo Estado. Essas deficiências na proteção legal da Natureza permitiram que o governo britânico exercesse discrição política e prosseguisse com a HS2, apesar da crescente pressão pública e dos desafios legais para que antigas florestas fossem salvas.

Entretanto, mesmo o reconhecimento constitucional não é garantia de proteção. Desde 2017, o governo do Equador tem expandido seu programa de outorga de concessões de mineração. No caso Cóndor Mirador de 2013 – a primeira ação de Direitos da Natureza movida pela sociedade civil –, a segunda instância manteve a agenda do Estado para a mineração a céu aberto na Amazônia.

Políticas

Isso nos lembra dos pontos fracos estabelecidos nas leis dos direitos humanos. Ao tentar equilibrar os direitos humanos contra um argumento de interesse estatal, os tribunais muitas vezes produziram decisões que se submeteram ao Estado.

Embora a constituição equatoriana tenha aberto novos caminhos ao consagrar os Direitos da Natureza, até recentemente a maioria dos casos dos Direitos da Natureza eram concluídos a favor dos interesses de desenvolvimento econômico do Estado ou defendiam os argumentos dos Direitos da Natureza apoiados pelo Estado contra as atividades comunitárias locais.

Apesar da jornada turbulenta dos Direitos da Natureza no Equador, a liderança constitucional do país criou um efeito dominó em toda a América do Sul e além. Na Nova Zelândia, o Rio Whanganui, a floresta Te Urewera e Taranaki Maunga (antigo Monte Taranaki) foram declarados como tendo seu próprio título inalienável.

O estado e o povo mMaori local aceitaram um acordo de governança conjunta no interesse do rio, da floresta e da montanha. No entanto, esses acordos de compartilhamento de poder não descartam inteiramente o potencial de extração mineral.

A lei é uma ferramenta que pode ser usada pelo estado e outros agentes poderosos para dominar e desempoderar, tanto quanto pode ser usada para empoderar e transformar. A experiência equatoriana mostra que o reconhecimento legal dos Direitos da Natureza não garante que o governo adote políticas que os respeitem.

Em termos políticos

O modelo da Nova Zelândia se compromete a compartilhar o poder, mas ainda permite que os recursos naturais sejam explorados sob certas circunstâncias. Mais do que a própria lei, é o apoio público e a disposição de governos e tribunais de se envolverem com a lei de maneiras ecologicamente progressivas que moldam o que acontece na prática.

Em 2020, quando o ativista ambiental Chris Packham apresentou uma ação legal contra o governo e a HS2 Ltd nos tribunais ingleses, o caso foi arquivado essencialmente com base em que era uma questão de julgamento político dentro dos limites legais, incluindo os compromissos climáticos do Reino Unido.

Geralmente, os tribunais têm poderes muito limitados para intervir na tomada de decisões do governo por meio de recurso judicial. Novos enquadramentos ecológicos da lei, como Direitos da Natureza, ecocídio e direitos humanos ambientais, são necessários para alcançar o tipo de proteção para a Natureza contra o exercício do poder estatal e corporativo no Reino Unido que foi defendido no Equador.

No entanto, como na Nova Zelândia, as leis precisam ser projetadas de maneiras em que também sejam culturalmente significativas para serem aceitas social e politicamente.

Diversificação

Em um momento em que estamos alcançando a Natureza tão rápido quanto a estamos perdendo, os povos e os Estados precisarão reimaginar como as abordagens ecológicas da lei poderiam ser desenvolvidas e como o poder poderia ser compartilhado equitativamente entre o povo e o Estado em diferentes contextos.

Direitos da Natureza é uma abordagem possível, mas não sem desafios e precisa do apoio público para ser uma ferramenta legal eficaz. Em cada país e cultura, existe a oportunidade de desenvolver a lei a partir dos espaços onde as conexões homem-natureza estão sendo nutridas e redescobertas.

E por fim, isso poderia levar à descentralização dos interesses do Estado e a mudanças radicais nas culturas e hierarquias legais, reconhecendo a natureza diversificada e interdependente das relações homem-terra.

Sobre a Autora

Helen Dancer é uma antropóloga jurídica, escritora e professora de direito na Universidade de Sussex. Seu atual projeto de pesquisa Reimagining the Law of the Forest traz novos insights sobre as relações homem-floresta e a lei. @dancerhelen

Para obter informações sobre James Hill Wood visite o site da Natural England. Marianne Brown, editora da Resurgence & Ecologist, irá organizar um debate sobre este artigo com o grupo dos leitores da Resurgence em 14 de maio de 2021. Reserve o seu lugar online.

 O artigo original pode ser encontrado no site do nosso parceiro aqui


Traduzido do inglês para o português por Doralice Silva / Revisado por Barbara Sena