CONTO

 

 

Por Valérias Soares

 

 

– O gole tá pronto!

Mal acabávamos de almoçar e o grito do biso ecoava pelo quintal. Na velha Barra do Imbuí, sem muito o que fazer, o gole – como ele chamava – era quase um acontecimento. Subíamos as escadas  para então, nos fundos da casa da minha avó, saborearmos um café retinto, amargo, passado em coador de pano. Às vezes os grãos eram do quintal. Reconheço que hoje aquele café me parece bem mais gostoso do que na época. Mas tal momento (aproveitado também pelas crianças) era uma espécie de recreio dos adultos: riam, conversavam e principalmente eram alvo das brincadeiras de gosto duvidoso do meu bisavô que sempre tinha uma gargalhada travessa depois de suas peripécias. Adorava nos chamar só pra que virássemos o rosto e ele pudesse colocar o dedo em nossa boca. Fosse quem fosse. Vizinhos, parentes, adultos ou crianças sempre caíam em alguma de suas armadilhas. Entretanto, ninguém perdia o gole. 

Ele gostava de cozinhar sempre pros seus cachorros, muitas vezes pra família e às vezes só pra ele, porque ninguém gostava de comer gambá ou cuíca. Havia um fogão a lenha do lado de fora da casa onde podia ser o chef para os seus cães ou dar vida a uma receita que a todos parecesse bizarra.

Era viúvo de “Matile” vó Matilde, que não conheci. Usava sempre chapéu e na juventude havia sido tropeiro. Não sabia ler nem escrever, mas o sentido do vento, as plantas, a passagem do tempo através do sol lia muito bem. A gente achava que ele era meio mágico, porque avisava se choveria ou não, olhava pro céu e calculava as horas pela posição do sol…arregalávamos os 

olhos completamente desconfiados.

Muito da leitura que faço do mundo à minha volta aprendi com meu biso. Até hoje quando vejo um bando de andorinhas sei que o tempo vai mudar… 

Vô, a escola ainda não ensina o que é um pé de jiló, mas aprendi mais do que aritmética convivendo com o senhor.