CONTO
Por Valéria Soares
O vento, como se chutasse a porta, entrou varrendo os enfeites, retorcendo as cortinas, desalinhando os quadros. Visita mal educada, não ficou esperando na sala. Invadiu o corredor e abriu todas as portas. Não estava para brincadeira e não viera sozinho.
Mal conseguia caminhar até a porta. Fechá-la, então, fora um trabalho muito acima de suas forças. Olhou para o desalinho geral suspirando fundo. Lembrou-se dos lençóis que pendurara bem cedo, naquela manhã de sol… Não estavam mais lá. Sequer, ao alcance dos olhos. Encolheu os ombros e mais uma vez suspirou. Tudo agora estava calmo, restava-lhe pôr as coisas em ordem.
Um barulho ensurdecedor sacudiu toda a casa. Clarões e mais clarões. Uma chuva forte despencou deixando tudo opaco, cinza, coberto por pequenos cristais de gelo… destruindo o jardim.
Suspirou. O coração aos pulos, o corpo trêmulo. Que dia! Jogou-se no sofá. Tanto fora do lugar… Precisaria de tempo. De muito tempo. Não tinha como dar conta. Ia se mudar daquele lugar. Cruzes! Tinha acordado com planos de aproveitar o lindo dia de sol e… Era um aviso. Iria embora.
Ajeitou os quadros na parede, os enfeites, as cortinas… sentiu-se melhor. Fechou as portas, e deu os lençóis por perdidos. Armou-se para cuidar do jardim.
Jogou-se no sofá, olhou a sua volta e sentiu-se feliz, vitoriosa.
Um barulho na porta a fez acordar sobressaltada. Escurecia, as nuvens pesavam no céu agourentas, sinistras. Novamente a porta, o estrondo, os clarões e um medo que agora a sufocava. O que iria fazer? De novo não! No mesmo dia? Sem trégua?
Pensa! Pensa! Pensa! Corre pelo corredor, volta. Abre a porta e quase cai diante do vento. Afirma-se, empunha ridiculamente uma vassoura e grita: De novo, não! Hoje não! Se quiser volte outro dia! Fechou a porta, caiu na gargalhada alta e livre. O suspiro veio triunfante, na próxima estaria mais forte. Aquele lugar teria que aprender a conviver com ela.
Lá fora, um tímido luar tomava a noite.